No blog da Milly
Publicado em 14/05/2017 por Mill. Transcrito no blog O Cafezinho.
Eu poderia ter aproveitado meu sábado para ler Irmãos Karamazov de
cabo a rabo, assistir O Leopardo e Doutor Jivago na sequência, ou quem
sabe ficar vendo vídeos das vitórias e dos gols do Corinthians ao longo
dos anos, mas o que fiz foi rever o depoimento de Lula a Sergio Moro.
O que me moveu a executar tarefa tão estúpida não foi apenas a falta
do que fazer em um sábado, mas o tsunami de emoções que me invadiu
depois que vi a capa da Veja e a propaganda de dia das mães das lojas
Marisa, que cruzam fronteiras morais que jamais deveriam ser cruzadas em
um mundo minimamente decente e humanizado.
Não conheço Lula, nunca o vi na vida e nunca votei nele, mas se tem
uma coisa que me tira de eixo, além das derrotas do Corinthians, são
injustiças. E, na mesma escala, o uso indevido da imagem de alguém que
não está mais aqui.
Se Lula é culpado de alguma coisa não posso dizer. Não posso dizer
nem se minha mãe é culpada de alguma coisa, mas o que posso dizer é que
se um dia minha mãe for suspeita de crimes eu gostaria que ela tivesse
direito a um julgamento justo, que fosse justamente divulgado pela
imprensa, e que, se culpada, fosse condenada a partir de provas e não de
desejos e de crenças.
Desde que o depoimento de Lula a Moro terminou o que temos visto é a
imprensa repercutir a ideia de que Lula culpou dona Marisa, que morreu
em fevereiro desse ano.
Nesse caso Lula teria transferido a culpa, fica implícito, a alguém
que não está mais aqui para se defender, o que seria, naturalmente,
covarde, baixo, vulgar e pequeno da parte dele.
Acontece que isso não é absolutamente verdadeiro, mas para saber
disso é preciso ser alguém sem vida social como eu, e ter paciência para
assistir 4 horas e meia de depoimento no Youtube.
E eu fui rever esse depoimento apenas para provar que a narrativa que
a grande mídia está construindo a respeito da covardia de Lula é falsa –
a despeito de Lula ser ou não culpado de alguma coisa – triplex, sítio,
pedalinho etc e tal.
Então vamos lá, num alucinado minuto a minuto do que Lula disse a
Moro a respeito da mulher, e deixando de lado toda a bizarrice que foi o
depoimento.
10’54”: Moro cita dona Marisa a respeito da compra de apartamento no
Guarujá. O advogado de Lula corrige o juiz e diz que o documento não
fala em compra de um apartamento, mas em compra de uma cota. Lula então
responde citando a mulher, já que a pergunta era sobre ela. Moro quer
saber como dona Marisa comprou a cota, e Lula responde.
13’09” Moro cita dona Marisa outra vez e mostra documento com
assinatura dela. O juiz explica que o documento foi rasurado, mas não
sabe por quem.
14’25” Moro cita dona Marisa outra vez: “A sua esposa nunca mencionou
[a intenção de adquirir um Triplex e não uma unidade simples]?”
17’30” Moro volta a citar dona Marisa.
18’25” Moro cita outra vez dona Marisa perguntando por que Lula e ela
não celebraram a compra do apartamento como os demais cooperados da
Bancop, e por que tampouco solicitaram de volta o dinheiro já dado. Lula
responde citando a mulher.
19’08” Moro cita dona Marisa dizendo que o termo de adesão está assinado por ela.
19’54” Moro cita outra vez dona Marisa.
20’35” Moro volta a citar dona Marisa, outra vez sem que Lula tivesse falado nela.
21’43” Pela primeira vez no depoimento Lula cita a mulher sem ser
perguntado. Diz que soube durante os depoimentos dos depoentes que em
2012 dona Marisa tinha autorizado que a OAS vendesse o apartamento.
23’12” Moro pergunta se Lula tinha visto o apartamento do Guarujá.
Lula diz que foi uma vez em 2014. Moro pergunta com quem, Lula diz que
com dona Marisa e com Leo Pinheiro.
24’08” Moro cita dona Marisa: “O senhor ou sua esposa solicitou uma reforma?” Lula diz que não.
24’25” Moro cita dona Marisa querendo saber se ela, ou Lula ou algum
familiar tinha ido outras vezes visitar o imóvel. Lula diz que achava
que dona Marisa tinha ido mais uma vez. Diz que sabe disso porque Fabio,
o filho, contou.
25’02” Moro quer saber o motivo da visita.
25’33” Moro cita dona Marisa, dizendo que essa visita teria sido em Agosto de 2014.
25’50” Moro pergunta se Lula ou dona Marisa orientou reformas no
apartamento. Lula diz que não, mas que quando ele esteve no apartamento
apontou muitos defeitos.
26’50 Lula diz que dona Marisa não gostava de praia, respondendo a
pergunta de Moro a respeito da decisão deles sobre ficar ou não com o
apartamento. Lula explica que dona Marisa talvez tivesse interesse no
apartamento como investimento.
27’15” Lula diz que não comunicou a OAS que não tinha interesse no
imóvel porque dona Marisa estava em dúvida se o queria ou não.
27’33” Moro quer saber se depois da segunda visita dona Marisa
resolveu ficar com o apartamento. Lula explica que só soube depois que
dona Marisa tinha feito uma segunda visita ao imóvel.
28’10” Moro cita depoimento de Lula no primeiro inquérito (do da
condução coercitiva) e fica claro que Lula dava as mesmas explicações a
respeito do apartamento, inclusive com as citações a dona Marisa,
estando ela viva na época.
