O ataque feroz da revista "The Economist"
ao sistema francês é a última escala de uma ofensiva nascida em Berlim e
em Bruxelas. Segundo o semanário, a França é "uma bomba relógio no
coração da Europa". A Alemanha, o FMI e as instâncias políticas e
financeiras do Velho Continente pressionam Paris para que acelere as
reformas. A papisa dessa ofensiva é a chanceler alemã Angela Merkel.
Merkel parece determinar a afundar François Hollande, se ele não aceitar
o receituário reformista ditado por Berlim. O artigo é de Eduardo
Febbro, direto de Paris.
Eduardo Febbro - Paris
Data: 17/11/2012
Paris - O lobo liberal voltou a mostrar os
dentes para atacar aquele que ainda é seu aliado mais insubmisso: a
França. No momento em que Paris está sob a pressão da Alemanha e do
seleto clube de cardeais da doutrina liberal chamado de “troika”,
composto pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e
pela Comissão Europeia, o semanário britânico The Economist
publicou uma matéria de capa muito agressiva contra Paris. Segundo a
revista, a França é “uma bomba relógio no coração da Europa”. O
semanário ultraliberal aponta Paris como a próxima vítima da crise por
causa, assegura, da incapacidade do presidente socialista François
Hollande de realizar as reformas que os ortodoxos do mercado julgam
inevitáveis.
Neste dossiê especial de 14 páginas dedicado a França, The Economist não poupa nem palavras nem imagens, começando pela da capa. A última edição do semanário aparece com a foto de sete baguetes (o pão francês) envoltos em uma cinta com as cores da bandeira francesa e um estopim preso como se fossem bananas de dinamite. O modelo social francês, suas 35 horas de trabalho por semana, as generosas férias de que gozam os trabalhadores, os inúmeros subsídios que auxiliam a vida das pessoas, o seguro desemprego, a aposentadoria aos 60 anos para muitas categorias e, em cifras concretas, os 56% do PIB consagrados ao gasto público constituem a trama da chamada “exceção francesa” que o liberalismo quer erradicar. Esse Estado de bem estar é o alvo daqueles que, desde Berlim, pressionam a França para que aplique reformas estruturais, ou seja, corte o fluxo de fundos públicos e diminua o peso do Estado.
A publicação prevê para a França o mesmo destino de Grécia, Espanha, Portugal, Itália e Irlanda, tanto mais que, afirma, os mercados até agora estariam sendo “indulgentes” com a França. Nada parece satisfazer os guardiães do dogma liberal, nem mesmo o fabuloso presente que François Hollande deu às empresas para que estas aumentem sua competitividade: 20 bilhões de euros em créditos fiscais financiados com o aumento do IVA (imposto sobre consumo). Essas medidas “são tardias e insuficientes”, escreve a revista para quem a França “pode se converter no maior perigo para a moeda única europeia”.
The Economist nunca foi suave com Paris. Há alguns meses, a publicação qualificou o chefe de Estado francês como “o perigoso senhor Hollande”. Agora foi mais longe e esboçou o psicodélico retrato de um país praticamente asfixiado pelo peso do Estado, do desemprego, do déficit externo e dos numerosos obstáculos à iniciativa privada. É certo que a França é bastante complicada em tudo que tem a ver com a iniciativa individual e privada, mas, em contrapartida, mantem um sistema de proteção social de altíssimo nível. E isso é precisamente o que está hoje a mais do que nunca na mira neoliberal: a implementação de “substanciais e dolorosas reformas” é o único caminho de salvação. Trata-se, em suma, de eliminar o Estado Social francês que provoca tanto receio e inveja.
O ataque feroz da Economist ao sistema francês é a última escala de uma crua ofensiva nascida em Berlim e em Bruxelas. A Alemanha, o FMI e as instâncias políticas e financeiras do Velho Continente pressionam Paris para que acelere as reformas. A papisa dessa ofensiva é a chanceler alemã Angela Merkel. A senhora Merkel parece determinar a afundar François Hollande, se ele não aceitar o receituário reformista ditado por Berlim. Angela Merkel se mostra empenhada em vingar-se do chefe de Estado francês depois que Hollande, em maio passado, ousou disputar com ela a liderança da condução europeia. Hollande destoou do pensamento único emitido desde Berlim, do credo da inevitável austeridade, defendendo o crescimento e recusando a ideia de que o destino comum da Europa tivesse a austeridade como o único horizonte.
