Por Paulo Moreira Leite, em seu blog
Ninguém tem o direito de manifestar surpresa diante da decisão do TRF-4, de marcar o julgamento da primeira ação de Sérgio Moro contra Lula para 24 de janeiro. Sabemos que a única decisão legítima seria simplesmente recusar a denúncia, pela absoluta falta de provas contra o réu - pois sequer se demonstra que Lula é o dono do apartamento que teria recebido como propina. Mas sabemos que, no Brasil de 2017, véspera de uma campanha presidencial na qual a presença de Lula é o primeiro caminho para a revogação do Estado de exceção em que o país se encontra, essa possibilidade está fora de cogitação.
Se há uma dúvida - pequena - consiste em saber se Lula será condenado por 3 a 0 ou por 2 a 1. Mesmo um voto por sua absolvição, diante da fraqueza chocante das denúncias, é uma possibilidade teórica, até agora sem base em qualquer hipótese consistente.
Estamos falando de uma operação política de envergadura, através do Judiciário, para erguer alicerces duradouros de uma ditadura de elite, um regime de minoria, sob medida para interesses imperiais e sua clientela local, pela exclusão da liderança que, com todos os seus defeitos limites, representa, gostemos ou não, a alternativa real ao que está aí.
Em 1955, após o emparedamento que levou Getúlio ao suicídio, o país assistiu a uma nova tentativa de golpe para impedir a eleição de JK, preferido na vontade política um povo que queria a continuidade do regime que havia fundado a Petrobras, deixara a CLT e protegia o salário mínimo. Para bloquear o avanço de JK, Carlos Lacerda cunhou uma fórmula em várias etapas: "Juscelino não pode se candidatar. Se for candidato, não pode vencer. Se vencer, não pode ser empossado. Se for empossado não poderá governar". Em 2017, num sinal da profundidade do colapso em que o país se encontra, vê-se que a fórmula de 1955 era até suave, pois o projeto de hoje é muito mais bruto: simplesmente cortar o mal pela raiz e salgar a terra.
Diante do temor de que Lula será vitorioso caso possa concorrer, numa disputa entre nanicos, veteranos sob cirurgia plástica e alternativos improvisados, considera-se possível impedir a candidatura no nascimento. A pergunta consiste em saber o que fazer a partir daí. A fórmula mais confortável para auxiliar o golpe, hoje, consiste em colocar a culpa no povo. É a velha técnica dos dirigentes políticos, intelectuais e outras personagens influentes que pretendem lavar as mãos -- como Pilatos, que culpou a multidão por uma decisão na Galiléia, condenada por vinte séculos de história. Argumenta-se que 200 milhões de brasileiras e brasileiros têm uma grande responsabilidade pelo atual estado de coisas - não defenderam Dilma com a energia necessária em 2016 - e agora devem pagar a conta.
Também se alega que a grande maioria da população não demonstrou o ímpeto necessário para defender Lula e que seu comportamento atual - definido como "apático" - não indica nenhuma vontade profunda resistência. Nada mais se poderia fazer, diz a voz do conformismo, além de escolher um possível substituto, como se a escolha de um novo presidente fosse equivalente a comparar mercadorias nas prateleiras do lamentável supermercado de Temer-Meirelles-Sérgio Moro. O jeito seria ir as compras, portanto.
Está errado. A luta mal começou.
A maioria da população diz que pretende votar em Lula porque acredita que ele irá concorrer e agarra-se com todas as forças ao direito de escolher aquele que lhe parece o melhor candidato para defender o país e seus direitos. O favoritismo de Lula não é uma frágil obra de marketing, mas a derrota de anos de pós-verdade, o fracasso de fake news cuidadosamente divulgadas para tentar destruir sua reputação e sua liderança.
É uma demonstração de que, após uma década de massacre permanente, a população está convencida de sua inocência e devota um respeito sem igual por sua herança como homem público.
Aguarda-se assim, para o dia 24, um ataque frontal ao principal valor político da população brasileira, que reside em sua consciência democrática. Foi essa força que sustentou o mais amplo regime de liberdades de nossa história e que não conseguirá conviver, passivamente, com uma afronta inaceitável: impedir Lula de concorrer sem que se apresente uma prova contra ele. Não é difícil enxergar o que irá acontecer com o país a se partir daí. Nem perguntar qual tipo de regime está em construção. Alguma dúvida? Nenhuma.
Tem razão Dilma Rousseff, quando disse que "com eleição sem Lula, o Brasil não se pacifica".
Em nota divulgada ontem, quando o TRF-4 anunciou a data do julgamento, a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, denunciou que "os golpistas e seus aliados investem em saídas antidemocráticas e artificias para impedir a volta de Lula" e reafirmou: "Lula é o nosso candidato e será o próximo presidente do Brasil". José Dirceu divulgou mensagem na qual diz que "a hora é de ação, não de palavras. Transformar a fúria em revolta, a indignação e mesmo o ódio em energia para a luta e o combate".
Candidato do PSOL ao governo de São Paulo, em 2014, o professor Gilberto Maringoni explicou em artigo: "condenar Lula significa fraudar as eleições de 2018", transformando o país "num escracho, numa mazorca, num lupanar cívico". Apontando para o que fazer, Maringoni disse que "agora é hora da frente dos que gostam e dos que não gostam de Lula - mas que estão com a democracia - contra algo que atinge a todos".