30’47” Moro diz que Lula disse que decidiu não ficar com o
apartamento depois da visita de dona Marisa. Lula explica que ele está
falando as mesmas coisas em ambos os depoimentos (portanto, citando dona
Marisa da mesma forma, quando ela era viva e agora)
31’30” Moro cita dona Marisa, querendo falar outra vez da segunda
visita que ela fez ao apartamento. O advogado de Lula interrompe dizendo
que Lula acabou de explicar exatamente isso. Lula volta a explicar e
dessa vez diz: “Lamentavelmente, ela [dona Marisa] não está mais viva
para eu perguntar”
32’17” Moro cita dona Marisa falando do primeiro depoimento de Lula, o
da condução coercitiva, ocasião em que o delegado quis saber se dona
Marisa esteve no apartamento para ver se cozinha e elevador tinha sido
instalados. Moro então pergunta se dona Marisa contou a Lula sobre o
estado do apartamento. Lula diz que não.
34’25” Lula, impaciente, cita dona Marisa, dizendo que vai repetir o
que vem dizendo: “O apartamento estava no nome da minha mulher , ela
queria fazer negócio”.
34’36” Moro quer saber se Lula sabe se dona Marisa comunicou
formalmente a OAS que não queria mais o apartamento. Lula diz não saber.
37’40” Lula reclama da Lava Jato, dos métodos da operação, e Moro
pede que Lula tenha paciência. Lula diz: “É que perguntar coisas para
mim de uma pessoa que já morreu é muito difícil”. Moro, solidário, diz:
“Eu imagino”.
38’00” Moro cita dona Marisa falando das visitas ao apartamento e
ligando as reformas do Guarujá e de Atibaia. Lula explica que o sítio é
um outro processo, o advogado de Lula pede que Moro se atenha ao
processo do triplex.
47’40” Moro cita dona Marisa, supostamente mencionada como “a dama”
em conversa entre executivos da OAS. Na conversa, “a dama” teria
aprovado o projetos das reformas da cozinha do Guarujá e de Atibaia.
Lula diz que não pode responder por mensagens trocadas entre terceiros.
52’00” Moro cita dona Marisa dizendo que os projetos das reformas das
cozinhas do sítio e do Guarujá teriam sido submetidas a ela. Lula diz
que não tomou conhecimento disso.
1h 06” 30” Moro cita dona Marisa.
1h 10’01” Moro cita dona Marisa
1h 11’ 10” Moro mostra documento com assinatura de dona Marisa feita
em 2009 e pede explicação para as circunstâncias dessa assinatura. Lula
analisa documento e diz ter a impressão que dona Marisa autorizou a
venda do apartamento somente em 2012.
1h 14’ 04” Lula diz: “Senhor Moro, é muito difícil para mim toda a
hora que o senhor cita minha mulher sem ela estar aqui para se
defender”. Moro diz que não está acusando dona Marisa, Lula diz que
sabe, “mas o senhor me pergunta se eu vi, se não vi… sabe? Uma das
causas que ela morreu foi as pressões que sofreu então não quero mais
discutir isso”
1h15’02” Moro cita dona Marisa sobre pedido de restituição dos valores pagos até ali
1h 17’50” Moro cita nota do Instituto Lula que fala do ressarcimento
do montante pago. Nota é de 2014, quando dona Marisa estava viva.
1h 29’ 09” Moro cita dona Marisa. Lula repete o que está dizendo desde o primeiro depoimento em relação a ex-mulher.
3h01’ Lula cita Marisa dizendo que na época em que ela comprou a cota
do apartamento o presidente da Bancop era João Vaccari Neto, em
resposta feita pelo representante do MP a respeito da relação entre Lula
e Vaccari.
3h01’50” Representante do MP cita dona Marisa a respeito de nota
divulgada pelo Instituto Lula sobre o apartamento no Guarujá, assunto
que já havia sido tratado por Moro minutos antes. Lula responde usando o
nome da ex-mulher já que foi essa a pergunta.
3h03’05” Em nova resposta ao representante do MP Lula diz que quem
cuidava das coisas do apartamento era dona Marisa, e que por isso não
tinha conhecimento de como a cota foi paga, e explica o que tem
explicado há algum tempo: que foi dona Marisa que comprou a cota.
3h08’55” Lula explica ao representante do MP, respondendo pergunta
sobre visita ao apartamento do Guarujá, que dona Marisa autorizou a cota
do apartamento a ser vendida.
3h12’04” O representante do MP cita a visita que dona Marisa fez ao
apartamento com o filho Fabio e quer saber de quem foi a iniciativa para
essa visita. Lula diz que deve ter sido de dona Marisa, mas que ela não
comentou com ele. Lula explica outra vez que a cota era de dona Marisa.
3h22’27” Lula volta a dizer que quem comprou a cota foi dona Marisa,
repetindo o que disse no primeiro depoimento, quando ela estava viva.
A partir daí, dona Marisa não é mais citada.
Fica claro, portanto, que quem trouxe dona Marisa ao depoimento foram
o juiz e o MP, que Lula usou o nome da ex-mulher em respostas, e que
ele não disse nada diferente do que já havia dito no primeiro
depoimento, quando dona Marisa ainda estava viva.
A narrativa de que Lula culpou a ex-mulher diante de Moro é cínica e
covarde, e usar uma mentira para criar capa de revista e campanha
publicitária é moralmente indecente, mas, mais do que isso, é apenas uma
desesperada tentativa de alienar a opinião pública, sedenta por
sentenças, e, com isso, tentar fazer com que ela não enxergue a completa
falta de provas para condenar Lula pelo triplex do Guarujá.
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