Berlim emite constantes sinais que suscitam a desconfiança dos mercados em relação a Paris e tenta provar que a situação francesa, ou seja, o modelo francês, põe em perigo a estabilidade de toda a Europa. O ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, encarregou um painel de especialistas alemães de elaborar um informe sobre o estado da economia francesa e sobre a real vontade da França de levar adiante reformas estruturais. A França é uma exceção que deixa os liberais com os cabelos em pé. Eles não aceitam que o Estado siga sendo o ator predominante da sociedade.
O Fundo Monetário Internacional e a Alemanha são dois agudos críticos da política de François Hollande e os principais agitadores do espectro do desastre. O FMI foi rápido como uma águia quando criticou o aumento de impostos decidido pelo Executivo há algumas semanas. Segundo o FMI, esse aumento “colocou a França em uma situação de desvantagem frente a seus sócios europeus”. Para o grande carcereiro das políticas neoliberais é urgente que a França realize “cortes no gasto público”.
Berlim coloca em circulação a mesma mensagem e sem nenhum rodeio. Um dos conselheiros de Angela Merkel, Lars Feld, que também é diretor do Instituto Walter Eucken, disse há pouco tempo que “o problema maior da eurozona não está na Grécia, nem na Espanha, nem na Itália. O problema é a França”. Feld situa o problema na ausência de reformar, no peso de seu mercado de trabalho e no fato de que “a França é o país da zona euro onde as pessoas trabalham menos horas por ano”.
A Alemanha passou de aliado a antagonista violento. Quando, há algumas semanas, quase cem grandes empresários franceses lançaram um contra-programa e impugnaram a política fiscal de Hollande, o ex-chanceler socialdemocrata Gerhard Schröder se somou aos exércitos neoliberais para apoiar essas demandas. A guerra entre Paris e Berlim em torno das reformas é tal que o jornal Le Monde publicou um demolidor retrato da chanceler Angela Merkel onde seu autor, o sociólogo e filósofo Ulrich Beck, tratava a senhora Merkel como “novo Maquiavel da Europa”. Arranhada pela crise, golpeada pelos seus sócios europeus que içam a cada esquina as bandeiras de um modelo liberal onde não há lugar para a política social, Paris resiste. País rebelde e com uma tradição igualitarista, a França está em uma encruzilhada maior, com um presidente socialdemocrata que o ultraliberalismo tenta asfixiar para que corrija o modelo.
Tradução: Katarina Peixoto
Neste dossiê especial de 14 páginas dedicado a França, The Economist não poupa nem palavras nem imagens, começando pela da capa. A última edição do semanário aparece com a foto de sete baguetes (o pão francês) envoltos em uma cinta com as cores da bandeira francesa e um estopim preso como se fossem bananas de dinamite. O modelo social francês, suas 35 horas de trabalho por semana, as generosas férias de que gozam os trabalhadores, os inúmeros subsídios que auxiliam a vida das pessoas, o seguro desemprego, a aposentadoria aos 60 anos para muitas categorias e, em cifras concretas, os 56% do PIB consagrados ao gasto público constituem a trama da chamada “exceção francesa” que o liberalismo quer erradicar. Esse Estado de bem estar é o alvo daqueles que, desde Berlim, pressionam a França para que aplique reformas estruturais, ou seja, corte o fluxo de fundos públicos e diminua o peso do Estado.
A publicação prevê para a França o mesmo destino de Grécia, Espanha, Portugal, Itália e Irlanda, tanto mais que, afirma, os mercados até agora estariam sendo “indulgentes” com a França. Nada parece satisfazer os guardiães do dogma liberal, nem mesmo o fabuloso presente que François Hollande deu às empresas para que estas aumentem sua competitividade: 20 bilhões de euros em créditos fiscais financiados com o aumento do IVA (imposto sobre consumo). Essas medidas “são tardias e insuficientes”, escreve a revista para quem a França “pode se converter no maior perigo para a moeda única europeia”.
