Análise Diária de Conjuntura - 22/09/2015.
Miguel do Rosário no blog O Cafezinho.
Um dos procuradores mais visíveis da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, deu uma entrevista coletiva na qual tirou a máscara da operação.
Com medo de que novas etapas da Lava Jato acabem em mãos de outro
juiz, outros delegados, outros procuradores, não pertencentes à
República do Paraná, Carlos Lima admitiu que o alvo é o governo federal.
"O que queremos mostrar é que não estamos investigando a Petrobrás.
Nós nem começamos a investigação por ela. Estamos desvelando a compra de
apoio político-partidário pelo governo federal, por meio de propina
institucionalizada nos órgãos públicos. Se não reconhecerem isso, vai
ser um problema", afirmou Carlos Lima.
Por que vai ser um problema?
É simples.
Porque a narrativa da Lava Jato precisa conectar-se à do mensalão e se tornar um julgamento político.
Todo o esforço da conspiração é manter a Lava Jato exclusivamente sob
controle da República do Paraná, porque qualquer outro magistrado ou
procurador poderá encontrar "problemas" na investigação.
A agressividade histérica de Gilmar Mendes converge com as falas do procurador.
A Lava Jato supre o golpe com o nível diário de escândalos de que ele
precisa para manter a chama acesa da "indignação" midiática.
Um dos delegados da operação também já falou nessa compra de "apoio
político-partidário", e mereceu uma resposta sarcástica do colunista
Janio de Freitas.
Freitas lembrou que uma das medidas "compradas" pelo governo Lula,
por exemplo, foi justamente fazer um grande investimento na Polícia
Federal, de maneira que a Lava Jato pode descobrir que ela mesma é filha
da... Lava Jato.
Na verdade, estamos diante de uma repetição ipsis literis do que foi
visto no mensalão, quando Joaquim Barbosa relacionava votações aprovadas
no Congresso com a propina paga para este ou aquele deputado.
É uma narrativa relativamente fácil de montar. Como o congresso
aprova novas leis todos os dias, e como sempre tem um parlamentar
recebendo propina, e como quase todas as propinas são provenientes de
relações promíscuas entre empresas privadas e o Estado, sempre haverá
fartura de documentos para comprovar uma teoria de "compra de apoio
político-parlamentar".
Gilmar Mendes tentou criminalizar até mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a que chamou de instrumento do PT.
O processo de criminalização dos blogs, única brecha por onde os
críticos da situação podem expressar seu descontentamento, faz parte da
estratégia de sufocamento político da esquerda.
Processos judiciais contra os blogs, campanhas para ninguém faça
publicidade neles, nem mesmo instituições públicas, e, por fim,
associação dos blogs aos crimes do PT: pronto, eis um mundo perfeito
para a mídia, no qual ela controla sozinha o debate político.
A pauta econômica, por sua vez, nunca foi tão apocalíptica como
agora. E os vaticínios de desgraça, quando muito insistentes, acabam por
ser autorrealizáveis.
Empresários e investidores, assustados com o terrorismo econômico,
seguram gastos e demitem mão-de-obra, gerando ainda mais crise, menos
investimentos, mais terrorismo, mais desemprego.
O mercado prevê uma queda no PIB de 2,7% para este ano.
O governo federal não consegue construir uma rede de apoio sequer dentro do próprio partido.
A última reunião do conselho consultivo do PT pediu "mudanças na economia".
O conselho consultivo está certo, mas é estranho constatar que o
governo não se reune nem com a sua bancada parlamentar nem com as
lideranças de seu partido, hoje completamente alijadas do poder.
Rui Falcão não manda nada, Lula não manda nada. Os senadores do PT não mandam nada.
As condenações da Lava Jato estão vindo com a marca medieval que já tínhamos visto no julgamento do mensalão.
28 anos para Renato Duque. 15 anos para Vaccari.
Anders Breivik, o monstro da Noruega, responsável pelo assassinato
friamente calculado de 77 pessoas, foi condenado a 21 anos de prisão.
