Celso Vicenzi
Há uma
histeria nacional em torno do tema da corrupção. Em todas
as esquinas, nas ruas, nas praças, nos bares, nos clubes,
nas residências, onde quer que se junte um grupo de amigos
para conversar, na maioria dos casos, a corrupção será
apontada como o maior problema do Brasil. Mas no
automatismo em que vive a sociedade midiática, ninguém
parou um segundo para perguntar: mas quem elegeu a
corrupção como o “grande problema” e por quê?
Na
linguagem popular, diz-se que “o inferno está cheio de bem
intencionados”. Poderíamos dizer, ao contrário, que o céu
prometido pelos que apontam a corrupção como a maior
desgraça está cheio de mal intencionados. Seguindo na
seara dos ditados populares, há outro que se presta para o
que se pretende demonstrar: “Quem vê árvore pode não ver a
floresta”. O que se esconde é muito maior do que se vê.
Que peso
pode ter para solucionar os problemas do Brasil, que tem
um PIB de R$ 5,52 trilhões, um desvio de somente
(comparado) de R$ 67 bilhões? Sim, este é o valor estimado
do custo anual médio da corrupção no país em 2013. E a
fonte não é de esquerda. Quem afirma é o diretor-titular
do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp,
José Ricardo Roriz. Ou seja, gente que é do ramo e que não
teria por que subestimar o tamanho desse “veneno”.
Em
contrapartida, o não menos idôneo Sindicato Nacional dos
Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), calcula que
o Brasil deixa de arrecadar aos cofres da União, por ano,
cerca de R$ 500 bilhões – dinheiro que daria para fazer 18
Copas do Mundo de Futebol. Conclusão: A sonegação de
impostos é sete vezes mais prejudicial ao país – e a seu
povo! – do que a corrupção. E, no entanto, raras são as
reportagens da mídia sobre esse enorme problema.
Em linhas
gerais, pode-se facilmente deduzir que “problema” é aquilo
que a mídia aponta como “problema”. E que milhões de
brasileiros e brasileiras sem acesso a outras fontes de
informação – ou porque desconhecem ou não se interessam –
repete sem um mínimo de reflexão.
A
sonegação, que é um infortúnio muito maior do que a
corrupção, no entanto, é ainda muito menos grave do que o
verdadeiro problema da sociedade brasileira: a enorme
concentração de renda. Apesar de todas as dificuldades, o
Brasil está entre as 10 maiores economias do planeta e,
entretanto, também figura entre os 10 países com as
maiores desigualdades sociais.
Que peso
tem a corrupção nessa cruel estatística? Quase nenhum.
Salvo se identificarmos, também na corrupção, o seu uso
político para manter no poder a casta mais rica da
sociedade. Donde também se pode concluir que a corrupção
interessa e é patrocinada, principalmente, pelos setores
mais ricos para impor uma cultura de dominação
educacional, midiática, legislativa, judiciária e de
assalto ao poder executivo, para fazer prevalecer os
interesses de uma minoria em detrimento da maior parcela
da população.
Dados do
Atlas da Exclusão Social no Brasil, com base em
declarações de Imposto de Renda Pessoa Física, assinalam
que os 50% mais pobres detinham, em 2012, ínfimos 2% da
renda nacional. Entre a outra metade dos brasileiros,
apenas 13% ficavam com 87,4% da renda e os outros 36,9%
com 10,6% do total. E isso é o que as pessoas declaram. Há
que se levar em conta que o Brasil é o quarto país com o
maior volume de dinheiro escondido em paraísos fiscais.
Quando se
concentra ainda mais o foco, o que se vê é uma injustiça
ainda maior: 5 mil famílias se apropriam no Brasil de 40%
do fluxo de renda e detêm 42% do patrimônio brasileiro. É
essa minúscula parcela da população quem comanda, por
todos os meios, infiltrada nos Três Poderes e em toda a
máquina burocrática do Executivo, do Legislativo e do
Judiciário – seja no âmbito municipal, estadual ou federal
– a agenda da economia, da política, da polícia, da
justiça e da mídia.
