*José Álvaro de Lima Cardoso.
No últimos mês, pelo menos, têm ocorrido audiências
públicas em várias câmaras municipais de municípios catarinenses, para
discussão da PEC 287, que visa destruir o Sistema de Previdência Pública no
Brasil, sob o pretexto de reformá-lo. Todas com ótima participação dos
movimentos sociais e sindicais, juventude, juristas, vereadores, membros dos
executivos, e população em geral. A participação popular nestes eventos tem evidenciado
que a PEC não resiste ao debate franco e feito com base em informações
fidedignas e abrangentes. Quanto mais discussão e esclarecimentos sobre as
medidas do Projeto, mais fica claro que o objetivo oculto é quebrar a
previdência e abrir espaços para os bancos venderem planos privados de
previdência. Este é o fato. Por isso toda a argumentação do governo é calcada
em mentiras, a começar pelo suposto déficit da previdência.
Tomemos
como exemplo uma das audiências das quais tive a honra de participar, ocorrida em
Cerro Negro, municipio situado na Região Serrana de Santa Catarina. Com cerca
de 3.500 habitantes, em torno de 80% dos ocupados no Município são do setor
agrícola. O ìndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,621, inferior à média do estado, de
0,774 no mesmo ano. A esperança de vida ao nascer, indicador utilizado para compor a
dimensão Longevidade do ÍDHM, estava em 74,8 anos, em 2010, próxima a do
Brasil, de 73,9 anos. Em 2010, considerando-se a população do Município de 25
anos ou mais de idade, 21% eram analfabetos (no Brasil esse percentual é de
11,82%) e apenas 2,46%, tem o superior completo (no Brasil, esse percentual é 11,27%).
A renda per capita média de Cerro Negro, apesar de ter crescido expressivamente
entre 2000 e 2010, era de R$ 414,60, em 2010.
A proporção de pessoas pobres, ou seja,
com renda domiciliar per capita inferior a R$ 140,00 (a preços de agosto de
2010), era de 27,51%, em 2010. Além disso, o índice de Gini, que mede a desigualdade
de renda (quanto menor, melhor é a distribuição da renda), era de 0,55, em 2010,
acima de Santa Catarina que, no mesmo ano, estava em 0,49. Tais indicadores, típicos
de economias atrasadas, são semelhantes aos de 65% dos municípios brasileiros, o que exige políticas púbicas
direcionadas e específicas. Municípios
com as
características de Cerro Negro, além de sofrer diretamente os
efeitos da maior recessão da história do Brasil, serão os principais
prejudicados pelas políticas neoliberais do governo ilegítimo. A PEC 287, objeto principal das
mencionadas audiências públicas, ataca o cerne do melhor mecanismo de
distribuição de renda existente no país (a Previdência Social), muito
especialmente para municípios pequenos e com economias ancoradas na agricultura
familiar, como no caso de Cerro Negro.
Mesmo que não alguém possa não
considerar relevante a inédita conquista da cidadania
social no Brasil em 1988, que foi a extensão aos trabalhadores rurais dos
mesmos direitos previdenciários que os trabalhadores urbanos, é inegável a
importância econômica da previdência. Em mais de 70%
dos municípios brasileiros, os recursos da previdência rural, são superiores
aos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). As aposentadorias e
pensões pagas pelo Regime
da Previdência são modestas,
a esmagadora maioria é
de
apenas um salário mínimo.
Porém são recursos regulares,
direcionados para o consumo popular, que movimentam o comércio, serviços,
e a indústria local, e que
exercem efeito decisivo sobre a economia dos municípios.
A PEC, como se sabe, objetiva
dificultar o acesso dos trabalhadores como um todo à aposentadoria. Porém, para
os trabalhadores rurais será praticamente impossível contribuir regularmente
por 25 anos (tempo mínimo, para obter aposentadoria proporcional) e chegar aos 65
anos em condições de se aposentar, mesmo com um benefício parcial. Em Cerro
Negro, a esperança de vida ao nascer é de 74 anos, mas esta é uma média, os
trabalhadores rurais têm esperança de vida inferior. Suas condições concretas
de vida, o trabalho árduo e penoso, o trabalho exercido sob qualquer clima, abreviam
sua vida. Nas condições previdenciárias atuais, o período de gozo da aposentaria
rural já é inferior à média do conjunto dos trabalhadores. Segundo os dados do
Censo Agrícola de 2006, 49% dos grupos familiares têm renda líquida média anual
de R$ 255,00, o que, na prática inviabiliza, para esse grupo, o acesso à
aposentadoria segundo as regras previstas pela PEC 287.
A mobilização dos trabalhadores, as
grandes manifestações populares (8, 15 e 31 de março), os debates públicos, as
audiências nas assembleias legislativas e câmaras municipais já surtiram seus efeitos.
Os golpistas estão recuando de pontos da Reforma da Previdência, e propõem
alterações em cinco itens: a aposentadoria de trabalhadores rurais, os benefícios
de prestação continuada (BPC), as pensões, a aposentadoria de professores e
policiais e as regras de transição para o novo regime previdenciário. É que os
prejuízos decorrentes da reforma da previdência são mais fáceis de serem
compreendidos pela população, do que aqueles advindos de outras medidas, como por
exemplo a Emenda Constitucional 95 (a da Morte), que congelou gastos com o povo
por 20 anos (e que passou de “liso”, sem debate).
Portanto, no enfrentamento do ataque à
Previdência Social o potencial de mobilização do povo trabalhador, é maior. O
momento é de intensificação das mobilizações porque a reforma, em si, mesmo com
pequenas alterações superficiais para obter adesão dos incautos, visa à
destruição da previdência no longo prazo. Esta é a sua intenção oculta. Por
isso, a luta pela manutenção das políticas de Previdência e Assistência Social,
e seus aperfeiçoamentos, mais do que um direito, passou a ser um dever de dignidade
humana de todos os brasileiros e brasileiras.
*Economista.
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