Gerando ainda mais fato negativo para o governo, Henrique Pizzolato,
condenado no mensalão, será extraditado para o Brasil, conforme decisão
tomada hoje pela justiça italiana.
Pizzolato é um desses casos extraordinários, que mostra o poder descomunal do Estado quando decide perseguir alguém.
Mas também é a prova do que vínhamos denunciando desde que notamos os
primeiros arbítrios por trás da Ação Penal 470, de que não adiantaria
entregar cordeiros para o sacrifício.
O PT entregou Pizzolato e outras lideranças aos lobos, achando que
estes ficariam satisfeitos. Não ficaram. Os lobos querem devorar o
partido inteiro.
Os estamentos judiciários no Brasil foram tomados por golpistas, sem a mínima cultura democrática.
O ódio político de Gilmar Mendes não é isolado.
Quantos anos demoraremos para expurgar essa cultura de violência política de dentro do nosso sistema de justiça?
O amigo Rogério Dultra, jurista, doutor em ciência política, tem mencionado constantemente em seu blog um prestigiado autor alemão, Otto Kirchheimer, autor do clássico Justiça Política.
O livro de Kirchhemer denuncia um dos inimigos mais comuns da
democracia, a violência judicial a serviço de interesses políticos.
Citando o autor alemão, Dultra observa que setores da elite vem
"utilizando o Judiciário brasileiro como verdadeiro instrumento de
partido, violentando o Estado de Direito e o orientando para sustentar o
Golpe de Estado".
Uma das ferramentas para manipular a justiça, é a mídia.
Dultra - sempre com base em Kirchhmer, mas sobretudo observando a
realidade brasileira - constata que os meios de comunicação mobilizam
uma variada gama de pressões psicológicas para destruir seus adversários
políticos.
"Os meios de comunicação, quando partidarizados, podem substituir
completamente a autenticação dos procedimentos jurídicos e, inclusive,
destruir seus limites. O que importa é alcançar integralmente os fins
políticos almejados e não preservar a retidão dos meios jurídicos à
disposição", escreve o blogueiro jurista.
Daí que a Lava Jato inicia uma outra etapa, a "Nessun Dorma" (Ninguém
durma), na qual prende outro empreiteiro, o dono da Engevix, que até
então vinha colaborando ativamente com a justiça.
O próprio nome da operação, relacionada a uma ópera de Puccini, traz
uma insinuação capciosa. A história de Puccini é que ninguém poderia
dormir antes de descobrir o nome do príncipe desconhecido.
Ora, na Ação Penal 470, fizeram um recorte arbitrário com 40 réus,
apenas para efeito midiático para soar como os "40 ladrões". O Ali Babá
seria... Lula, é claro.
O "príncipe desconhecido" da Nessun Dorma seriam quem? Um boneco inflável?
Outor delator apareceu, acusando o PT, como de praxe.
Diante das colocações do procurador da Lava Jato, afirmando que a
meta da operação é culpar o governo, ou mesmo antes, os réus já
entenderam que, caso não denunciem o PT, suas condenações serão
medievais como a de Renato Duque.
Sem contar que suas prisões preventivas também jamais serão relaxadas
caso não colaborem com a procuradoria. E colaborem delatando o PT.
Todos esses empreiteiros fazem negociatas, há décadas, com todos os
governos, mas a narrativa de hoje quer associar a corrupção ao PT e só
ao PT.
O jogo duro que estão fazendo com Nestor Cerveró provavelmente se dá
porque os procuradores não querem saber de delações quaisquer. Eles
querem delação contra o PT.
Há ainda uma outra jogada do procurador. Observe que ele afirma - e a
frase se torna o título da matéria do Estadão - que "tudo se originou
na Casa Civil".
O procurador referia-se somente a Dirceu ou será que gostaria de
empurrar a lama também para a sua sucessora no cargo: Dilma Rousseff?
