sábado, 22 de agosto de 2015

O balão de Lula e a banalização do fascismo

Darío Pignotti, para o Página/12, desde Brasília, no Carta Maior

   “Esta vez havia menos gente que em março e em abril, as pessoas estão se cansando um pouco, esperamos que venham mais na marcha de setembro”. O balanço é do advogado Aldo Júlio Ferreira, coordenador jurídico do Movimento Brasil, entidade organizadora do ato em favor do impeachment de Dilma Rousseff realizado neste domingo (16/8), em Brasília, a 300 metros do Palácio do Planalto, onde certamente receberam com alívio os números dos protestos a nível nacional, que ficaram abaixo do esperado pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), apesar da presença, pela primeira vez, do líder do partido, Aécio Neves, que finalmente assumiu a união com as agrupações neoconservadoras, boa parte delas conduzidas por jovens de classe média.

Às 13h10, na frente do Congresso Nacional, começou a ser desinflado o boneco de 10 metros de altura com a imagem de Lula vestido como presidiário. O público caminhava nas proximidades da sede legislativa fazendo comentários abertamente fascistas como “pena que os militares não mataram todos os esquerdistas” ou “por que tenho que pagar o Bolsa Família com os meus impostos, e sustentar gente indolente que não quer trabalhar?”. Outros tiravam selfies junto com o balão de Lula, enquanto faziam comentários vingativos e ameaçadores. Parecem se divertir, como se estivessem numa viagem kitsch a Orlando ou Miami. “O boneco de Lula nos custou 12 mil reais, que juntamos fazendo uma vaquinha com muitos amigos contrários a esta banda podre do PT, a mais corrupta da história. Lula é o chefe da quadrilha e tem que ser preso, tem que prender todos os petistas. Sabe o que está faltando? Gente nova de centro-direita”, declarou Ferreira a Página/12, corando de raiva, enquanto tentava erguer os braços de látex do balão, com a ajuda de suas senhoras.

“Em quem você votaria depois da saída de Dilma? No juiz Sérgio Moro, talvez, é uma pessoa honrada, um lutador que vai para cima dos corruptos”, afirma Bruno Torres Souza, de 30 anos, empregado do Poder Judiciário que se aproximou da conversa para denunciar “para a imprensa internacional que Dilma e o PT estão infiltrando o país com mercenários estrangeiros. Com o programa Mais Médicos (programa de saúde nas zonas mais pobres) eles meteram militares cubanos escondidos entre os doutores para que, quando a gente expulse a Dilma, haja milícias armadas dirigidas pelos cubanos e pela CUT (Central Única dos Trabalhadores)”.

Desde o canteiro localizado no meio do Eixo Monumental, a superavenida brasiliense de 250 metros de largura, se observam grupos de pessoas separadas por 5 a 10 metros de distância, o que permitia divisar perfeitamente os dois prédios laterais, o do Itamaraty e o Ministério da Justiça. Isso não acontecia na concentração multitudinária de março, nem na menos numerosa de abril, quando houve cerca de 30 mil pessoas. A impressão do cronista carece de rigor, mas coincide com a opinião do advogado Ferreira sobre a diminuição do número de indignados.

Os números em São Paulo, o maior bastião antipetista, também indicavam que o comparecimento diminuiu. Segundo o Datafolha, 135 mil pessoas passaram pela Avenida Paulista entre às 13h e às 17h30, enquanto a Polícia Militar (sempre generosa com os inimigos do governo federal) calculou 360 mil na principal artéria da cidade.

Tomando em conta os números do Datafolha, a reunião deste domingo esteve longe do obtido em março, que juntou 210 mil pessoas em São Paulo (a polícia chegou a cifrar um milhão) mas superou a de abril, quando houve 100 mil na mais povoada cidade brasileira. Em todo caso, as concentrações ocorridas no domingo, nos 26 estados da União, parecem ter estado abaixo do milhão de pessoas, talvez sequer passaram das 600 mil.

Dados que contradizem o prognóstico elaborado há duas semanas pela oposição, que esperava milhões de cidadãos inundassem as ruas para pedir a saída de Dilma do Planalto, onde deve permanecer até o dia 31 de dezembro de 2018, segundo estabelece a Constituição do país, pelo mandato conquistado logo de ser reeleita, em outubro de 2014.

