do Brasil de Fato

Parece mais atual que
nunca a necessidade de refundar a esquerda, para
refundar o Brasil. Cada passo precisa, neste
momento, acumular para algo maior, que supere
nossas contradições e as construções que até agora
realizamos.
15/09/2015
Por Frederico Santana Rick*
A conjugação de crise
econômica, política e social, facilmente percebida por
qualquer cidadão mais atento, denuncia uma crise mais
séria e mais profunda, uma crise das esquerdas.
Aprisionada à lógica
eleitoral, a esquerda, principalmente a partidária,
viu seu horizonte se reduzir ao curto prazo de dois
anos, entre um pleito e outro. Produziu assim uma
crise de prática política, desvalorizou o trabalho de
base, a formação política, a construção de força
social e a disputa de ideias na sociedade.
Levou ainda a uma crise de
valores, com uma militância que, pouco a pouco, perdeu
sua referência no humanismo e no socialismo. Isso
acabou por gerar uma profunda crise de projeto de
sociedade e de poder, negligenciando as profundas
deformações que a busca exclusiva pela ocupação de
cargos na institucionalidade provocava na organização
e na militância.
Impossível neste momento fazer
o debate de conjuntura e pensar a agenda de lutas da
próxima semana, mês ou semestre, sem retomarmos um
debate estratégico. Cada passo precisa, neste momento,
acumular para algo maior, que supere nossas
contradições e as construções que até agora
realizamos. Parece mais atual que nunca a necessidade
de refundar a esquerda, para refundar o Brasil.
Como é comum nos momentos de
crise na história do país, nossas elites sempre
encontram uma saída conservadora. É o que assistimos
nesse momento.
Teríamos outras saídas
possíveis. Uma delas seria que as forças populares
forçassem o governo à esquerda. O que exigiria romper
a lógica da conciliação que perdura desde 2003. Não há
quem acredite que o governo faça essa inflexão.
Seguiremos buscando esse caminho, mas é bom não nos
iludirmos, ele é o mais improvável, quase impossível
(são muitos os artigos de intelectuais da esquerda que
já o admitem).
Um segundo cenário seria a
direita golpista, tal qual fez no Paraguai, em
Honduras e na Venezuela, já no século XXI, conseguir
interromper o mandato presidencial. Segue sendo um
cenário possível, mas não é o desejado pela nossa
burguesia interna, como demonstram as notas da FIRJAN,
FIESP, das confederações da indústria e do transporte,
os editoriais da Globo e daFolha de São
Paulo, as declarações do presidente do Banco
Itaú, e até editorial do Financial Times.
Se podem forçar o governo a
assumir o seu programa, para que a interrupção
democrática, que traria mais uma crise, a crise
institucional, e colocaria em risco os lucros da
burguesia?
O terceiro cenário é o mais
terrível, e o mais provável. Já o estamos assistindo.
Tal qual ocorreu em vários momentos de nossa história,
a saída é conservadora e pesa sobre os trabalhadores.
Já vinha com a composição conservadora dos
ministérios, com o ajuste fiscal e com as medidas
conservadoras do Congresso Nacional. Agora novos
cortes.
O governo faz opção pelo
modelo neoliberal. A Agenda Brasil, apresentada pelo
presidente do Senado e pelo Ministro da Fazenda de
Dilma, Joaquim Levy, é expressão quase acabada dela.
Digo quase, porque ainda tem coisa pior por vir.
Dilma fica, não cai, mas
governa com a agenda da direita. Muitos indícios, do
comportamento da base aliada no Congresso Nacional, ao
novo alinhamento da mídia empresarial, demonstram que
já houve o pacto. O governo está refém. Teremos nós
coragem de aceitar e tirar as devidas consequências
nesse momento de reorganização da esquerda?
O momento é da maior
gravidade. As condições de vida do povo pioram
visivelmente. As medidas aumentam a recessão. As
chances da crise social desaguar em novo levante de
massas, como assistimos em junho de 2013, são reais.
A direita não perde tempo e
busca a todo momento dialogar com essas massas.
