quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Defender o emprego e a renda ou ganhar confiança do capital financeiro?


Rosa Maria Marques no Carta Maior
  Apesar do discurso proferido especialmente durante a campanha do segundo turno, a prioridade do governo Dilma tem sido promover um significativo ajuste fiscal de modo a garantir um superávit primário de acordo com o planejado por seu Ministro da Fazenda.

Como já foi alertado por vários economistas, esse ajuste pode agravar o desempenho da economia brasileira, provocando uma recessão. Isto porque, se já era difícil para a economia crescer em um quadro desfavorável internacionalmente, o ajuste fiscal e o impacto da crise hídrica e da energia deve deprimir ainda mais a economia, ameaçando o emprego e a renda dos trabalhadores.

Desde o início de 2014, dizíamos que a estratégia de expansão do mercado interno – via políticas de transferência de renda, concessão de crédito para os setores de mais baixa renda, valorização do salário mínimo, entre outras políticas – estava apresentando um esgotamento relativo. Ao mesmo tempo em que isso ocorria, a manutenção da valorização do real não só não favorecia o setor exportador como destruía parte importante da indústria brasileira.

Nessas circunstâncias, a única maneira de manter ou ampliar o nível atividade seria via o investimento.

E bem que o governo Dilma, em seu primeiro mandato, tentou, a seu modo, incentivar as exportações e o investimento privado, mediante uma fantástica desoneração da carga tributária. Somente em relação à Previdência, foram 56 setores da economia que deixaram de contribuir sobre a massa salarial, passando a pagar um imposto sobre o faturamento, de valor menor.

Apesar disso, não houve mudança no nível do investimento privado e as exportações não se ampliaram. Ao contrário, o fim do ciclo expansivo das commodities, somado ao câmbio valorizado, levou a realização de déficit na balança comercial – o primeiro desde o ano de 2000.

Em uma situação internacional adversa, com queda acentuada dos preços das commodities agrícolas e da demanda externa de bens industrializados (em particular de automóveis), e considerando o baixo nível de investimento privado no país e o esgotamento relativo da ampliação do mercado interno via políticas de transferência de renda e de crédito para os setores de mais baixa renda, a única alternativa possível para manter o nível de atividade reside no gasto governamental. Esse gasto seria tanto maior quanto mais a compensação em relação aos outros componentes da demanda fosse necessária. Não foi, no entanto, essa a opção assumida pelo governo Dilma no início de seu segundo mandato.

O governo claramente tem demonstrado que é totalmente refém do chamado mercado ou capital financeiro.

Nos anos anteriores, quando havia “folga” para a realização de políticas de redistribuição de renda e quando ocorria o ciclo expansivo das commodities, a submissão aos ditames do mercado parecia abrandada, mas expressava-se pela subida da taxa de juros, embora justificada pela “necessidade” de fazer frente ao ímpeto inflacionário.

Nesses mesmos anos, o superávit primário passou a ser reduzido, mas a proporção da dívida em relação ao PIB aumentou, principalmente em função do efeito dos aumentos da taxa de juros.

No atual momento, quando se esgotaram as possibilidades de ampliação do consumo de baixa renda e quando o cenário internacional deprime a balança comercial brasileira, aquilo que poderia ser entendido por alguns como uma mera concessão ao capital financeiro assume o status de definidor da política econômica. A prioridade é garantir a "estabilidade" para que os credores continuem a ganhar tal ou mais do que antes.

Em diversas oportunidades, membros da equipe econômica do governo afirmaram que as medidas tomadas visam recuperar a confiança dos investidores, pois sem ela o investimento não iria aumentar e, portanto, a economia não iria crescer.  É claro que “confiança” nas regras do jogo é importante, mas não suficiente.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o Brasil não é uma economia fechada, sendo suscetível ao que acontece no resto do mundo. E isso se manifesta não só em nossas exportações, como no fluxo de capitais que adentram (e saem) do país na forma de investimento direto estrangeiro (IDE), investimento em carteira e derivativos. Mas nem todo o IDE é, de fato, investimento, pois parte é constituída de empréstimos intercompanhia e destinada à compra de empresas e de ações (de 10% ou mais do total das ações de uma empresa).

Esses capitais, bem como os aplicados em carteira e derivativos, são voláteis, de forma que uma alteração nas condições de rentabilidade no plano internacional altera a direção do fluxo, provocando sua saída, em menor ou maior proporção. Daí o aumento da fragilidade da economia brasileira frente ao movimento do capital fictício internacional.

Em segundo lugar, mas ainda mais importante, é que uma parte dos lucros das empresas não é reinvestida e sim direcionada ao mercado, na compra de títulos, ações e derivativos.

Isso é uma característica do capitalismo contemporâneo financeirizado e é uma realidade presente em todos os países.

Frente a esse traço do capitalismo contemporâneo, de quem, na verdade, está o governo tentando recuperar a confiança?

Para esses capitais, pouco importa se isso pode levar a uma recessão. E o que pode ser pior, do ponto de vista do emprego e da renda, do que subir a taxa de juros e, ao mesmo tempo, realizar um ajuste fiscal que envolve, inclusive, piora na condição de acesso a benefícios sociais?

Para os movimentos sociais, sindicatos e associações, que foram chamados a apoiar Dilma no segundo turno, a única alternativa que se lhes apresenta é mobilizar-se na defesa do emprego, salários e das políticas sociais. Tal como em outros países, que estão vivendo as consequências de políticas de austeridade impostas pelo capital financeiro ou que sofrem o impacto da crise de uma forma mais aberta, não há outro caminho a não ser feito. 

A reação às políticas do segundo mandato do governo Lula já se fazem sentir, mas é preciso se unificar as lutas para fazer frente às consequências maiores do quadro que se vislumbra para este e o próximo ano.

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Rosa Maria Marques

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