Para que os
brasileiros e brasileiras não pensem naquilo que é
realmente um grande entrave ao desenvolvimento e à
distribuição de renda, apela-se para uma agenda midiática
que oscila entre o entretenimento entorpecedor e o
noticiário manipulador dos fatos, sempre a esconder o que
precisaria ser revelado. As exceções só confirmam a regra.
É por isso
que temos hoje um país quase paralisado, à beira de um
golpe de Estado, planejado e executado pelos donos do
capital internacional, em parceria com o patronato
brasileiro e apoiados na mídia, no Judiciário, no
Ministério Público e na Polícia Federal, para citar os
principais atores.
Graças à
Globo – principal ponta de lança da mídia –, às principais
emissoras de tevê e rádio, jornalões e grandes revistas
semanais, tem sido possível praticar um estelionato
jornalístico que se concentra, quase exclusivamente, a
atacar Dilma, Lula e o PT. Para essa mídia e seus
apoiadores, pouco importa que investigados em tudo que foi
possível, não tenham encontrado nada relevante contra Lula
e Dilma que pudesse dar início a um processo criminal.
Enquanto
isso, dos 65 deputados que compõem a comissão do
impeachment, 40 tiveram seus nomes ligados à Lava-Jato.
Que importa se entre os que irão votar o impeachment, 57
parlamentares sejam réus no STF, não é mesmo? Que
importância a mídia dá a isso? Desses 57 parlamentares, de
16 partidos, apenas um é do PT, enquanto 12 réus são do
PMDB (a via alternativa do golpe!), 7 do PDT, 6 do PSD e
por aí segue.
O golpe que
se quer perpetrar na democracia brasileira foi
minuciosamente articulado, desde o surgimento do Mensalão
e que, por não alcançar os resultados esperados, repete-se
agora com a Operação Lava-Jato. A mídia consolidou
majoritariamente na opinião pública, a ideia de que “nunca
se roubou tanto no país” e nenhum partido “é tão corrupto
quanto o PT”, embora uma rápida olhada nos fatos e números
desminta a tese.
No entanto,
como atualmente a mídia possui raras vozes dissonantes, há
um massacre diário nos telejornais e até mesmo em
programas de entretenimento, para caracterizar o momento
atual como “insuportável”. Ou como publicam, repetindo o
mesmo bordão do golpe de 64: “Basta!”
Mas ao
examinar o que foi o Mensalão, percebe-se o quanto se
enganou a população brasileira. Na hipótese mais otimista,
causou um prejuízo aos cofres públicos de R$ 101 milhões.
E o Mensalão, que ficou conhecido como “do PT”, teve 25
condenados, mas somente quatro pertenciam ao Partido dos
Trabalhadores. Os corruptos do PP, PTB, PL e PMDB – entre
outros condenados – não foram fustigados incessantemente
pela mídia.
Isso sem
entrar no mérito de como foi o julgamento, com o então
ministro Barbosa, hoje envolvido em escândalo do Panamá
Paper’s, dando show midiático diário e se projetando muito
mais como um acusador do que um juiz de quem se espera um
mínimo de serenidade e isenção para o julgamento.
Acossados pela mídia e pela opinião pública, os ministros
do STF tiveram que recorrer a casuísmos, como a teoria do
domínio do fato, o que permitiu à ministra Rosa Weber a
frase que se tornaria célebre: “Não tenho prova cabal
contra (José) Dirceu, mas vou condená-lo porque a
literatura jurídica me permite”.
