Por Ignacio Godinho Delgado, professor de História e Ciência
Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas,
Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED).
Com todos os seus problemas, a ordem democrática em vigor é uma
conquista do povo brasileiro, que contou com participação fundamental
dos trabalhadores e suas lutas. Um de seus fundamentos é a constituição
de governos através da vontade manifesta nas urnas. Derrubar governos na
esteira de fenômenos transitórios como índices de popularidade acentua a
instabilidade das regras democráticas e anula o processo eleitoral como
elemento chave da expressão da soberania popular. Não há fundamento
constitucional para o processo de impedimento de Dilma. A revanche dos
derrotados e a insatisfação momentânea não o justificam.
Coonestar com isso, na expectativa de favorecer a afirmação de
qualquer interesse, ainda que, ilusoriamente, o dos trabalhadores, é
abrir espaço para a contestação recorrente dos resultados eleitorais.
Dada a concentração oligopólica da mídia e de suas afinidades com a
direita, a tendência é que tais contestações se dirijam a governantes
alinhados com forças políticas nacionalistas e/ou de esquerda. Evocar o
exemplo de Collor é impróprio. O processo de impedimento de Collor foi
desencadeado pelo depoimento do irmão e de um funcionário de sua
residência, que alegavam ter presenciado ações para benefício pessoal e
de familiares do “caçador de marajás”. Foi rifado por ser um outsider,
que se elegeu dado o cenário bonapartista criado com o risco da eleição
de Lula, em 1989, num quadro de fragmentação da direita. Não tinha laços
orgânicos com as elites econômicas e as forças políticas conservadoras.
- 2. Preservar o marco regulatório do Pré-Sal.
O quadro no Congresso já é difícil para deter a ofensiva entreguista.
Com Dilma, ainda resta o veto do presidente.
Num governo Temer ou Aécio (na hipótese de impugnação da chapa
Dilma-Temer pelo TSE, seguida de novas eleições), restará apenas a
resistência dos movimentos sociais. A defesa do Pré-Sal, contudo, não é
um tema capaz de garantir uma vontade férrea e intransponível, num
ambiente de desmoralização do PT, de realinhamento da mídia e de ampla
sustentação conservadora do novo governo. O atual marco regulatório
institui o sistema de partilha, define a Petrobrás como operadora única
do Pré-Sal e estabelece a obrigatoriedade de sua presença em 30% das
explorações, garantindo ao país o controle sobre a mais importante
reserva de petróleo recentemente descoberta no muno. Sua eliminação
redundará em perda de recursos para a educação e enfraquecerá a
Petrobrás, um instrumento decisivo de política industrial e de inovação,
através da política de conteúdo nacional e do investimento em novas
energias.
- 3. Assegurar os direitos do trabalho e o
ambiente para que a retomada do crescimento mire a inovação e não a
redução do custo do trabalho.
As medidas do ajuste fiscal que alcançaram o seguro-desemprego, o
abono salarial e a previdência, conquanto controversas, afetam políticas
compensatórias, em meio a preocupações fiscais, mas não propriamente o
custo do trabalho. Na década de 1990 sua redução era pedida pelos
empresários para compensar a abertura da economia, como se fosse
possível buscar a competitividade das empresas com o trabalho barato no
Brasil, um país que já completou sua transição rural-urbana e não dispõe
dos reservatórios de força de trabalho de países como a China e a
Índia, que a vivenciam hoje. Nos governos de Lula e Dilma, políticas
como a elevação do salário mínimo miravam um novo arranjo, em que a
elevação dos rendimentos do trabalho favoreceria a disposição inovadora
das empresas. O câmbio sobrevalorizado e a pressão dos importados
mitigou tal perspectiva. Boa parte dos problemas de Dilma com os
empresários estão associados em sua coerência na preservação do arranjo
inaugurado em 2003, quando vetou, em seu primeiro governo, a eliminação
das multas sobre o FGTS em caso de demissão e garantiu a política de
valorização do salário mínimo. Hoje, com a desvalorização cambial é
possível retomar o horizonte de retomada do crescimento com elevação da
renda e estímulo à inovação. Sem Dilma fica aberta a porta para o
regresso social e
sequer o veto à terceirização das atividades fins restará para impedir que a redução do custo do trabalho venha a ser definido como central na política econômica.
- 4. Garantir a continuidade no combate à corrupção.
As direções do PT ainda devem à base partidária e aos milhões de
trabalhadores que apostam nele para construir um Brasil mais justo e
soberano, explicações cabais porque não foi colocado na agenda, em
momentos mais favoráveis, a proposta da reforma política. Devem, ainda,
operar uma profunda revisão de seu alinhamento com as práticas políticas
tradicionais. Esse passo é fundamental para preservar os laços do PT
com os trabalhadores que, na sua ausência, estariam condenados a mais
uma longa travessia na construção de identidades políticas viáveis, em
meio e enorme bombardeio conservador. Os governos do PT, contudo, mais
do que qualquer outro, favoreceram o combate à corrupção, com medidas
como a criação da CGU, do Portal da Transparência e do fortalecimento e
não interferência nas ações do Ministério Público e da Polícia Federal. É
o escandaloso aparelhamento de segmentos desses dois organismos do
Estado por nichos vinculados à oposição, seduzidos pelo embalo da mídia,
que conduziu ao cenário em que vivemos, no qual ações idênticas são
tratadas de forma diferente e escândalos que atingem pessoas da oposição
são acobertados, de modo a criminalizar apenas o PT e converter, numa
operação fascista, o petista no novo inimigo do povo. O que esperar,
todavia, dos governos da oposição e seus aliados na mídia, senão os
velhos engavetamentos?
Preservar democracia, a soberania nacional, os direitos do trabalho e
o combate à corrupção são motivos suficientes para lutar contra o
golpe. Em meio a tal combate é justo buscar a revisão da política
econômica. Ela, contudo, não pode ser motivo para a deserção ou a
indolência. Complicado com Dilma. O total retrocesso sem ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário