José
Álvaro de Lima Cardoso.
A
polícia militar do Rio Grande do Norte está em greve desde o dia 19 de dezembro,
contra o atraso de salários (incluindo 13º), e condições de trabalho. A
paralisação dos policiais gerou uma onda de crimes em várias cidades do estado,
superdimensionados pela mídia e por setores golpistas. O governador solicitou
ao governo federal as forças armadas para fazer o policiamento de rua. Este
caso é diferente, por exemplo, do Rio de Janeiro, onde, apesar do exército
fazer o policiamento de algumas favelas, a segurança pública continuou sob a
responsabilidade do governo do estado. O caso do Rio Grande do Norte é
diferente: os militares estão substituindo o policiamento regular, o que é
inédito no país e extremamente preocupante. Isso num quadro onde a movimentação
dos militares no sentido do golpe vem ocorrendo há meses.
No Brasil, somente a espinha dorsal das medidas
golpistas, o cerne do golpe, já representará uma das maiores transferências de
riqueza dos trabalhadores para as burguesias nacionais e internacionais, já
ocorrido na história. Conforme tais medidas vão minando as condições de vida da
maioria da população, ou seja, conforme vai ficando mais evidente para a
maioria o que significa o golpe na retirada de direitos e arrocho salarial, a
tendência é haver crescente reação popular. As indicações neste sentido já são
muito fortes, neste momento: segundo o Ibope, em pesquisa realizada
entre os dias 7 e 10 de dezembro, 59% dos brasileiros acham o governo Temer
“pior” que o anterior, e apenas 10% o consideram “melhor”. Os institutos de
pesquisa nem perguntam mais o que a população acha, hoje, do impeachment, porque
sabe que a rejeição é total em função da drástica piora das condições de vida.
Essa situação certamente irá se aprofundar na medida em que a crise se
desenvolva.
Neste quadro o risco de golpe militar, visando conter
uma eventual reação popular, não deve ser subestimado. Este é um debate
crucial. Sabemos o que representam na história do Brasil (e América Latina) os
golpes militares. Não só para direitos trabalhistas e políticos, como para a
própria vida dos trabalhadores ou dos que ousaram se opor às políticas da
ditadura. À exemplo de todos os golpes pós Segunda Guerra Mundial, um golpe
militar neste momento seria dado a serviço do imperialismo e contra as
organizações populares e trabalhistas. É ilusão infantil imaginar que haveria
golpe militar com características nacionalistas, havendo golpe militar, será
contra o povo e contra o país.
O risco do golpe militar é forte porque tem
um aspecto que não fecha a equação golpista: um candidato de esquerda, que
deveria estar “morto” politicamente neste momento, está disparado na frente nas
pesquisas de intenção de votos, com chances reais de vitória nas eleições de
2018, inclusive no primeiro turno. Tendencialmente, inclusive, as chances de
vitória da esquerda aumentarão à medida que passe o tempo, pois o programa dos
golpistas, que veio para destruir o pais, já terá apresentado impactos mais
aprofundados na destruição do emprego, da renda, e no avanço da pobreza. A destruição
da CLT, o congelamento de gastos sociais por 20 anos (Emenda da Morte),
liquidação do patrimônio público, desmonte da Petrobrás, entrega do pré-sal, o desmonte
da Seguridade Social, e os demais ataques, já terão piorado a vida de 99% da
população.
É neste
contexto que é real o risco de golpe militar e não faltam sinalizações. Setores
das forças armadas já disseram, mais de uma vez, que não só pensam em dar um
golpe caso “as coisas saiam de controle”, como já têm um plano elaborado. A
fala do General Mourão, há alguns meses, não foi isolada. Vários outros
militares deram declarações, ou em apoio explícito ao militar, ou em
relativização do que foi dito. Que tipo de situação representa o “caos” para os
militares (condição estabelecida para uma intervenção militar) é uma definição
que só eles sabem o que significa. Por exemplo, um candidato da esquerda ser o
preferido nas intenções de votos pode ser interpretado como uma situação de
caos. O que não seria nenhuma surpresa, dada a posição conservadora em geral
das forças armadas.
Frente
aos indícios de golpe militar, ainda que estes fossem muito fracos (e não são),
não tem sentido simplesmente negar que haja a possibilidade de sua
concretização. Os militares, especialmente nas últimas décadas, sempre tiveram
muito poder no controle do regime político no Brasil. Negar a possibilidade de
golpe militar é especialmente grave porque isso representa risco real de
mortes, prisões e tortura de pessoas.
A
negação pura e simples do golpe tapa também os olhos para o fato de que as Forças Armadas apoiaram
o golpe em 2016. Na melhor das hipóteses os militares foram consultados e
consentiram com o golpe no ano passado. Mas a hipótese mais provável é que
tenham participado das articulações golpistas. Caso contrário, já teriam se
posicionado em relação a um conjunto de ações que ferem dramaticamente a
soberania nacional como a entrega do pré-sal, a inviabilização do projeto de
fabricação do submarino à propulsão nuclear, fundamental para proteger a
Amazônia Azul, prisão do vice-almirante Othon Silva, a tentativa de vender
terras a estrangeiros, e assim por diante.
Frente aos fortes indícios, como declarações de militares
de alta patente, divulgação de notas dizendo que os limitares estão preparados
para intervir, e a presença de militares no policiamento regular, como no caso
do Rio Grande do Norte, se não houverem protestos incisivos das organizações
sociais e sindicatos, a tendência é irem elevando o tom, e medindo a reação da
sociedade. Obviamente ninguém sabe se o golpe ira se concretizar. Até porque a
existência do plano não significa a garantia de sua implementação. Inclusive
porque, em qualquer plano complexo se deve levar em conta inúmeras variáveis e
alternativas complexas, como é o caso de uma ação desse tipo.
Golpes nem sempre são exitosos, seu desfecho depende da correlação de
forças, que podem ser alteradas a partir de ações vigorosas e inteligentes. Não
há uma articulação à luz do dia do golpe militar, com outros setores da sociedade.
Mas é muito provável que o mesmo esteja sendo discutido com políticos, empresários,
e organizações conservadoras, velhas conhecidas de golpes anteriores no Brasil.
O que não faz sentido é ignorar a história e ficar contando com a sorte,
supondo que não há possibilidades de ocorrer o golpe. Vamos lembrar que, em 2014
e 2015, muitos afirmavam (com muita certeza) que era impossível acontecer um
golpe, porque a democracia no Brasil já estava “consolidada”.
*Economista.
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