Clemente
Ganz Lúcio[1]
O
crescimento, sozinho, não produz igualdade, muito pelo
contrário, pode até
agravar a desigualdade. A consciência, o interesse e a
intencionalidade são
atributos humanos que estão na base da ação individual e
coletiva, conformando
a história que produzimos no jogo de forças sociais e de
escolhas. A nossa
história revela que produzir e promover a igualdade é um ousado
e raro salto
político civilizatório. Trata-se de uma escolha de ir na
contramão dominante da
história, pois o aumento da capacidade produtiva, ao invés de
gerar bem-estar e
qualidade de vida para todos, é acompanhado da persistência da
pobreza e do
aumento das desigualdades.
O sonho de
um Brasil sem miséria é hoje história, resultado de escolhas
pelo voto e de
ousadas decisões de governos para enfrentar o problema a partir
das causas,
além de confrontar interesses.
Antes invisíveis
entre os 190 milhões de brasileiros, por decisão política e ação
do Estado, ganharam
identidade 16,3 milhões de brasileiros e brasileiras que viviam
na extrema
pobreza. Localizados, 46% viviam no campo, 59% no Nordeste e 51%
tinham menos
de 19 anos.
Para
conhecê-los e localizá-los, o Programa “Brasil Sem Miséria”
estruturou o Cadastro
Único, base a partir da qual faz a gestão de todos os Programas
Sociais, com mais
de 100 informações sobre o perfil socioeconômico das famílias e
brasileiros
mais pobres. São mais de 24 milhões de famílias cadastradas, das
quais 87% têm
renda inferior a meio salário mínimo por pessoa, totalizando
mais de 74 milhões
brasileiros.
A pobreza é
uma condição oriunda da precariedade e insuficiência da renda,
da insegurança
alimentar e da baixa qualidade nutricional, da frágil ou
inexistente escolaridade
e formação profissional, da precariedade na inserção
ocupacional, da dificuldade
de acesso à água, ao saneamento, à energia elétrica, ao serviço
de saúde, à
moradia, à proteção laboral e previdenciária, entre tantas
outras privações. A
pobreza se manifesta de múltiplas formas e, por isso, a
intersetorialidade das
políticas públicas, integrando e coordenando inciativas e ações,
estão na
concepção e no modo de gestão do Programa.
A garantia
de renda, a inclusão produtiva urbana e rural e o acesso a
serviços públicos são
objetivos a serem alcançados, visando à grande escala e à
universalidade, em
todos os 5.570 municípios brasileiros, com uma estrutura ágil,
ação integrada e
gestão compartilhada entre os entes federados. Hoje, há
programas complementares
de renda em sete estados (as informações por município estão
disponíveis no
portal www.brasilsemiseria/municípios).
O
principal instrumento de garantia de renda é o Programa Bolsa
Família, cuja
prioridade são famílias com crianças e adolescentes. Atualmente,
o plano articula
seis tipos de benefícios. O orçamento é de R$ 26 bilhões,
equivalente a 0,5% do
PIB, atingindo 14,1 milhões de famílias.
As
avaliações indicam que dos 22 milhões brasileiros que superaram
a extrema
pobreza, 39% têm até 14 anos, 29% são jovens de 15 a 29 anos,
78% são negros e
54% são mulheres.
Há um
esforço de integração das políticas públicas, como a inclusão
produtiva por
meio do Pronatec (Programa de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego) e o Brasil
Sem Miséria. Com cursos gratuitos de duração mínima de 160
horas, como formação
inicial e continuada em 644 modalidades, o Programa oferece
ainda material
didático, alimentação e transporte. Mais de 45% dos cursos são
noturnos, o que
permite combinar a ocupação e o estudo, entre outros fatores.
Entre 2012 a 2014,
foram 1,5 milhões de matrículas - 67% eram mulheres e 48%,
jovens de 18 a 29
anos. O Nordeste concentrou 32% das matrículas.
Além da
inserção ocupacional no mercado de trabalho assalariado com
carteira, há uma
ação para o empreendedorismo e a economia solidária. Há
iniciativas voltadas
especificamente para o meio rural, com crédito, assistência
técnica, o PAA (Programa
de Aquisição de Alimentos), habitação. Uma inovação importante
foi a criação do
Bolsa Verde, para famílias extrativistas, assentados e
ribeirinhos, para
preservação de ativos ambientais.
Tudo isso
está registrado e é refletido na excelente publicação “O Brasil
sem Miséria”,
organizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome. O
material apresenta e analisa, em 32 artigos, importantes e
impactantes
resultados. É uma leitura obrigatória para quem quer entender a
complexidade do
fenômeno da pobreza, aprender formas de estruturar políticas
públicas fundadas
no princípio da equidade e na determinação para enfrentar este
problema
complexo e crônico. Leitura estimuladora para quem se encanta
com a política
como arte de fazer escolhas, de decidir em contextos adversos e
de atuar
vigorosamente para transformar a realidade.
[1] Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
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