Possuem melhores e mais poderosos instrumentos para
fazer essa comunicação. E nós, o que construímos ao
longo dos últimos 30 anos? Quantos jornais diários
possuímos, quantas TV´s, editoras, produtoras de
cinema, quantos transmissoras de rádio?
Enfrentamos uma grande
ofensiva imperialista que ameaça especialmente os
governos progressistas da América Latina. Buscam
restaurar a agenda neoliberal financiando a oposição e
fazendo o uso dos meios de comunicação, como vemos no
Brasil, no Equador e na Venezuela, neste momento.
No Brasil, o interesse pela
Petrobras e o pré-sal são dos mais vorazes. Em
resposta, o governo anuncia um plano de
desinvestimento (privatização). Ameaçam assim nossa
possibilidade de desenvolvimento soberano.
As recentes manifestações
unitárias que fomos capazes de construir foram de
grande envergadura, e demonstraram capacidade de luta.
Mas é preciso reconhecer que ainda mobilizamos a nós
mesmos.
Nascidas no início do último
período de ascenso das lutas sociais, nossas
organizações encontram grande dificuldade de dialogar
e mobilizar suas bases. O povão segue apenas
assistindo atônito uma crise que não sabe de onde
veio.
A política econômica
neodesenvolvimentista dos últimos anos recompôs a
classe trabalhadora, melhorando sua capacidade de
luta, como demonstra o aumento do número de greves
nesse período.
Essa geração que entrou no
mundo do trabalho no último período se encontra órfã
de referências. É essa ampla parcela da sociedade que
está em disputa, podendo ser canalizada para o projeto
da direita ou da esquerda. Eis o nosso desafio.
Não os disputaremos se não
formos inventivos e ousarmos criar novas formas de
diálogo e organização. Não os disputaremos se não
apresentarmos claramente uma perspectiva de futuro, e
darmos contornos claros ao nosso projeto. Enfim, não
os ganharemos se tivermos medo de nos apresentarmos
claramente como uma alternativa à esquerda.
A tarefa parece simples, mas
não é, pois exige romper com uma tática que perdurou
ao longo das últimas décadas. Ao não apostarmos numa
clara demarcação à esquerda de nosso projeto, ao não
politizarmos os ganhos sociais obtidos, ao ficarmos
contidos pela política de conciliação de classes, não
construímos base social mobilizável e consciente que
permita o aprofundamento das mudanças em nosso país.
Esses parecem ter sido nossos
maiores limites; do contrário, o que explica que nesse
momento, após mais de 12 anos de governos Lula e
Dilma, não sejamos capazes de alterar a correlação de
forças a nosso favor?
É preciso construir um novo
bloco histórico, político e social, capaz de apontar
para o novo e se apresentar como alternativa. Essa
construção não é simples, exige paciência. O novo não
nasce do nada, mas sim a partir do que já temos
construído. É preciso muita dedicação e trabalho,
exigirá ainda mais dos nossos dirigentes sociais.
Mais do que nunca é o momento
de apostar na disputa ideológica da sociedade e
construir veículos unitários de comunicação que
dialoguem com o povo, como é a experiência dos
jornais Brasil de Fato estaduais.
Apostar na articulação dos
movimentos sociais, como o Quem Luta Educa, e na
construção de uma frente política, como a Frente
Brasil Popular.
É preciso nos unificarmos em
torno de uma bandeira política que nos permita romper
o cerco da direita e canalizar nossas lutas econômicas
e corporativas que seguiremos fazendo.
Pelo muito que temos debatido
é possível afirmar que a luta por uma Assembleia
Constituinte para realização da reforma do sistema
político é esta bandeira com potencial integrador e
politizador. Como foram as lutas pela Anistia e pelas
Diretas Já, no início dos anos 80, que, guardadas as
enormes diferenças, possuem alguma semelhança com o
período que vivemos, de possível retomada das lutas
sociais.
Toda crise é oportunidade de
superação. O que não podemos é titubear no caminho a
seguir. É preciso afirmar a necessidade de um projeto
popular para o Brasil, tirar lições da crise e
construir o novo sem medo de dizermos a que viemos.
*Frederico Santana
Rick é sociólogo, militante das pastorais
sociais, da articulação de movimentos sociais Quem
Luta Educa e da Consulta Popular.
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