Em entrevista à Carta Maior, Sun Hongbo,
professor do Instituto de Estudos Latinoamericanos da Academia Chinesa
de Ciências Sociais, fala sobre o presente e o futuro das relações entre
China e América Latina. "A atual crise econômica mundial criou
oportunidades estratégicas para que China e América Latina reforcem suas
relações. Tanto na China como na América Latina está ocorrendo uma
notável expansão da classe média que implica que o consumo doméstico
terá um papel muito mais importante", diz Hongbo.
Marcelo Justo
Data: 12/11/2012
Londres - A China muda de dirigentes neste
mês de novembro em um momento crítico da economia mundial. Enquanto os
países industrializados enfrentam anos de incerteza e própria economia
chinesa está desaquecendo, sua relação com a América Latina parece andar
de vento em popa. Entre 2001 e 2011, o comércio cresceu cerca de 30% ao
ano, rondando os 24 bilhões de dólares no ano passado. Em junho,
durante sua visita a América Latina, o primeiro-ministro chinês Wen
Jiabao propôs duplicar os intercâmbios e deu o pontapé inicial para um
tratado de livre comércio com o Mercosul. Neste concerto, o Brasil ocupa
um lugar, tanto por seu potencial econômico como por seu peso
diplomático. Mas nem tudo são flores. Segundo os críticos, as relações
com a China mostram traços do velho modelo colonialista baseado na
exportação de matérias primas e importação de produtos com valor
agregado. A Carta Maior conversou sobre o tema com o professor do
Instituto de Estudos Latinoamericanos da Academia Chinesa de Ciências
Sociais, Sun Hongbo.
CM: Em sua recente visita a quatro países da América Latina, o premier Wen Jiabao indicou que quer duplicar o comércio com a América Latina em cinco anos. Isso se dá em um momento no qual os principais sócios comerciais da China – Estados Unidos, União Europeia e Japão – têm sérios problemas que, muito provavelmente, exigirão anos para serem resolvidos. Pode-se dizer que essa é uma das razões pelas quais a China aumentou seu interesse na América Latina?
Sun Hongbo: A atual crise econômica mundial criou oportunidades estratégicas para que China e América Latina reforcem suas relações. Se comparamos a relação atual com a que havia antes da crise de 2008, é óbvio que os laços com a região se intensificaram. Mas a China sempre adotou uma perspectiva estratégica de longo prazo em sua relação com a América Latina. Esse interesse ficou claramente explicitado no discurso do premier Wen Jiabao na Cepal em junho quando anunciou o estabelecimento do fundo de cooperação China-América Latina com mais de US$ 15 bilhões. Em nível comercial, o volume do intercâmbio China-América Latina registrou no ano passado um aumento de quase 100% em relação a 2009.
O investimento direto e os empréstimos da China à região aumentaram de maneira extraordinária. No final de 2011, os investimentos chegaram ao redor de US$ 54 bilhões. A isso, somam-se os empréstimos comerciais do Banco de Exportação e Importação chinês e do Banco de Desenvolvimento que firmou linhas de crédito com 12 países latino-americanos para mais de 60 projetos de desenvolvimento e infraestrutura.
CM: Neste concerto, o Brasil ocupa um lugar muito especial.
Sun Hongbo: O Brasil é o principal sócio comercial na região e um destino privilegiado dos investimentos chineses. Isso se nota desde o próprio Brasil: a China ultrapassou os Estados Unidos como primeiro sócio comercial. Está em curso uma extraordinária cooperação nas áreas de mineração, petróleo, agricultura, indústria automotriz, alta tecnologia, ciência espacial, infraestrutura, educação, etc. Além disso, em nível diplomático, a partir de uma perspectiva multilateral, a aliança China- Brasil vem tendo um forte impacto mundial.
CM: Apesar desta importância estratégica do Brasil e da América Latina, o certo é que os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão representam duas terças partes do consumo mundial. Nem Brasil, nem América Latina podem competir com isso.
Sun Hongbo: Não resta dúvida que o consumo dos Estados Unidos, da União Europeia e do Japão é muito importante, mas ao mesmo tempo há um deslocamento do centro de gravidade das economias industrializadas para as emergentes. Esta transição vai demorar um tempo. Tanto na China como na América Latina está ocorrendo uma notável expansão da classe média que implica que o consumo doméstico terá um papel muito mais importante. A isso, deve se acrescentar que tanto a China como a América Latina tem certas vantagens para avançar na direção de produtos de maior valor agregado, apesar da dependência da América Latina em relação aos seus produtos primários.
