por Paulo Metri, transcrito do Conversa Afiada.
João é o caçula de seu
Severino e dona Raimunda. Há 25 anos, ainda de colo, desembarcou com
seus país e cinco irmãos, na rodoviária Novo Rio. A bagagem deles era a
roupa do corpo, alguns panos que serviam de fraldas e a esperança de uma
vida melhor. O leite das crianças tinha acabado nas vinte e oito horas
desde a cidade de Crato no Ceará. Graças à solidariedade humana,
sobreviveram os primeiros amargos dias. Ainda na rodoviária, seu
Severino foi aconselhado por outro desafortunado a ir para um bairro dos
ricos, pois os pobres não tinham muito para dividir. O motorista do
ônibus Rodoviária Leblon os deixou entrar pela porta dos fundos. O
porteiro de um prédio de Copacabana ficou com dó daquela família de
conterrâneos e pediu ao síndico para abrigá-los por uma noite no
quartinho do depósito do prédio, onde estavam materiais de limpeza,
bicicletas abandonadas, um sofá e muitos badulaques. Aquele porteiro e o
síndico também eram excelentes almas e eles tiveram algum alimento e
leite para matar a fome de todos.
Seu Severino deu muita sorte,
pois foi contratado para ser faxineiro deste prédio, houve um
adiantamento para ele poder comprar comida no primeiro mês, além de
muitos moradores terem ajudado também. Gostaram tanto deles que
resolveram arrumar o depósito para dar maior comodidade à família do
novo faxineiro. Dona Raimunda acreditava piamente que tinha sido o
padrinho padre Cícero que tinha interferido. Entre os cuidados dedicados
aos filhos, sempre arrumava um tempo para rezar fervorosamente
agradecendo a melhora de vida que tiveram. Mas seu Severino procurou
também corresponder ao apoio que recebera, trabalhando com afinco e
buscando atender todo mundo bem. Como o tempo não para, o porteiro se
aposentou e seu Severino galgou o cargo de porteiro, o que significou,
além do aumento de salário, a mudança da família para a casa do
porteiro, bem maior do que o cubículo em que viviam. Os anos se
passaram, João chegou à idade escolar e foi estudar em um Brizolão.
Muito estudioso, se destacou logo e conseguiu, sempre em escola pública,
concluir o ensino fundamental e o médio. Soube que podia se inscrever
no Prouni e não relutou. Saiu-se bem na prova do Enem e, assim, foi
cursar o seu sonho: engenharia em uma das melhores universidades desta
área.
A universidade tinha inúmeros outros cursos. Maria cursava
sociologia e adorava participar do Diretório Acadêmico. Era filha de um
empresário, que começou com um restaurante de serviço a quilo no Centro
e, hoje, já possuí cinco restaurantes na cidade. Ela estava lá pelo
pagamento das mensalidades, que seu pai proporcionava. Era filha única
e, por isso, sempre recebeu o máximo de atenção e carinho dos pais. Com
um amor honesto e bastante vibrante, ela passa a se relacionar com João.
Por sua vez, ele se sente deslumbrado, pois ela era linda, se
expressava muito bem e tinha uma certeza de propósito que ele admirava.
Eles formavam um belo casal. João tinha a mente voltada para as questões
da física e matemática, mas as reuniões, que também participava no
Diretório, lhe ensinaram que as ciências exatas não comandavam a
sociedade. A casualidade fez com que eles, tão díspares, se encontrassem
e a atração mútua fez com que eles se amassem.
Depois de uma
noite juntos em um motel, Maria deixou João na porta do seu prédio, foi
para casa e encontrou sua mãe acordada. Esta perguntou onde ela estava,
porque suas amigas não sabiam ou não quiseram dizer. Maria contou que
estava gostando muito de um rapaz e que, desta vez, era diferente. Ele
também gostava muito dela. A mãe quis logo saber quem era ele, o que
fazia, qual a intenção dela etc. Apesar do sono que sentia e da reação
que previa sua mãe ter ao saber que João era pobre, Maria contou tudo.
Sua mãe só lhe respondeu:
- Este não é o futuro que nós planejamos para você. Seu pai vai ficar muito aborrecido com sua escolha.
Maria respondeu:
- Minha mãe. Quem vai viver meu futuro sou eu. Então, me deixe escolher o que é melhor para mim.
-
Minha filha! Nós planejamos tudo para você. Frequentamos uma roda
social ampla para abrir opções para você. Proporcionamos viagens,
cursos, aulas particulares, clubes e muito mais. Para, agora, você jogar
tudo fora com um filho de porteiro. Sabe como se chama isto? “Jogar
pérolas aos porcos.”
- Mãe, agora, você se suplantou. Está
dizendo coisas que só não lhe respondo por você ser minha mãe. Só quero
lembrar que o João está prestes a se formar em Engenharia. Mas, volto a
dizer, a vida é minha e eu faço dela o que quiser.
- Esta é
exatamente a questão. Você é muito jovem e não sabe ainda, direito, o
que é melhor para você. Este é um namorico que logo acabará. Vê se não
engravida, senão possivelmente você vai ter que cuidar desta criança
sozinha. Principalmente depois que seu pai e eu formos embora.
-
Mãe, você e meu pai não vão embora tão cedo. E, se existisse a hipótese
de João e eu termos um filho, ele iria querer criá-lo. Estou cansada.
Vou dormir.
- Nem conte a seu pai, porque ele pode ter um enfarte.
- Um dia ele vai ter que saber.
A
mãe de Maria não dormiu esta noite. Rezou para Maria poder recuperar a
razão e, assim, ver o que realmente é bom para ela. Se dona Raimunda
soubesse que seu filho estava sendo atacado por rezas, rezaria para
defendê-lo. Seria como elas estivessem esgrimindo com rezas.
Na
manhã seguinte, a mãe de Maria não se conteve e, após verificar se seu
marido já tinha tomado o remédio para controle da pressão, lhe contou
tudo. Ele queria acordar a filha para lhe dizer umas e boas, mas foi
contido pela mulher.
- Querido, você vai conversar com ela. Mas,
se conversar com raiva, você pode ter um enfarte ou ela ficar magoada.
Aí, por birra, ela pode fazer o que nem ia querer. É melhor você esperar
ela acordar ou de noite, para você falar.
O marido ficou pensativo e sentenciou:
-
Você sabe quem são os culpados de tudo isto? São os filhos das putas
dos governantes do PT. Quando, neste mundo, o filho de um porteiro
poderia se formar em Engenharia?
Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br/
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