E como se
explica o “ex-maior escândalo”, porque agora já dizem
“antes da Lava-Jato” , quando apenas num único caso de
corrupção regional, o do Tremsalão tucano, em São Paulo,
estima-se que os desvios possam chegar a R$ 2 bilhões? Que mídia
é essa que não sabe fazer contas? E o que dizer do
escândalo do Banestado, em fins do governo FHC, que
alcançou R$ 520 bilhões e todos foram inocentados? Sim,
houve 97 condenações, mas a maioria obteve sentenças de
prestação de serviços à comunidade e os líderes do esquema
foram beneficiados pela prescrição dos crimes. E quem era
o juiz naquele caso? Sim, ele, o super herói do combate à
corrupção, Sergio Moro! Quantos brasileiros foram
informados disso?
No
escândalo de Furnas, que seis delatores já apontaram Aécio
Neves (PSDB) como um dos beneficiários (e com um terço da
grana!), há 176 nomes envolvidos – nenhum do PT. E no
escândalo da Zelotes, que envolve grandes empresas como
HSBC, Gerdau, Bradesco, RBS etc o valor da corrupção pode
alcançar R$ 19 bilhões. E ainda tem o escândalo mais
recente, do Panamá Paper’s, este de proporções
internacionais, mas que já se conhecem 57 brasileiros
envolvidos, nenhum deles do PT. Mas tem do PMDB, PSDB,
PDT, PP, PSB, PSD e PTB. E, claro, o presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, em mais uma falcatrua, para vergonha do
Judiciário brasileiro, que o mantém solto e influindo
perigosamente nos destinos do país.
Como podem
escândalos muito maiores serem “escondidos” pela mídia
enquanto fazem uma perseguição obstinada contra Lula,
Dilma e o PT? A resposta é simples: o objetivo não é e
nunca foi o combate à corrupção, que serviu apenas de
fachada para o que sempre se buscou, desde o início – um
golpe de estado, a prisão de Lula e a destruição do PT.
Na
geopolítica internacional, interessa muito aos Estados
Unidos quebrar o apoio do governo brasileiro aos BRICs,
que confrontam a hegemonia norte-americana, ao mesmo tempo
em que um governo mais afinado com o sucessor de Obama
abriria as portas às empresas norte-americanas. Só o
pré-sal, estima-se, vale R$ 14 trilhões, o que garantiria
280 anos do orçamento para a saúde ou 825 anos do
orçamento para a educação. É
o futuro do Brasil negociado pela elite brasileira que
aposta tudo em um golpe, por mais insensato e sem motivos,
ao contrário do que quer fazer crer o bombardeio da mídia.
A trama também interessa aos principais donos do capital
nacional, que querem aumentar suas margens de lucro
comprando empresas estatais a preço de banana, espoliando
a Constituição e retirando direitos sociais e
trabalhistas, além de pôr as mãos novamente no comando do
Executivo Federal.
Essa elite
econômica conta com o apoio ideológico e em muitos casos
alienado de grande parte da classe média, que embora
minoritária em relação ao conjunto da população, têm
comparecido em massa às manifestações da direita, com
discursos racistas, preconceituosos e discriminatórios.
Porque aspira ascender socialmente e não suporta ver
diminuir a distância que a separa dos mais pobres. O ódio
é tão presente nessas manifestações que raros são os que
apontam uma alternativa. A maioria se conforme em “mudar
isso que está aí”, custe o que custar, seja lá pelo que
for. Afinal, quem aceita Cunha e Bolsonaro – para citar
apenas dois – aprova qualquer coisa mesmo.
Mas tudo se
revela a mais pura insensatez, visto que 61% dos
brasileiros, segundo o Datafolha, apoiam o impeachment de
Dilma, e 58% também apoiam o impeachment de Temer. Ou
seja, a derrubada de Dilma não tem nenhuma lógica. E não
resolve nenhum problema. Muito menos o da corrupção,
pretexto do golpe e que é uma cortina de fumaça para pôr
novamente no poder, sem voto, os responsáveis por essa
histórica e vergonhosa concentração da renda – esta, sim,
uma prioridade a ser combatida.
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