O senador Humberto Costa, líder da bancada do PT, afirmou que “o fato de que as manifestações foram menos numerosas não significa que o descontentamento popular diminuiu. Muitos problemas estão começando a ser revertidos, mas o governo necessita dar melhores soluções econômicas”.

Ou seja: que a presença nas ruas tenham diminuído não é sinônimo de que a reprovação do governo, que é de 71%, tenha sido superada, assim como o baixo respaldo de Dilma, de 8% segundo as medições deste mês. Com o governo recuperando a margem de manobra e tempo, já que o impeachment saiu da agenda imediata, a bola ficou agora no campo do adversário (melhor dizendo, do inimigo). Isso porque o relativo fracasso da estratégia destituinte terminou tendo um custo político para os dirigentes mais apressados, como Aécio Neves (que discursou no domingo, em Belo Horizonte), ex-candidato presidencial, derrotado no ano passado por Dilma.

O fiasco político do dia 16 deixou Neves em desvantagem em comparação com outros membros do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Eles se opõem à consigna do “Impeachment Já”, reivindicada pelos manifestantes, pois a consideram uma aposta temerária, e, pelo menos por enquanto preferem que Rousseff conclua seu mandato.

Dezenas de milhares de cidadãos se mobilizaram em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília e em Belo Horizonte, com camisetas mostrando o rosto de Sérgio Moro, o juiz encarregado do processo de corrupção dentro da empresa estatal Petrobras. O jovem magistrado se posiciona como uma espécie de vingador dos políticos com ambições, o que poderia transformá-lo num futuro Sílvio Berlusconi, segundo o deputado petista Wadih Damous.

Aquartelados

Quando terminou a manifestação, eram cerca de 14 horas no centro de Brasília, com 27 graus de temperatura e 30% de umidade. Nesta capital semiárida localizada ao norte do Rio e de São Paulo, não há quatro estações, mas sim duas: a úmida e a seca, que é a atual. Um caminhão levou o balão de Lula e uma jaula onde estavam presos o ex-presidente e a atual, Dilma Rousseff. Só ficaram de pé, em frente ao Congresso, cinco grandes cartazes, sobre as estruturas metálicas, pedindo o retorno dos militares, ao lado do Acampamento Patriota, com sete barracas ocupadas por defensores da intervenção das Forças Armadas.

Como já não havia manifestantes, se ouvia com mais nitidez o “Hino aos Expedicionários”, uma melodia que vinha de dentro de uma das tendas de campanha.

Nesse momento, José Antônio Romeiro veio até nós. Após nos convidar a sentar, contou que estava há 147 dias “atrincheirado”, como forma de pressão, para que a presidenta renuncie.

“Aqui temos 22 pessoas, estamos de forma permanente, recebemos muito apoio das pessoas, temos reuniões, falamos com militares, mas não me peça o nome deles, não posso comprometê-los.”

O lugar tinha clima que mesclava o de piquenique (havia uma churrasqueira, caixas térmicas com cerveja, espreguiçadeiras onde uma garota conversava com os visitantes) com o de um quartel (as pessoas se cumprimentavam com tom marcial e parecia imperar certa hierarquia entre os mandos superiores e a tropa).

Quando perguntamos “você reivindica a ditadura?”, Romeiro olhou como se houvesse escutado algo absurdo. “De que ditadura você me fala?”. Tomou ar e continuou. “Aqui o que houve entre 1964 e 1985 foi um governo militar, onde havia alternância no poder, porque a cada quatro anos mudava o general na presidência, e havia eleições indiretas para o Congresso”.

“Mas não existe alternância no poder?”, indaguei. “Atualmente, não existe alternância, porque estamos sendo sempre governados pela esquerda, ou pelo PT, depois pelo PSDB (de Cardoso e Neves). Precisamos de um governo militar, por seis meses, que ponha as coisas em ordem, e depois convoque eleições. Antes das eleições, toda essa esquerda tem que ir para a cadeia”, propôs o aparente chefe dos manifestantes, a 100 metros do Congresso.

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