Rafael Serrao, Leandro Horie e Cláudia Cirino - Brasil Debate - Transcrito do Carta Maior

Ao longo das últimas décadas, apesar dos problemas que
ainda persistem, o mercado de trabalho nacional se estruturou e acumulou
conquistas importantes por meio da ação sindical, e, também, pelos
anseios da sociedade democrática na qual vivemos. Entretanto, tais
avanços estão em risco por conta da tramitação do PL 4330, que, se
aprovado definitivamente, transferirá para o conjunto (ou boa parte) dos
trabalhadores os problemas da terceirização.
A
terceirização é vendida à sociedade, pelas entidades empresariais, como
fator de aumento da competitividade do País por meio da redução de
custos do trabalho, além de afirmar que também seria fonte de geração de
empregos. Estes argumentos, porém, são carentes de sustentação e
deslocam o problema estrutural da economia brasileira, em especial do
setor industrial, para uma simples questão de redução de custos do
trabalho (que entidades como CNI e FIESP nem colocam como determinante
ao mau estado da indústria no País, conforme estudos já divulgados pelas
entidades empresariais).
Além
disso, ignora-se que as empresas brasileiras, por meio de sofisticadas
técnicas de downsizing e a alta rotatividade, são enxutas e, assim, a
suposta geração de empregos que a terceirização possibilitaria não passa
de uma retórica, ainda mais se colocado que o emprego é, antes de tudo,
uma variável macroeconômica. Dessa forma, a terceirização tende a ser
bom para empresários, já que se trata de redução de custos, mas tem
eficácia duvidosa na geração de empregos e, principalmente, tem efeitos
problemáticos para o trabalhador.
Os
danos para a mão de obra, segundo trabalho elaborado pela CUT, com o
auxílio da Subseção do DIEESE na mesma entidade são claros. Em 2013, os
12,7 milhões de trabalhadores terceirizados (26,8% do total dos ocupados
no mercado formal) estavam expostos as seguintes situações:
– Recebiam em média 24,7% a menos
– A jornada semanal média era 7,5% superior
– O tempo de emprego era 53,5% menor
– A taxa de rotatividade de emprego era superior para os terceirizados, 64,4% contra 33,0% dos demais setores
Além
dessas desvantagens, a terceirização possui ao menos outras quatro
cruéis faces que vulnerabilizam a vida dos que vivem do trabalho:
1. Calotes
A
ação sindical, assim como uma simples pesquisa, revela que as empresas
prestadoras de serviços promovem calotes, geralmente coletivos,
principalmente ao final dos contratos firmados com empresas
contratantes, abandonando seus trabalhadores sem o cumprimento das
obrigações trabalhistas legais.
2. Morte
O
terceirizado corre riscos maiores de morrer, isso porque as condições
de saúde e segurança do trabalho são inferiores às asseguradas aos
trabalhadores contratados diretamente. Dois exemplos: em 2001, de acordo
com estatísticas da Fundação COGE, morreram 79 trabalhadores do setor
elétrico, destes 61 eram vinculados às empresas terceirizadas. No caso
da Petrobrás, a realidade não é diferente: em 2013, morreram 4
terceirizados e nenhum direto e, em 2012, 10 terceirizados contra 1
direto.
3. Ataque aos direitos trabalhistas
A
terceirização ilícita da atividade fim – a Súmula 331 do TST apenas
autoriza a terceirização das atividades meio (copa, limpeza, segurança
etc.) das empresas – é uma prática bastante comum que tem o objetivo de
rebaixar os direitos trabalhistas e, assim, reduzir custos das empresas
contratadas. São inúmeras as condenações trabalhistas, tanto de empresas
privadas quanto públicas, que decidem pela primarização de
trabalhadores terceirizados. E, neste tópico, cabe uma das informações
mais contundentes contra a defesa da regulamentação da terceirização:
dos 10 maiores casos de resgate de trabalho escravo, entre 2010 e 2013, 9
envolviam terceirizados, o que totaliza 2.998 trabalhadores em um
universo de 3.553 restados.
4. Discriminação e preconceito
Muitas
vezes invisível, a discriminação é algo bastante comum para o
trabalhador terceirizado. A distinção criada pelo empresariado nos
locais de trabalho cria “mundos” antagônicos na medida em que os
terceirizados são obrigados, em muitos casos, a utilizar vestiário,
banheiro, refeitório e uniformes diferentes que os demais trabalhadores.
Diversos
argumentos circularam na sociedade nos últimos anos contra a
regulamentação da terceirização no País por meio do PL 4330/04 e, em
especial, nas últimas semanas, algumas das questões apontadas acima
ocuparam maior espaço na mídia e nos debates na Câmara e Senado.
Mas,
talvez o principal dos argumentos tenha passado despercebido: o próprio
PL 4330 depõe contra a própria terceirização na medida em que assume os
impactos negativos na vida dos trabalhadores! Isto é, só existe um
motivo para a legislação proposta versar em seus artigos sobre tantos
temas já resolvidos na sociedade brasileira (a obrigação e fiscalização
de recolhimentos trabalhistas; a garantia do direito de férias; a
garantia de condições decentes de trabalho; a garantia de representação
sindical, conforme previsto na CLT etc.): ser um terceirizado é uma
situação bastante arriscada para o trabalhador brasileiro.
A
verdade é que o PL 4.330/04 é um grande “Cavalo de Troia”, porque, sob a
justificativa de regulamentar a terceirização, pode permitir uma série
de regulamentações que superam, e muito, o seu objetivo principal. Com a
principal delas, a liberalização da terceirização à atividade fim, o
que se busca não é a regulamentação do trabalho terceirizado, mas sim
possibilitar que todas as atividades econômicas possam ser terceirizadas
sem qualquer impedimento, piorando a vida do trabalhador que não é
terceirizado, ao invés de melhorar a dos que são.
Confira AQUI o trabalho divulgado pela CUT Nacional na íntegra.
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