terça-feira, 11 de abril de 2017

Cerro Negro e a luta pela dignidade humana



                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso.

        No últimos mês, pelo menos, têm ocorrido audiências públicas em várias câmaras municipais de municípios catarinenses, para discussão da PEC 287, que visa destruir o Sistema de Previdência Pública no Brasil, sob o pretexto de reformá-lo. Todas com ótima participação dos movimentos sociais e sindicais, juventude, juristas, vereadores, membros dos executivos, e população em geral. A participação popular nestes eventos tem evidenciado que a PEC não resiste ao debate franco e feito com base em informações fidedignas e abrangentes. Quanto mais discussão e esclarecimentos sobre as medidas do Projeto, mais fica claro que o objetivo oculto é quebrar a previdência e abrir espaços para os bancos venderem planos privados de previdência. Este é o fato. Por isso toda a argumentação do governo é calcada em mentiras, a começar pelo suposto déficit da previdência.
       Tomemos como exemplo uma das audiências das quais tive a honra de participar, ocorrida em Cerro Negro, municipio situado na Região Serrana de Santa Catarina. Com cerca de 3.500 habitantes, em torno de 80% dos ocupados no Município são do setor agrícola. O ìndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,621, inferior à média do estado, de 0,774 no mesmo ano. A esperança de vida ao nascer, indicador utilizado para compor a dimensão Longevidade do ÍDHM, estava em 74,8 anos, em 2010, próxima a do Brasil, de 73,9 anos. Em 2010, considerando-se a população do Município de 25 anos ou mais de idade, 21% eram analfabetos (no Brasil esse percentual é de 11,82%) e apenas 2,46%, tem o superior completo (no Brasil, esse percentual é 11,27%). A renda per capita média de Cerro Negro, apesar de ter crescido expressivamente entre 2000 e 2010, era de R$ 414,60, em 2010.
        A proporção de pessoas pobres, ou seja, com renda domiciliar per capita inferior a R$ 140,00 (a preços de agosto de 2010), era de 27,51%, em 2010. Além disso, o índice de Gini, que mede a desigualdade de renda (quanto menor, melhor é a distribuição da renda), era de 0,55, em 2010, acima de Santa Catarina que, no mesmo ano, estava em 0,49. Tais indicadores, típicos de economias atrasadas, são semelhantes aos de 65% dos municípios brasileiros, o que exige políticas púbicas direcionadas e específicas.        Municípios com as características de Cerro Negro, além de sofrer diretamente os efeitos da maior recessão da história do Brasil, serão os principais prejudicados pelas políticas neoliberais do governo ilegítimo. A PEC 287, objeto principal das mencionadas audiências públicas, ataca o cerne do melhor mecanismo de distribuição de renda existente no país (a Previdência Social), muito especialmente para municípios pequenos e com economias ancoradas na agricultura familiar, como no caso de Cerro Negro.
        Mesmo que não alguém possa não considerar relevante a inédita conquista da cidadania social no Brasil em 1988, que foi a extensão aos tra­balhadores rurais dos mesmos direitos previdenciários que os trabalhadores urbanos, é inegável a importância econômica da previdência. Em mais de 70% dos municípios brasileiros, os recursos da previdência rural, são superiores aos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). As aposentadorias e pensões pagas pelo Regime da Previdência são modestas, a esmagadora maioria é de apenas um salário mínimo. Porém são recursos regulares, direcionados para o consumo popular, que movimentam o comércio, serviços, e a indústria local, e que exercem efeito decisivo sobre a economia dos municípios.
        A PEC, como se sabe, objetiva dificultar o acesso dos trabalhadores como um todo à aposentadoria. Porém, para os trabalhadores rurais será praticamente impossível contribuir regularmente por 25 anos (tempo mínimo, para obter aposentadoria proporcional) e chegar aos 65 anos em condições de se aposentar, mesmo com um benefício parcial. Em Cerro Negro, a esperança de vida ao nascer é de 74 anos, mas esta é uma média, os trabalhadores rurais têm esperança de vida inferior. Suas condições concretas de vida, o trabalho árduo e penoso, o trabalho exercido sob qualquer clima, abreviam sua vida. Nas condições previdenciárias atuais, o período de gozo da aposentaria rural já é inferior à média do conjunto dos trabalhadores. Segundo os dados do Censo Agrícola de 2006, 49% dos grupos familiares têm renda líquida média anual de R$ 255,00, o que, na prática inviabiliza, para esse grupo, o acesso à aposentadoria segundo as regras previstas pela PEC 287. 
       A mobilização dos trabalhadores, as grandes manifestações populares (8, 15 e 31 de março), os debates públicos, as audiências nas assembleias legislativas e câmaras municipais já surtiram seus efeitos. Os golpistas estão recuando de pontos da Reforma da Previdência, e propõem alterações em cinco itens: a aposentadoria de trabalhadores rurais, os benefícios de prestação continuada (BPC), as pensões, a aposentadoria de professores e policiais e as regras de transição para o novo regime previdenciário. É que os prejuízos decorrentes da reforma da previdência são mais fáceis de serem compreendidos pela população, do que aqueles advindos de outras medidas, como por exemplo a Emenda Constitucional 95 (a da Morte), que congelou gastos com o povo por 20 anos (e que passou de “liso”, sem debate).
        Portanto, no enfrentamento do ataque à Previdência Social o potencial de mobilização do povo trabalhador, é maior. O momento é de intensificação das mobilizações porque a reforma, em si, mesmo com pequenas alterações superficiais para obter adesão dos incautos, visa à destruição da previdência no longo prazo. Esta é a sua intenção oculta. Por isso, a luta pela manutenção das políticas de Previdência e Assistência Social, e seus aperfeiçoamentos, mais do que um direito, passou a ser um dever de dignidade humana de todos os brasileiros  e brasileiras.
                                                                                                             *Economista.





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