CM: Precisamente, Venezuela, Brasil, Argentina e Equador são os grandes destinatários de empréstimos chineses. As prioridades chinesas parecem claras: energia e alimentos. No Brasil e no resto da América Latina existe preocupação de que a influência chinesa reforce uma primarização econômica. É possível ter uma relação bilateral mais equilibrada?
Sun Hongbo: As relações entre China e América Latina são, ao mesmo tempo, complementares e de competição. A preocupação que você menciona surge de concentrar-se mais na competição do que na complementariedade. A China não quer ter um superávit comercial com a América Latina, mas sim uma relação equilibrada e sustentável. Em termos de recursos naturais como o cobre, petróleo, carne e soja, a China vai continuar sendo um grande importador da América Latina. O problema não é ter recursos naturais, mas sim o que fazer com eles. Em toda a indústria, incluída a dos produtos primários, pode haver um alto desenvolvimento tecnológico. Um desafio para os países latino-americanos é a plena exploração desse potencial.
Tomemos o caso do lítico como exemplo. Argentina, Chile e Bolívia exportam lítio como matéria prima enquanto que Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos o utilizam em todo seu valor agregado para a indústria das baterias. Certamente que há setores como o têxtil, brinquedos, calçados e autopeças em que há competição. Mas creio que China e América Latina podem potencializar as cadeias de valor agregado global reforçando o investimento direto no interior de uma indústria.
CM: Em que áreas o Brasil poderia aproveitar melhor suas exportações para a China, na sua avaliação?
Sun Hongbo: O Brasil tem uma vantagem tecnológica em relação a outros países da América Latina. No marco atual, o Brasil pode exportar mais artigos agrícolas processados com alto valor agregado para a China. E tem o etanol e a exploração petrolífera. Creio que com o fortalecimento da cooperação científica, técnica e agrícola pode melhorar seu nível de competitividade na indústria manufatureira.
CM: A China e o Mercosul vão iniciar estudos preliminares para um tratado de livre comércio. Quais são as dificuldades e as vantagens que pode ter uma associação deste tipo?
Sun Hongbo: O Mercosul é uma plataforma estratégica para a China em sua relação com a América do Sul. A declaração conjunta da China e do Mercosul propôs seis iniciativas que não incluíam o tema do tratado do livre comércio. Ele foi abordado na vídeo-conferência que o premier Wen Jiabao teve com os líderes do Mercosul em junho. Creio que ainda é prematuro falar de tratado de livre comércio. É preciso que os membros do Mercosul tenham uma maior coordenação e consenso sobre o tema. O setor industrial do Mercosul provavelmente se opõe a essa agenda. Há um longo caminho a percorrer.
CM: Pode-se dizer que o crescente interesse que a China mostrou durante o giro do primeiro ministro Wen Jiabao, em junho, é uma política de estado? Pode haver mudanças com a eleição desta nova cúpula do Partido Comunista?
Sun Hongbo: O discurso do premier Wen Jiabao na Cepal em junho é a formulação da política de estado chinesa sobre a América Latina. Não haverá mudanças nesta política. A América Latina tem que formular agora sua própria política em relação a China.
Tradução: Katarina Peixoto
CM: Em sua recente visita a quatro países da América Latina, o premier Wen Jiabao indicou que quer duplicar o comércio com a América Latina em cinco anos. Isso se dá em um momento no qual os principais sócios comerciais da China – Estados Unidos, União Europeia e Japão – têm sérios problemas que, muito provavelmente, exigirão anos para serem resolvidos. Pode-se dizer que essa é uma das razões pelas quais a China aumentou seu interesse na América Latina?
Sun Hongbo: A atual crise econômica mundial criou oportunidades estratégicas para que China e América Latina reforcem suas relações. Se comparamos a relação atual com a que havia antes da crise de 2008, é óbvio que os laços com a região se intensificaram. Mas a China sempre adotou uma perspectiva estratégica de longo prazo em sua relação com a América Latina. Esse interesse ficou claramente explicitado no discurso do premier Wen Jiabao na Cepal em junho quando anunciou o estabelecimento do fundo de cooperação China-América Latina com mais de US$ 15 bilhões. Em nível comercial, o volume do intercâmbio China-América Latina registrou no ano passado um aumento de quase 100% em relação a 2009.
O investimento direto e os empréstimos da China à região aumentaram de maneira extraordinária. No final de 2011, os investimentos chegaram ao redor de US$ 54 bilhões. A isso, somam-se os empréstimos comerciais do Banco de Exportação e Importação chinês e do Banco de Desenvolvimento que firmou linhas de crédito com 12 países latino-americanos para mais de 60 projetos de desenvolvimento e infraestrutura.
