segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Os que tramam a destruição do país pensam que são imortais.





                                                                                                    José Álvaro de Lima Cardoso*.
     A tentativa de implantar a PEC 287, que desmonta o sistema de Previdência Social, foi adiada para fevereiro, graças à pressão popular. Esta, claro, poderia ter sido muito mais forte, mas foi o suficiente para uma vitória parcial do movimento social e trabalhista. A explicação para a não aprovação agora, está no alcance da contrarreforma: ela irá tirar renda e deixar mais pobres 100 milhões de brasileiros, praticamente metade da população, que dependem direta ou indiretamente da Seguridade Social. O objetivo encoberto da contrarreforma, inclusive, é entregar a previdência para o setor privado, abrindo um mercado bilionário para os bancos, movimento observado também em outros países da América Latina.
    Essa derrota dos golpistas, mesmo que parcial e localizada, foi relevante. Ela decorreu de uma série de fatores, como as ações mais incisivas por parte do movimento popular, ainda que isoladas. Por exemplo, foi importante a greve de fome iniciada por três membros do Movimento dos Pequenos Agricultores no dia 05 de dezembro, e que se manteve até o adiamento da data da votação da contrarreforma. Quando a greve terminou, em 15 de dezembro, já haviam mais de 40 pessoas em greve de fome no país todo, com possibilidades de ampliação do movimento. Ações deste tipo mostram, por um lado, desespero com a destruição do tecido social brasileiro e revelam o grau de rejeição que têm as políticas do golpe. Por outro lado, ações deste tipo carregam um potencial de radicalização, que ao que tudo indica, no caso da previdência foi farejado pelos estrategistas do golpe.
     O adiamento abre um pouco mais de tempo para desmontar o conjunto de mentiras que espalham em relação à previdência. Por exemplo, a de que o problema fiscal brasileiro decorre do aumento dos gastos sociais, de saúde, educação, funcionalismo, etc. Ou de que a previdência social tem déficit, quando se sabe que ela faz parte do sistema de Seguridade Social, que é amplamente superavitário. Além disso, ao mesmo tempo em que o governo quer retirar benefícios alegando o déficit da previdência, encaminha ao Congresso Nacional uma Medida Provisória (795/2017), conhecida como MP da Shell, aprovada no dia 05/11 na base do rolo compressor, que concede benefícios fiscais para multinacionais petroleiras, que alcançarão R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos.
     O potencial de mobilização da população na questão da seguridade social é muito superior, por exemplo, ao de mobilização na luta contra a destruição das leis trabalhistas e da estrutura sindical. Num país que tem baixa taxa de sindicalização é difícil a população enxergar a importância estratégica dos sindicatos. Com a previdência social é diferente. Atinge diretamente a renda, por exemplo, de quem ficou anos pagando o sistema e que percebe que, com a proposta de contrarreforma, jamais se aposentará. O potencial de envolvimento da população com essa luta, portanto, é muito superior.
     O ataque à previdência é especialmente importante, em função do aumento da pobreza, decorrência da recessão que vem desde 2014. No dia 15 último o IBGE divulgou a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), que traz dados extremamente preocupantes. Segundo o estudo o Brasil tem 24,8 milhões de brasileiros que vivem com renda inferior a ¼ do salário mínimo por mês, o equivalente a R$ 220. O resultado mostra um aumento de 53% na comparação com 2014, início da recessão. O referido número de brasileiros que vive na miséria representa 12,1% da população do país. A Previdência Social e a Assistência Social (que compõem o sistema de Seguridade) impedem que estes indicadores sejam ainda piores. A esmagadora maioria dos benefícios da Previdência Social, quase 70%, é de um salário mínimo, levando a um elevado efeito distributivo.
     Os argentinos, recentemente mostraram como se lida com propostas de destruição da previdência. No caso do país vizinho a contrarreforma proposta pelo governo prejudicará os ganhos de 17 milhões de cidadãos. Por exemplo, o próximo reajuste nos vencimentos, previsto para março, cairia de 12% para 5,7%. A proposta é de reajustar as aposentadorias com base no cálculo de inflação e não com base na arrecadação tributária e na média de aumentos salariais no país, como é feito atualmente. A proposta unificou a resistência do movimento sindical argentino e apesar do governo Macri, ter os votos para passar a proposta, a reação vigorosa da sociedade levou ao adiamento da votação. É possível que o projeto passe, porque Macri utiliza a máquina estatal para obter adesões de governadores, apesar de não ter maioria no Congresso.
     A investida contra os direitos e a renda dos trabalhadores, ocorre no mundo todo e tem a mesma origem: os interesses do capital financeiro internacional. A contrarreforma trabalhista, já em vigor no Brasil, foi realizada em mais de 110 países. Somente com essa lei teremos, no médio prazo, a maior transferência de renda dos trabalhadores para os empresários, da história. Isso no cenário brasileiro, de recessão profunda ou de baixo crescimento. O governo Macri, fortalecido pela vitória nas eleições legislativas, irá tentar aprovar uma contrarreforma trabalhista, semelhante à aplicada no Brasil.  Argentina e Brasil têm diferenças importantes: Macri não dispõe de maioria parlamentar e, talvez, o movimento sindical tenha uma maior capacidade de resposta para esse tipo de ataque. O governo argentino ganhou as recentes eleições legislativas, aqui o governo não tem 3% de aprovação. Mas têm também muitas semelhanças: operam retirada de direitos, destroem o tecido social e entregam patrimônio público e riquezas naturais.  
     No Brasil, um dos mentores da destruição da previdência social, que deseja que um idoso miserável receba menos que um salário mínimo, Henrique Meirelles, recebe, desde os 57 anos, uma aposentadoria de US$ 750 mil anuais, equivalente a mais de R$ 200.000 mensais. Em 2016, quando assumiu o Ministério da Fazenda por força do golpe mais sórdido da história do Brasil, Meirelles teve renda de R$ 217 milhões. Renda que um trabalhador jamais irá obter, mesmo que pudesse trabalhar durante várias vidas. Ele e seus amigos banqueiros, tramam contra a população, dia e noite. Em sua prepotência, pensam que são imortais. 
           *Economista.                                                                 

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