Nestes dias de transição de poder
na China, o Blog Brasil no Mundo conversou com Alexandre de Freitas
Barbosa, professor de História Econômica e Economia Brasileira do
IEB-USP, sobre, dentre outros, a situação econômica do país e a evolução
da relação bilateral com o Brasil e no agrupamento BRICS. Para Barbosa,
apesar da possibilidade de a “tendência de maior concentração na pauta
de exportação brasileira de produtos primários” ser causada pela China,
isto “não quer dizer que a estrutura produtiva brasileira está se
reprimarizando”. Segundo ele, “para a América Latina, é muito difícil
conseguir exportar algo diferente de commodities para o país, pelo menos
no curto prazo”. O professor também afirma que “a China recoloca a
África na geopolítica internacional e na economia internacional” e que
os investimentos estrangeiros do país produzem “toda uma cooperação para
o desenvolvimento, diferente do padrão das agências tradicionais”.
Confira a conversa na íntegra:
O que os BRICS significam para a
China? Na configuração da política externa chinesa qual é a relevância
dos BRICS e qual seria sua estratégia com relação ao bloco?
Eu acho que os BRICS jogam um papel
importante na política externa chinesa, mas não tão importante quanto a
relação mais estratégica da China que é com os Estados Unidos. Há uma
discussão acadêmica interessante sobre até que ponto a China entra nas
organizações multilaterais para manter o status quo, ou para tentar
mudar o status quo. Eu diria que a relação prioritária da China é com os
Estados Unidos, tanto por eles terem grande parte de suas reservas
aplicadas em títulos da dívida pública, quanto por ser o principal
mercado. E ao mesmo tempo tem o assunto Taiwan, que é muito estratégico
para a China, por toda a discussão de segurança. Por outro lado, os EUA
veem com muita cautela a tentativa da China exercer uma soberania
regional na Ásia, até porque é uma soberania regional que eles realizam
através dos acordos de livre comércio que eles fazem com os países do
Sudeste Asiático, com apoio financeiro, etc. Para os Estados Unidos,
isto também é desconfortável. Assim, eu diria que o BRICS é como uma
“carta na manga” que a China tem. Se você olha a Declaração de Délhi,
que saiu este ano – e que eu acho muito interessante – você vê um
documento de sete páginas onde eles conseguiram articular uma visão de
mundo comum. Mas na hora que você olha, tirando o banco de
desenvolvimento, que seria a alternativa ao Banco Mundial, o que existe
de concreto? São side meetings, ou seja, o BRICS funciona como um
espaço para tentar definir pontos comuns da agenda em um fórum
privilegiado, ainda não institucionalizado, que é o G20, e em outras
negociações internacionais, como as cúpulas climáticas. Eu diria que a
China, na verdade, traz o peso dos BRICS em algumas de suas agendas, já
em outras agendas, sobretudo da cooperação macroeconômica internacional,
do sistema monetário internacional, ela atua sozinha. Seu objetivo
central é manter a soberania na política de câmbio, na política
monetária, fazer a conversão do modelo para algo mais voltado ao mercado
interno, que é algo que já está no novo Plano Quinquenal. E para
segurar isso eles têm que negociar com os Estados Unidos e tentar, no
âmbito do G20, criar novos parâmetros. E quando têm coincidência com os
BRICS, os BRICS entram. Aliás, eu acho que todos os países fazem isso:
todos os BRICS tentam utilizar os outros para aumentar seu peso no
âmbito do G20. Acho que esse é o papel dos BRICS para a China, ao mesmo
tempo em que permite a ela se colocar como país em desenvolvimento, o
que é importante. Pegue a relação da China com a África e com a América
Latina, por exemplo. No caso da África, onde a China sempre teve uma
presença forte, inclusive apoiando movimentos de libertação, eles juntam
o discurso das vantagens comparativas – ou seja, “vocês vendem aquilo
que vocês têm, nós vendemos aquilo que nós temos” – com a parceria
“Terceiro-Mundista” que encontra raízes no passado – no caso da África;
na América Latina isso não é tão presente. Então o BRICS também serve
para dar um verniz de país em desenvolvimento, que quer construir uma
nova ordem multipolar, e ajuda a configurar o soft power chinês.
Mas nos assuntos mais pesados, financeiros, a negociação é no âmbito do
G2 – com os Estados Unidos, que é o parceiro e oponente – até pela
interdependência que eles têm em termos econômicos – mais importante que
eles têm.
Você mencionou a coordenação de
agendas no G20 e em alguns outros espaços. Eu não vejo com muita clareza
qual seria esta coordenação porque nos temas mais relevantes não tem
funcionado.
Isto é percebido claramente na agenda da
mudança de cotas do FMI, nos critérios de concessão de crédito no âmbito
do FMI. No âmbito do Banco Mundial isto também é claro. Já mo âmbito da
OMC, eu diria que a China joga um papel interessante, porque ela nunca
assumiu o papel que Brasil e Índia jogaram. O Brasil não precisa
defender seu mercado agrícola, mas acabou aceitando proteções para os
mercados dos outros países; houve uma composição. O que é interessante
sobre a China, por exemplo, é que se você pegar a discussão sobre NAMA
(produtos industriais), levada adiante pelos países desenvolvidos, e
mesmo a discussão sobre serviços – a China agora está virando uma
potência de serviços – eles tendem a ser os mais beneficiados pela
abertura industrial e de serviços dos países em desenvolvimento. Mas
eles têm assumido uma postura mais cautelosa: eles não vão se unir aos
Estados Unidos. Se por um acaso os países desenvolvidos, quando
destravar – se é que vai destravar – a Rodada Doha, conseguirem reduzir
as barreiras tarifárias, industriais, e aumentar o acesso, flexibilizar o
acesso a investimentos, todos aqueles modos de serviço (1, 2, 3 e 4), a
China não vai achar ruim, pelo contrário. Mas ela está claramente
alinhada à agenda dos países do G20 comercial no âmbito da OMC. Então,
se você vê OMC, Banco Mundial e FMI, existe claramente. Agora, na agenda
de regulação monetária, de fluxos de capitais, e mesmo as cúpulas
climáticas, a China tende a ter um voo mais solo – no Conselho de
Segurança também, pelo assunto do Japão, eles têm uma postura mais
independente. O Brasil, durante muito tempo, teve a pretensão de
desenvolver uma parceria com a China na qual assuntos bilaterais e
globais pudessem ser intercambiados; hoje, acho que o Brasil chegou à
conclusão de que não dá para vincular as duas coisas, porque a China não
vai ficar refém do Brasil e dos demais países nas discussões globais
que são vitais para ela. Por outro lado, o Brasil, no âmbito do G20,
está cumprindo um papel interessante: ele não está demonizando a China,
que é o que muita gente por aí quer. O Brasil está fazendo o discurso do
tsunami monetário, o que, na verdade, seria uma forma de se abster
sobre o assunto chinês. O que eu acho bastante interessante é que o
Brasil não assuma a postura dos países desenvolvidos de colocar o
problema de sobre-oferta dos produtos chineses, e o controle da política
cambial chinesa, como tema fundamental do G20. Outro exemplo é a agenda
de regulamentação dos capitais de curto prazo, que tem alguns pontos em
comum. Já a agenda de coordenação macroeconômica é um assunto de
segurança de Estado que eles não dividem com os BRICS, ainda que na
Declaração de Délhi se fale em “uma nova ordem econômica internacional,
um novo sistema monetário internacional”
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