O terrorismo simbólico que a oposição, espraiada hoje em movimentos
de inspiração obscura, vem fazendo contra o ex-presidente Lula, comprova
que as conspirações tem uma meta arrojada, que não se esgota na
derrubada do governo.
Eles querem evitar a volta de Lula.
Jarbas Vasconcelos, em palestra para empresários no Recife, não teve
papas na língua para expressar seu arrogante prognóstico: "Lula será
preso".
O governo tenta reagir fazendo uma reforma ministerial, mas seus movimentos continuam lentos e erráticos.
Ricardo Berzoini, hoje ministro da Comunicação, deverá assumir a
Secretaria Geral da Presidência da República, que por sua vez
incorporará responsabilidades de articulação política.
Mas o que fez Berzoini como ministro da Comunicação?
O governo não consegue parar de correr atrás do próprio rabo. Não encontra nomes novos, não consegue oferecer nenhuma surpresa.
É sempre essa dança de cadeiras.
O antigo ocupante da secretaria, Miguel Rosseto, revelou-se uma
triste decepção. Sem nenhum tipo de poder, suas prerrogativas como
secretário se restringiam a fazer reuniões inúteis.
A direita conseguiu promover uma grande destruição política do
governo por dentro. Sem comunicação, amarrado a um republicanismo de
almanaque que só ele segue (vê se Gilmar Mendes é republicano), o
governo perde politicamente até mesmo dentro de casa. Alguém duvida que
os ministérios estão tomados de reacionários de oposição?
Sem poder de fogo, o governo exercita o seu maior talento: recuar,
recuar e recuar, cortando despesas e implementando parte da agenda
conservadora.
Com isso, perde apoio de suas bases.
Seu último recurso é o vitimismo do golpe, porque o conceito de golpe ainda reverbera muito negativamente na sociedade.
Mas à mídia, por ser mídia, caberá repetir exatamente a mesma
estratégia de 64: pintar o golpe com tintas da legalidade, e os
golpistas como os verdadeiros democratas.
Há algumas esperanças, provavelmente vãs, sobre as intenções do
governo de fazer mudanças políticas mais ousadas, como substituir o
ministro da Justiça.
Seria uma excelente ideia, até porque as conspirações já deixaram
claro que o seu principal braço armado é a Polícia Federal, transformada
esquizofrenicamente em polícia política antigoverno.
O ministro da Justiça, Luis Eduardo Cardoso, é um banana que não tem
sequer a sensibilidade de evitar andar desprotegido num momento de aguda
crise política. Resultado: foi perseguido nas ruas por grupelhos
neofascistas, e passou uma imagem de fragilidade. Foi um erro similar
cometido pela equipe de segurança de Dilma, durante sua visita à Nova
York, que permitiu que um garoto se aproximasse da presidenta para
xingá-la. O problema não é o xingamento, nem a perseguição, e sim a
tramsmissão de uma imagem negativa.
O governo Dilma parece ter a estranha obsessão por destruir a sua própria imagem.
Por exemplo, qual o sentido das imagens, que o governo se esmera em
divulgar como algo revolucionário, da entrega de casas para alguns
cidadãos?
A imagem se tornou feia, porque se desgastou. Hoje não parece mais a
realização de uma política pública popular, progressista. A imagem hoje
tem cheiro de política assistencialista.
Não é evidente que Dilma deveria se dedicar a promover políticas públicas voltadas para o desenvolvimento tecnológico?
Para a abertura de salas de cinema?
O governo - e o PT também - cometeram o erro crasso de menosprezar a classe média.
A classe média não pode ser tratada com leviandade política. Ela é diversa, heterogênea, onipresente.
Seus tentáculos abraçam todas as classes sociais.
Ela não é conservadora por natureza, embora parte dela seja herdeira de séculos de preconceito social e político contra o povo.
A única saída realmente duradoura da crise política seria um trabalho de reconquista da classe média.
Num primeiro momento, podia-se resgatar a aprovação junto à mesma
classe média que se engajou ativamente na campanha eleitoral da
presidenta Dilma, inclusive a um grande custo pessoal.
