José Álvaro de Lima Cardoso*
A
atual crise econômica mundial, no Brasil é superdimensionada, em função de
interesses políticos, imediatos ou de longo prazo. O atual processo político
brasileiro ressuscitou algumas propostas que compõem um receituário econômico
categoricamente derrotado pelas urnas na última década. Nele estão propostas
como a retomada das privatizações (inclusive da Petrobrás), fim da política de
valorização do salário mínimo, rediscussão da estabilidade no emprego para o
funcionalismo público, flexibilização da legislação trabalhista e assim por
diante. Um dos alvos principais dos que propõem uma “alteração radical” na
atual política econômica, são as receitas vinculadas a direitos sociais, política
que adveio da Constituição de 1988, chamada de Constituição Cidadã, e forjada
na contramão da onda neoliberal que varria o mundo naquela década.
Para os que defendem diminuir as receitas
vinculadas à direitos sociais na Constituição (por exemplo, educação e saúde)
este tipo de política atrapalha a competitividade do país, encarece o custo do
investimento privado e não permite a poupança no setor público. Claro, nem uma
palavra sobre a dívida pública, que é o principal e maior dreno de recursos públicos.
Mas juros é renda de rico, portanto “não vem ao caso” colocar em discussão.
Pagar Bolsa Família significa jogar dinheiro fora, mas a “Bolsa Banqueiro” é
perfeitamente justificável.
Há uma visão por trás das propostas de
privatização, de fim da “rigidez orçamentária”, de fim da estabilidade do
funcionalismo público, e outras, de que o problema do país é o Estado
brasileiro. Para essa concepção se diminuir o tamanho do Estado, as coisas
começam a melhorar. O fato é que esta concepção é um tremendo contrassenso. Os
avanços sociais que o Brasil apresentou nos últimos anos vieram,
principalmente, através das ações articuladas e encaminhadas pelo Estado
brasileiro. A redução da desigualdade, a inclusão social e o combate à fome, só
para citar alguns, são efeitos da ação estatal organizada e perseverante.
Alguém
pode supor que o Brasil conseguiu sair do Mapa da Fome da ONU em 2014, um dos
acontecimentos mais importantes das últimas décadas, por ação e virtudes do
mercado? Somente o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) um dos
instrumentos utilizados para combater a fome no Brasil, possibilita servir
diariamente refeições a 43 milhões de estudantes da educação básica. Não se
trata uma ação eventual, e sim de ações diárias, que não podem falhar, que possibilitam
servir um número de refeições equivalente à população da Argentina. Esta é uma
entre milhares de ações permanentes, que possibilitou que o Brasil reduzisse em
75% a pobreza extrema entre 2001 e 2012 e diminuísse o percentual dos
brasileiros que passam fome de 14,8% para 1,7% da população, no mesmo período.
Perceber que a crise econômica é
superdimensionada por razões políticas, não significa negá-la. Os problemas
econômicos se agravaram, até porque há uma contaminação da economia em função
da instabilidade política vigente no país. Além disso, estamos enfrentando os
efeitos de um ajuste que cortou gastos sociais, pegando diretamente os de menor renda. Mas não temos o direito de nos enganar. Por trás da confusão e da
“revolta” de alguns, existem objetivos estratégicos inconfessáveis. Um deles é
desfazer os avanços que os trabalhadores e os mais pobres conseguiram nos
últimos anos, a duras penas.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa
Catarina.
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