Ninguém tem o direito de manifestar surpresa diante da decisão do TRF-4, de marcar o julgamento da primeira ação de Sérgio Moro contra Lula para 24 de janeiro. Sabemos que a única decisão legítima seria simplesmente recusar a denúncia, pela absoluta falta de provas contra o réu - pois sequer se demonstra que Lula é o dono do apartamento que teria recebido como propina. Mas sabemos que, no Brasil de 2017, véspera de uma campanha presidencial na qual a presença de Lula é o primeiro caminho para a revogação do Estado de exceção em que o país se encontra, essa possibilidade está fora de cogitação.
Se há uma dúvida - pequena - consiste em saber se Lula será condenado por 3 a 0 ou por 2 a 1. Mesmo um voto por sua absolvição, diante da fraqueza chocante das denúncias, é uma possibilidade teórica, até agora sem base em qualquer hipótese consistente.
Estamos falando de uma operação política de envergadura, através do Judiciário, para erguer alicerces duradouros de uma ditadura de elite, um regime de minoria, sob medida para interesses imperiais e sua clientela local, pela exclusão da liderança que, com todos os seus defeitos limites, representa, gostemos ou não, a alternativa real ao que está aí.
Em 1955, após o emparedamento que levou Getúlio ao suicídio, o país assistiu a uma nova tentativa de golpe para impedir a eleição de JK, preferido na vontade política um povo que queria a continuidade do regime que havia fundado a Petrobras, deixara a CLT e protegia o salário mínimo. Para bloquear o avanço de JK, Carlos Lacerda cunhou uma fórmula em várias etapas: "Juscelino não pode se candidatar. Se for candidato, não pode vencer. Se vencer, não pode ser empossado. Se for empossado não poderá governar". Em 2017, num sinal da profundidade do colapso em que o país se encontra, vê-se que a fórmula de 1955 era até suave, pois o projeto de hoje é muito mais bruto: simplesmente cortar o mal pela raiz e salgar a terra.
Diante do temor de que Lula será vitorioso caso possa concorrer, numa disputa entre nanicos, veteranos sob cirurgia plástica e alternativos improvisados, considera-se possível impedir a candidatura no nascimento. A pergunta consiste em saber o que fazer a partir daí. A fórmula mais confortável para auxiliar o golpe, hoje, consiste em colocar a culpa no povo. É a velha técnica dos dirigentes políticos, intelectuais e outras personagens influentes que pretendem lavar as mãos -- como Pilatos, que culpou a multidão por uma decisão na Galiléia, condenada por vinte séculos de história. Argumenta-se que 200 milhões de brasileiras e brasileiros têm uma grande responsabilidade pelo atual estado de coisas - não defenderam Dilma com a energia necessária em 2016 - e agora devem pagar a conta.
Também se alega que a grande maioria da população não demonstrou o ímpeto necessário para defender Lula e que seu comportamento atual - definido como "apático" - não indica nenhuma vontade profunda resistência. Nada mais se poderia fazer, diz a voz do conformismo, além de escolher um possível substituto, como se a escolha de um novo presidente fosse equivalente a comparar mercadorias nas prateleiras do lamentável supermercado de Temer-Meirelles-Sérgio Moro. O jeito seria ir as compras, portanto.
Está errado. A luta mal começou.
A maioria da população diz que pretende votar em Lula porque acredita que ele irá concorrer e agarra-se com todas as forças ao direito de escolher aquele que lhe parece o melhor candidato para defender o país e seus direitos. O favoritismo de Lula não é uma frágil obra de marketing, mas a derrota de anos de pós-verdade, o fracasso de fake news cuidadosamente divulgadas para tentar destruir sua reputação e sua liderança.
É uma demonstração de que, após uma década de massacre permanente, a população está convencida de sua inocência e devota um respeito sem igual por sua herança como homem público.
Aguarda-se assim, para o dia 24, um ataque frontal ao principal valor político da população brasileira, que reside em sua consciência democrática. Foi essa força que sustentou o mais amplo regime de liberdades de nossa história e que não conseguirá conviver, passivamente, com uma afronta inaceitável: impedir Lula de concorrer sem que se apresente uma prova contra ele. Não é difícil enxergar o que irá acontecer com o país a se partir daí. Nem perguntar qual tipo de regime está em construção. Alguma dúvida? Nenhuma.
Tem razão Dilma Rousseff, quando disse que "com eleição sem Lula, o Brasil não se pacifica".
Em nota divulgada ontem, quando o TRF-4 anunciou a data do julgamento, a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, denunciou que "os golpistas e seus aliados investem em saídas antidemocráticas e artificias para impedir a volta de Lula" e reafirmou: "Lula é o nosso candidato e será o próximo presidente do Brasil". José Dirceu divulgou mensagem na qual diz que "a hora é de ação, não de palavras. Transformar a fúria em revolta, a indignação e mesmo o ódio em energia para a luta e o combate".
Candidato do PSOL ao governo de São Paulo, em 2014, o professor Gilberto Maringoni explicou em artigo: "condenar Lula significa fraudar as eleições de 2018", transformando o país "num escracho, numa mazorca, num lupanar cívico". Apontando para o que fazer, Maringoni disse que "agora é hora da frente dos que gostam e dos que não gostam de Lula - mas que estão com a democracia - contra algo que atinge a todos".
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