A classe média é extremamente sensível à estética, às formas, às
aparências. Por isso ela tende facilmente ao moralismo udenista.
Com a ampliação da classe média durante os governos do PT, os
discursos, a estética, as próprias políticas públicas tem de mudar
também.
Os discursos precisam ser mais sofisticados, mais poéticos, com mais
referências cultas, satisfazendo a necessidade da classe média de se
autorreconhecer no governo.
As políticas públicas precisam contemplar as demandas mais
necessárias da classe média, como viagens para estudar no exterior,
planos de carreira mais definidos, simplificação de impostos, residência
próxima ao local de trabalho.
A classe média não quer ajuda financeira do governo, e sim políticas
públicas que simplifiquem a sua vida e lhe ajudem a organizar seu
futuro.
O programa Ciências sem Fronteiras é voltado para a classe média, e
talvez por isso mesmo o governo nunca tenha sabido explorá-lo de maneira
mais inteligente; e digo isso não pensando na "propaganda do governo", e
sim em fazer o programa ser mais debatido na sociedade, para que
pudesse ser aprimorado, desdobrando-se em políticas públicas voltadas
para a inserção no mercado de trabalho.
Medidas que facilitam a vida da classe média nunca serão elitistas,
na medida em que ser classe média é uma condição socialmente aberta a
todos os cidadãos, em especial os mais jovens; e o próprio governo tem
ajudado os jovens neste sentido, com todos esses programas de acesso à
universidade, além do Pronatec.
A democratização da mídia, por exemplo, é uma bandeira tipicamente da
classe média progressista, embora afete toda a população. Por que
Dilma, ao invés de fugir do tema nas entrevistas, não procura se
informar melhor sobre a comunicação nos Estados Unidos, para lembrar aos
jornalistas que lá existem programas de humor de esquerda, que zombam
da Fox e dos republicamos?
O governo só evitará a fascistização completa da sociedade se
implementar políticas públicas que oxigenem o nosso sistema de
comunicação.
Por que os canais de notícias da Bandnews, SBT News, Record News,
ficam lá na conchinchina nas redes fechadas de TV, e a Globonews fica no
canal 40, na área nobre entre os canais abertos e os canais de filme?
Observar esse tipo de coisa, aparentemente tão simples, é que mudou a
comunicação na Argentina, após a Ley dos Medios.
As políticas de meio ambiente, alimento saudável, agricultura
orgânica, regulamentação das drogas, turismo doméstico, tudo isso são
assuntos que tocam de perto a classe média e mereceriam políticas
públicas, discursos, debates.
Tudo que se repete acaba perdendo força. É uma lei estética
fundamental. Por isso não se deve repetir a mesma palavra numa frase.
A mesma lei vale para a política. O governo e o PT tem que mudar. Mudar as cores, as palavras, os slogans.
Tudo precisa mudar. O lema da campanha presidencial de Dilma era a mudança, e só por isso ela ganhou.
Parte da crise hoje deriva de um apagão de inteligência e comunicação
que já notávamos na gestão anterior. O governo parece não fazer uma
leitura da psicologia política de uma sociedade que evolui e se
transforma muito rapidamente.
Na verdade, não é culpa apenas do governo. É um problema recorrente
em todas as instituições da esquerda organizada, partidos, sindicatos e
centrais. De repente, essas organizações se tornaram velhas, lentas,
anacrônicas, apesar de tão fundamentais para fazer o contraponto ao
capital.
Tenho para mim que a crise é principalmente política, e que a política desabou sobre a economia como uma bomba.
Tenho pra mim também que as pessoas estão dispostas, até certo ponto,
a tolerar o ajuste fiscal, desde que o governo ofereça contrapontos
criativos e arrojados na política.
O governo parece achar que política se resume a distribuir
matematicamente os ministérios para os partidos de sua base, ignorando
os fatores subjetivos e, sobretudo, desprezando solenemente a política
enquanto um embate criativo entre governo e opinião pública.
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