CM: Neste concerto, o Brasil ocupa um lugar muito especial.
Sun Hongbo: O Brasil é o principal sócio comercial na região e um destino privilegiado dos investimentos chineses. Isso se nota desde o próprio Brasil: a China ultrapassou os Estados Unidos como primeiro sócio comercial. Está em curso uma extraordinária cooperação nas áreas de mineração, petróleo, agricultura, indústria automotriz, alta tecnologia, ciência espacial, infraestrutura, educação, etc. Além disso, em nível diplomático, a partir de uma perspectiva multilateral, a aliança China- Brasil vem tendo um forte impacto mundial.
CM: Apesar desta importância estratégica do Brasil e da América Latina, o certo é que os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão representam duas terças partes do consumo mundial. Nem Brasil, nem América Latina podem competir com isso.
Sun Hongbo: Não resta dúvida que o consumo dos Estados Unidos, da União Europeia e do Japão é muito importante, mas ao mesmo tempo há um deslocamento do centro de gravidade das economias industrializadas para as emergentes. Esta transição vai demorar um tempo. Tanto na China como na América Latina está ocorrendo uma notável expansão da classe média que implica que o consumo doméstico terá um papel muito mais importante. A isso, deve se acrescentar que tanto a China como a América Latina tem certas vantagens para avançar na direção de produtos de maior valor agregado, apesar da dependência da América Latina em relação aos seus produtos primários.
CM: Precisamente, Venezuela, Brasil, Argentina e Equador são os grandes destinatários de empréstimos chineses. As prioridades chinesas parecem claras: energia e alimentos. No Brasil e no resto da América Latina existe preocupação de que a influência chinesa reforce uma primarização econômica. É possível ter uma relação bilateral mais equilibrada?
Sun Hongbo: As relações entre China e América Latina são, ao mesmo tempo, complementares e de competição. A preocupação que você menciona surge de concentrar-se mais na competição do que na complementariedade. A China não quer ter um superávit comercial com a América Latina, mas sim uma relação equilibrada e sustentável. Em termos de recursos naturais como o cobre, petróleo, carne e soja, a China vai continuar sendo um grande importador da América Latina. O problema não é ter recursos naturais, mas sim o que fazer com eles. Em toda a indústria, incluída a dos produtos primários, pode haver um alto desenvolvimento tecnológico. Um desafio para os países latino-americanos é a plena exploração desse potencial.
Tomemos o caso do lítico como exemplo. Argentina, Chile e Bolívia exportam lítio como matéria prima enquanto que Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos o utilizam em todo seu valor agregado para a indústria das baterias. Certamente que há setores como o têxtil, brinquedos, calçados e autopeças em que há competição. Mas creio que China e América Latina podem potencializar as cadeias de valor agregado global reforçando o investimento direto no interior de uma indústria.
CM: Em que áreas o Brasil poderia aproveitar melhor suas exportações para a China, na sua avaliação?
Sun Hongbo: O Brasil tem uma vantagem tecnológica em relação a outros países da América Latina. No marco atual, o Brasil pode exportar mais artigos agrícolas processados com alto valor agregado para a China. E tem o etanol e a exploração petrolífera. Creio que com o fortalecimento da cooperação científica, técnica e agrícola pode melhorar seu nível de competitividade na indústria manufatureira.
CM: A China e o Mercosul vão iniciar estudos preliminares para um tratado de livre comércio. Quais são as dificuldades e as vantagens que pode ter uma associação deste tipo?
Sun Hongbo: O Mercosul é uma plataforma estratégica para a China em sua relação com a América do Sul. A declaração conjunta da China e do Mercosul propôs seis iniciativas que não incluíam o tema do tratado do livre comércio. Ele foi abordado na vídeo-conferência que o premier Wen Jiabao teve com os líderes do Mercosul em junho. Creio que ainda é prematuro falar de tratado de livre comércio. É preciso que os membros do Mercosul tenham uma maior coordenação e consenso sobre o tema. O setor industrial do Mercosul provavelmente se opõe a essa agenda. Há um longo caminho a percorrer.
CM: Pode-se dizer que o crescente interesse que a China mostrou durante o giro do primeiro ministro Wen Jiabao, em junho, é uma política de estado? Pode haver mudanças com a eleição desta nova cúpula do Partido Comunista?
Sun Hongbo: O discurso do premier Wen Jiabao na Cepal em junho é a formulação da política de estado chinesa sobre a América Latina. Não haverá mudanças nesta política. A América Latina tem que formular agora sua própria política em relação a China.
Tradução: Katarina Peixoto
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