domingo, 31 de dezembro de 2017

No Brasil o risco de golpe militar não deveria ser subestimado.



                                                                                   José Álvaro de Lima Cardoso.
     A polícia militar do Rio Grande do Norte está em greve desde o dia 19 de dezembro, contra o atraso de salários (incluindo 13º), e condições de trabalho. A paralisação dos policiais gerou uma onda de crimes em várias cidades do estado, superdimensionados pela mídia e por setores golpistas. O governador solicitou ao governo federal as forças armadas para fazer o policiamento de rua. Este caso é diferente, por exemplo, do Rio de Janeiro, onde, apesar do exército fazer o policiamento de algumas favelas, a segurança pública continuou sob a responsabilidade do governo do estado. O caso do Rio Grande do Norte é diferente: os militares estão substituindo o policiamento regular, o que é inédito no país e extremamente preocupante. Isso num quadro onde a movimentação dos militares no sentido do golpe vem ocorrendo há meses.
    No Brasil, somente a espinha dorsal das medidas golpistas, o cerne do golpe, já representará uma das maiores transferências de riqueza dos trabalhadores para as burguesias nacionais e internacionais, já ocorrido na história. Conforme tais medidas vão minando as condições de vida da maioria da população, ou seja, conforme vai ficando mais evidente para a maioria o que significa o golpe na retirada de direitos e arrocho salarial, a tendência é haver crescente reação popular. As indicações neste sentido já são muito fortes, neste momento: segundo o Ibope, em pesquisa realizada entre os dias 7 e 10 de dezembro, 59% dos brasileiros acham o governo Temer “pior” que o anterior, e apenas 10% o consideram “melhor”. Os institutos de pesquisa nem perguntam mais o que a população acha, hoje, do impeachment, porque sabe que a rejeição é total em função da drástica piora das condições de vida. Essa situação certamente irá se aprofundar na medida em que a crise se desenvolva.
     Neste quadro o risco de golpe militar, visando conter uma eventual reação popular, não deve ser subestimado. Este é um debate crucial. Sabemos o que representam na história do Brasil (e América Latina) os golpes militares. Não só para direitos trabalhistas e políticos, como para a própria vida dos trabalhadores ou dos que ousaram se opor às políticas da ditadura. À exemplo de todos os golpes pós Segunda Guerra Mundial, um golpe militar neste momento seria dado a serviço do imperialismo e contra as organizações populares e trabalhistas. É ilusão infantil imaginar que haveria golpe militar com características nacionalistas, havendo golpe militar, será contra o povo e contra o país. 
     O risco do golpe militar é forte porque tem um aspecto que não fecha a equação golpista: um candidato de esquerda, que deveria estar “morto” politicamente neste momento, está disparado na frente nas pesquisas de intenção de votos, com chances reais de vitória nas eleições de 2018, inclusive no primeiro turno. Tendencialmente, inclusive, as chances de vitória da esquerda aumentarão à medida que passe o tempo, pois o programa dos golpistas, que veio para destruir o pais, já terá apresentado impactos mais aprofundados na destruição do emprego, da renda, e no avanço da pobreza. A destruição da CLT, o congelamento de gastos sociais por 20 anos (Emenda da Morte), liquidação do patrimônio público, desmonte da Petrobrás, entrega do pré-sal, o desmonte da Seguridade Social, e os demais ataques, já terão piorado a vida de 99% da população.   
     É neste contexto que é real o risco de golpe militar e não faltam sinalizações. Setores das forças armadas já disseram, mais de uma vez, que não só pensam em dar um golpe caso “as coisas saiam de controle”, como já têm um plano elaborado. A fala do General Mourão, há alguns meses, não foi isolada. Vários outros militares deram declarações, ou em apoio explícito ao militar, ou em relativização do que foi dito. Que tipo de situação representa o “caos” para os militares (condição estabelecida para uma intervenção militar) é uma definição que só eles sabem o que significa. Por exemplo, um candidato da esquerda ser o preferido nas intenções de votos pode ser interpretado como uma situação de caos. O que não seria nenhuma surpresa, dada a posição conservadora em geral das forças armadas.  
     Frente aos indícios de golpe militar, ainda que estes fossem muito fracos (e não são), não tem sentido simplesmente negar que haja a possibilidade de sua concretização. Os militares, especialmente nas últimas décadas, sempre tiveram muito poder no controle do regime político no Brasil. Negar a possibilidade de golpe militar é especialmente grave porque isso representa risco real de mortes, prisões e tortura de pessoas.
     A negação pura e simples do golpe tapa também os olhos para o fato de que as Forças Armadas apoiaram o golpe em 2016. Na melhor das hipóteses os militares foram consultados e consentiram com o golpe no ano passado. Mas a hipótese mais provável é que tenham participado das articulações golpistas. Caso contrário, já teriam se posicionado em relação a um conjunto de ações que ferem dramaticamente a soberania nacional como a entrega do pré-sal, a inviabilização do projeto de fabricação do submarino à propulsão nuclear, fundamental para proteger a Amazônia Azul, prisão do vice-almirante Othon Silva, a tentativa de vender terras a estrangeiros, e assim por diante.
     Frente aos fortes indícios, como declarações de militares de alta patente, divulgação de notas dizendo que os limitares estão preparados para intervir, e a presença de militares no policiamento regular, como no caso do Rio Grande do Norte, se não houverem protestos incisivos das organizações sociais e sindicatos, a tendência é irem elevando o tom, e medindo a reação da sociedade. Obviamente ninguém sabe se o golpe ira se concretizar. Até porque a existência do plano não significa a garantia de sua implementação. Inclusive porque, em qualquer plano complexo se deve levar em conta inúmeras variáveis e alternativas complexas, como é o caso de uma ação desse tipo.
     Golpes nem sempre são exitosos, seu desfecho depende da correlação de forças, que podem ser alteradas a partir de ações vigorosas e inteligentes. Não há uma articulação à luz do dia do golpe militar, com outros setores da sociedade. Mas é muito provável que o mesmo esteja sendo discutido com políticos, empresários, e organizações conservadoras, velhas conhecidas de golpes anteriores no Brasil. O que não faz sentido é ignorar a história e ficar contando com a sorte, supondo que não há possibilidades de ocorrer o golpe. Vamos lembrar que, em 2014 e 2015, muitos afirmavam (com muita certeza) que era impossível acontecer um golpe, porque a democracia no Brasil já estava “consolidada”.
                                                                                 *Economista.

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