Clemente Ganz Lúcio[1]
Entrou na pauta da Câmara
dos Deputados
a nova versão do projeto de reforma trabalhista, agora a partir
do relatório
apresentado pelo deputado Rogério Marinho, relator da Comissão
Especial que
analisa a proposta. Como ocorre na fantasia, na dura realidade
do país, a
formiga (o projeto de reforma encaminhado pelo Executivo) se
transformou em
elefante (a proposta apresentada pelo deputado). E o conteúdo do
projeto
modificado permite afirmar que se trata de um elefante atômico,
uma verdadeira
bomba acionada para destruir e reconfigurar o sistema de
relações de trabalho e
o direito trabalhista.
A justificativa que
consta na
apresentação do projeto indica um conjunto de fundamentos com os
quais há, sim,
acordo: a valorização da negociação, o fortalecimento sindical,
a busca de
solução ágil de conflitos, a segurança jurídica. Porém, o
detalhamento da
propositura no documento revela de maneira cristalina o
verdadeiro sentido do
projeto de reforma: criar um poderoso sistema de proteção
trabalhista das empresas,
que proporcione e acentue o desequilíbrio de força a favor do
capital,
transferindo para o trabalhador, individualmente, a solução dos
conflitos entre
capital e trabalho e afastando os sindicatos dessa relação.
O projeto altera mais de
100 artigos da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e outros 200
dispositivos! Amplia a
liberdade de negociação para fixar parâmetros muito inferiores
aos delimitados
hoje na legislação. Os sindicatos, os representantes no local de
trabalho e o
próprio trabalhador estão autorizados a reduzir direitos. As
negociações
coletivas resultarão em acordos com, no máximo, dois anos de
validade, e fica
proibida a ultratividade. Os sindicatos celebram acordos com
validade para
todos os trabalhadores da base, sem que estes tenham nenhuma
responsabilidade
pelo financiamento dessa ação. As entidades perderão a
capacidade de
financiamento e, pior, o trabalhador que quiser contribuir com
elas deverá
comunicar a empresa – o que é um acinte à liberdade sindical. E
tem mais: os
trabalhadores deverão eleger comissões por empresas, nas quais
fica proibida a
participação sindical! Essas comissões terão poder de negociação
e de quitação
de débitos trabalhistas, que também podem ser saldados pelo
próprio
trabalhador, ao longo do ano. Criam-se as bases para o
sindicalismo por
empresa, sonho neoliberal no século XXI.
Inúmeras práticas de
precarização das
condições de trabalho e flexibilização das formas de contratação
serão
legalizadas. No limite, o trabalhador ganhará por hora
trabalhada e ponto –
trabalho intermitente, jornada parcial, teletrabalho, home
office etc.
A Justiça do Trabalho
será
estruturalmente alterada, com a atuação restrita, e haverá
inúmeros
instrumentos para cercear o acesso dos trabalhadores a ela. O
objetivo é
limitar o ônus das empresas.
O projeto mira a redução
estrutural do
custo do trabalho, a garantia de que não haverá pressão
distributiva, mas
segurança jurídica e validade de acordos privados, entre
empresas e indivíduos
ou com sindicatos fracos. Trata-se de uma proposta ousada,
porque escancara uma
intenção de recolocar as “coisas no seu devido lugar”. Como a
bomba que Donald
Trump lançou no Afeganistão, essa reforma tem efeitos
destrutivos estruturais e
de longo prazo, inúmeras vezes mais drásticos e perniciosos do
que a da
Previdência.
Tempos difíceis, de muita
luta e
mobilização para construir capacidade de resistir e/ou produzir
o inédito. O
futuro está para ser construído. É preciso ir à luta!
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