Celso Vicenzi
Já
se disse que jornalismo “é a história à queima-roupa”.
Expressão que nos remete, de imediato, para “um tiro à
queima-roupa”. Um atentado. É o que os tradicionais
veículos da mídia oligopolizada do país estão
promovendo neste momento contra a democracia. A sangue
frio, como narraria Truman Capote.
Todos
os movimentos, feitos com sutileza, astúcia,
insinuação, artimanha, dissimulação, logro, malícia,
maquiavelismo, trapaça e distorção (exagero? não!) são
habilmente manipulados para tentar induzir boa parte
da opinião pública a aceitar inverdades. A começar por
uma que já se fixou na mente de boa parte dos
brasileiros desinformados: a de que nunca se roubou
tanto neste país quanto nos governos do PT e que uma
quadrilha se instalou no poder – como nunca antes
houvera na história dessa nação de anjos.
Por
qualquer informação ou estatística que se busque,
mesmo na imprensa tradicional, é fácil constatar que a
quantidade de escândalos de corrupção e o montante de
valores envolvidos, já foram muito maiores em governos
anteriores. Só para fixar em um, de âmbito estadual, o
do tremsalão tucano, em São Paulo, é dezenas de vezes
superior ao “escândalo do mensalão do PT”. E num
julgamento midiático, muito questionado, posto que
permitiu condenar até mesmo sem provas, com a “teoria
do domínio do fato”, que possibilitou à ministra Rosa
Weber, do STF, por exemplo, proferir uma sentença que
entrou para a história: “Não tenho prova cabal contra
(José) Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura
jurídica me permite”. Imagine – faça um esforço! –,
caro leitor, prezada leitora, tamanho rigor aplicado
com a mesma justiça a tantos cidadãos e cidadãs, na
vida pública e privada desse país! Quantos sobrariam?
Não
se trata aqui, obviamente, de uma contabilidade de
crimes, menos ainda da tentativa de absolver culpados,
mas de fazer a pergunta fundamental, que seria papel
de todo jornalista: se apenas alguns são investigados
e punidos, quais os interesses que estão por trás? Eu
assinalaria a seguinte resposta: Um golpe de estado,
jurídico-midiático-policial. Não é difícil
demonstrá-lo, tamanhas são as evidências que já
ganharam as ruas, as praças, mobilizaram juristas,
intelectuais, artistas, as mais diversas entidades da
sociedade civil que diariamente assinam manifestos e
se posicionam na defesa da democracia e contra o
golpe.
Afinal,
quem ganha com isso? Quem ganha com o impeachment de
uma presidenta que não é acusada de nenhum crime e
nenhum outro ato previsto na Constituição que poderia
servir de motivo para destituí-la do cargo para o qual
foi eleita? E que vai ser julgada por dezenas de
parlamentares que respondem a processos de corrupção
na justiça? Por que a mídia aceita, com dócil
subserviência, essa imoralidade? Quem ainda não vê a
total partidarização política e a seletiva
investigação de uma Operação Lava-Jato que, pensava-se
no início, tinha foco exclusivo no combate à
corrupção, mas que hoje permite que os maiores
corruptos do país dela mantenham confortável
distância? Como é possível aceitar que um parlamentar
dono de uma folha corrida de crimes que se estende do
Brasil à Suíça, já provado e documentado, ocupe
impunemente a cadeira de presidente da Câmara e seja o
comandante do impeachment? Por que a imprensa foge
dessas perguntas como o diabo da cruz, enquanto
sofisma e produz tergiversações eloquentes com o
intuito de justamente distrair leitores,
telespectadores, radiouvintes e internautas sobre o
que de fato tem importância, para muito além de sítios
e pedalinhos, visto que é o futuro do país que está em
disputa?
Repito:
Quem ganha com um golpe travestido de impeachment? Não
o povo, os trabalhadores e todos aqueles que viram
florescer, timidamente, uma democracia mais inclusiva
no país, permitindo que milhões de brasileiros
tivessem mais acesso a direitos que sempre foram
negados à parcela mais pobre da população.
A
mídia, a quem caberia fazer sínteses, comparações,
análises e conclusões fidedignas, desde o início
tornou-se protagonista de um golpe contra a democracia
e vem cumprindo a sua indigna missão de embaralhar os
fatos, distorcer, descontextualizar, manipular e
omitir informações, papel fundamental para que se
produza desinformação e ódio, que toma conta de muitos
setores da sociedade, sobretudo nas classes média e
rica, entre os detentores das profissões mais bem
remuneradas e entre os que ocupam cargos importantes
nas engrenagens da sociedade.
Em
síntese, em boa parte daqueles que compõem o que se
pode chamar de uma “elite brasileira”, em sua maioria
branca, racista, preconceituosa, discriminatória,
injusta, insensível, cruel e antinacionalista, porque
se envergonha de seu país, como se não fosse a
principal responsável pela nação tão desigual que se
desenvolveu à beira do Atlântico e continente adentro.
Poderia acrescentar, uma elite escravocrata, posto que
ainda vê com naturalidade a enorme desigualdade
social, o abandono e a miséria, e crê, firmemente, que
a distância que a separa do resto da população é
resultado de meritocracia e não de privilégios que
sempre foram defendidos, a ferro e fogo, ao longo de
séculos.
O
povo, que se informa basicamente por TV e rádio, mesmo
desinformado, desconfia e reluta em aderir ao golpe.
Os mais conscientes, que geralmente participam de
movimentos sociais, já estão nas ruas para defender a
democracia.
O
que a atual crise política demonstra claramente é que
a frágil democracia brasileira não pode mais continuar
a conviver com um sistema de mídia oligopolizado, que
ameaça e chantageia os Três Poderes, ao mesmo tempo em
que mantém na ignorância – ora anestesiando, ora
insuflando – milhões de brasileiros, para que se
perpetuem interesses particulares e de grupos a quem
presta serviços – alguns deles, donos de imenso
capital internacional.
O
líder negro norte-americano Malcolm X (1925-1965), que
viveu numa época em que a revolução midiática ainda
não alcançara a força que hoje tem, já alertara: “Se
você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as
pessoas que estão sendo oprimidas e amar as pessoas
que estão oprimindo”.
Imagine
se ele tivesse conhecido a Globo!
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