Ricardo Kotscho, em seu Blog.
Foi dada a largada. Em caudaloso artigo publicado domingo no Estadão,
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu a senha: como não há
clima para um golpe militar, a derrubada do governo de Dilma Rousseff
deve ficar por conta do Judiciário e da mídia, criando as condições para
votar o impeachment da presidente no Congresso Nacional o mais rápido
possível.
"Que tenham a ousadia de chegar até aos mais altos hierarcas, desde
que efetivamente culpados", conclamou FHC. O ex-presidente já vinha
conversando sobre isso com outros tucanos inconformados, ainda
discretamente, desde a noite da vitória de Dilma, no segundo turno, em
outubro do ano passado. Sem paciência para esperar as próximas eleições
presidenciais, em 2018, após quatro derrotas seguidas, FHC, aos 83 anos,
resolveu colocar o bloco na rua e convocou a tropa, sem medo de dar
bandeira.
O primeiro a responder prontamente ao chamado foi o sempre solícito
advogado Ives Gandra Martins, 79 anos, que já na terça-feira apresentou a
receita do golpe no artigo "A hipótese de culpa para o impeachment",
publicado pela Folha, em que o parecerista aponta os capítulos,
parágrafos, artigos e incisos para tirar Dilma da presidência da
República pelas "vias legais".
Candidamente, Martins explicou na abertura do seu texto: "Pediu-me o
eminente colega José de Oliveira Costa um parecer sobre a possibilidade
de abertura de processo de impeachment presidencial por improbidade
administrativa, não decorrente de dolo, mas apenas de culpa. Por culpa,
em direito, são consideradas as figuras de omissão, imperícia,
negligência e imprudência".
E quem é o amigo José de Oliveira Costa, de quem nunca tinha ouvido
falar? Graças ao repórter Mario Cesar Carvalho, da Folha, ficamos
sabendo nesta quarta-feira a serviço de quem ele está nesta parceria com
o notório Gandra Martins, membro atuante da Opus Dei e um dos expoentes
da ala mais reacionária da velha direita paulistana .
"Sou advogado dele", explicou Costa ao repórter, referindo-se, também
candidamente, ao seu cliente Fernando Henrique Cardoso, um detalhe que
Martins esqueceu de apresentar na justificativa do seu parecer a favor
do impeachment de Dilma.
Conselheiro do Instituto FHC, o até então desconhecido advogado
negou, porém, que a iniciativa da dupla tenha qualquer caráter político.
FHC, claro, disse que só ficou sabendo da operação pelo jornal. São
todos cândidos, estes pândegos finórios, que estão brincando com fogo,
em meio à mais grave crise política e econômica vivida pelo país desde a
redemocratização.
Para saber com quem estamos lidando, o currículo acadêmico de Ives
Gandra Martins, um advogado tributarista, apresenta assim o autor, no
rodapé do artigo: "professor emérito da Universidade Mackenzie, da
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de
Guerra". Universidade Mackenzie, só para lembrar, foi o berço do CCC, o
Comando de Caça aos Comunistas, que teve papel de destaque nos embates
pré e pós-golpe de 1964.
Juntando as pontas, temos a montagem da versão nativa-chique do
"golpe paraguaio". Sem a participação de militares, em junho de 2012, um
processo jurídico-midiático-parlamentar relâmpago derrubou o presidente
Fernando Lugo, democraticamente eleito, como Dilma. A favor do
impeachment, a goleada foi acachapante: 39 a 4, no Senado, e 73 a 1, na
Câmara.
Vejam a escalada da marcha aqui:
* Domingo, 1º _ O artigo de FHC dando as coordenadas à tropa: "Neste
momento", o impeachment, "não é uma matéria de interesse político". Qual
será o momento certo? É só uma questão de tempo para algo já dado como
inexorável, como se fosse a coisa mais natural do mundo derrubar uma
presidente eleita?
No mesmo dia, a presidente Dilma Rousseff sofreria a maior derrota
política no Congresso Nacional, desde a primeira posse, com a eleição
para a presidência da Câmara do deputado dissidente Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), um desafeto do seu governo, que se transformou em líder
suprapartidário da oposição. Rachou e derreteu a ampla maioria que a
base aliada tinha na Câmara, a nova articulação política do governo
revelou-se um desastre e o PT ficou isolado, assim como Dilma já estava.
*Terça, 3 _ O artigo-parecer de Ives Gandra Martins, atendendo à
convocação de FHC. "Meu parecer é absolutamente técnico. Para mim, é
indiferente se o cliente é o Fernando Henrique Cardoso ou uma
empreiteira", explicou o advogado. Claro, claro, tanto faz. Mas quem é,
afinal o cliente? Quem pagou a conta? Candidatos a assumir este papel
certamente não faltam.
À tarde, Dilma acertou, finalmente, para os próximos dias, a saída de
Graça Foster e de toda a diretoria da Petrobras, após ver durante meses
a maior empresa do país sangrando em praça pública. Falta encontrar
quem aceite assumir a herança. A produção industrial sofre queda de mais
de 3% em 2014, os grandes bancos anunciam lucros recordes e o governo
estuda parcelar em 12 vezes o abono de um salário para quem ganha até
dois mínimos.
A verdade é que Dilma também não ajuda nada na defesa do seu governo.
Ao contrário, só leva água ao moinho dos conspiradores que estão saindo
da toca.
Para completar, à noite, como já era esperado desde domingo e
admitido por Eduardo Cunha, a oposição, com o apoio de 186 deputados,
protocolou na Câmara o pedido para a instalação de uma nova CPI da
Petrobras.
Está pronto o roteiro para os historiadores do futuro montarem a
gênese deste dramático início do governo Dilma 2. O "golpe paraguaio"
está em marcha, à espera das "condições objetivas", como diriam os
cientistas políticos nos tempos em que FHC era só professor.
A seguir nesta batida, se nada mudar na condução do governo, o
desfecho certamente não será bom nem bonito para a democracia
brasileira.
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