The Economist nunca foi suave com Paris. Há alguns meses, a publicação qualificou o chefe de Estado francês como “o perigoso senhor Hollande”. Agora foi mais longe e esboçou o psicodélico retrato de um país praticamente asfixiado pelo peso do Estado, do desemprego, do déficit externo e dos numerosos obstáculos à iniciativa privada. É certo que a França é bastante complicada em tudo que tem a ver com a iniciativa individual e privada, mas, em contrapartida, mantem um sistema de proteção social de altíssimo nível. E isso é precisamente o que está hoje a mais do que nunca na mira neoliberal: a implementação de “substanciais e dolorosas reformas” é o único caminho de salvação. Trata-se, em suma, de eliminar o Estado Social francês que provoca tanto receio e inveja.
O ataque feroz da Economist ao sistema francês é a última escala de uma crua ofensiva nascida em Berlim e em Bruxelas. A Alemanha, o FMI e as instâncias políticas e financeiras do Velho Continente pressionam Paris para que acelere as reformas. A papisa dessa ofensiva é a chanceler alemã Angela Merkel. A senhora Merkel parece determinar a afundar François Hollande, se ele não aceitar o receituário reformista ditado por Berlim. Angela Merkel se mostra empenhada em vingar-se do chefe de Estado francês depois que Hollande, em maio passado, ousou disputar com ela a liderança da condução europeia. Hollande destoou do pensamento único emitido desde Berlim, do credo da inevitável austeridade, defendendo o crescimento e recusando a ideia de que o destino comum da Europa tivesse a austeridade como o único horizonte.
Berlim emite constantes sinais que suscitam a desconfiança dos mercados em relação a Paris e tenta provar que a situação francesa, ou seja, o modelo francês, põe em perigo a estabilidade de toda a Europa. O ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, encarregou um painel de especialistas alemães de elaborar um informe sobre o estado da economia francesa e sobre a real vontade da França de levar adiante reformas estruturais. A França é uma exceção que deixa os liberais com os cabelos em pé. Eles não aceitam que o Estado siga sendo o ator predominante da sociedade.
O Fundo Monetário Internacional e a Alemanha são dois agudos críticos da política de François Hollande e os principais agitadores do espectro do desastre. O FMI foi rápido como uma águia quando criticou o aumento de impostos decidido pelo Executivo há algumas semanas. Segundo o FMI, esse aumento “colocou a França em uma situação de desvantagem frente a seus sócios europeus”. Para o grande carcereiro das políticas neoliberais é urgente que a França realize “cortes no gasto público”.
Berlim coloca em circulação a mesma mensagem e sem nenhum rodeio. Um dos conselheiros de Angela Merkel, Lars Feld, que também é diretor do Instituto Walter Eucken, disse há pouco tempo que “o problema maior da eurozona não está na Grécia, nem na Espanha, nem na Itália. O problema é a França”. Feld situa o problema na ausência de reformar, no peso de seu mercado de trabalho e no fato de que “a França é o país da zona euro onde as pessoas trabalham menos horas por ano”.
A Alemanha passou de aliado a antagonista violento. Quando, há algumas semanas, quase cem grandes empresários franceses lançaram um contra-programa e impugnaram a política fiscal de Hollande, o ex-chanceler socialdemocrata Gerhard Schröder se somou aos exércitos neoliberais para apoiar essas demandas. A guerra entre Paris e Berlim em torno das reformas é tal que o jornal Le Monde publicou um demolidor retrato da chanceler Angela Merkel onde seu autor, o sociólogo e filósofo Ulrich Beck, tratava a senhora Merkel como “novo Maquiavel da Europa”. Arranhada pela crise, golpeada pelos seus sócios europeus que içam a cada esquina as bandeiras de um modelo liberal onde não há lugar para a política social, Paris resiste. País rebelde e com uma tradição igualitarista, a França está em uma encruzilhada maior, com um presidente socialdemocrata que o ultraliberalismo tenta asfixiar para que corrija o modelo.
Tradução: Katarina Peixoto
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