Por Gabriel Rocha Gaspar, no site Jornalistas Livres. Do blog do Miro.
É muito difícil compreender um jogo em andamento, ainda mais quando todas as informações que temos chegam pelas ondas de um rádio velho, em língua estrangeira. O que se sabe? Uma bateria de 59 mísseis Tomahawk foi lançada, a partir de navios de guerra americanos, contra a base aérea síria de Al Shayrat. De acordo com a Casa Branca, essa teria sido uma retaliação-relâmpago ao ataque químico supostamente perpetrado pelas forças de Bashar al-Assad contra a população civil de uma parte de Idlib (norte) ocupada por rebeldes. Essa, provavelmente, é a ponta do iceberg.
Especulações já pululam pelas redes: será que Donald Trump teria apelado ao velho expediente da política imperial de lançar guerras além-mares quando as coisas não vão bem internamente? Vale lembrar que ele tem sofrido sucessivas derrotas no Parlamento – a mais emblemática demonstrou sua incapacidade de levar adiante a promessa de campanha de acabar com o tímido programa de saúde pública conhecido Obamacare – e tem visto declinar sua popularidade. Uma imensa cortina de fumaça contra mais um ditador estrangeiro acusado de possuir – e, dessa vez, usar – armas de destruição em massa poderia vir bem a calhar. E vamos combinar que, por pior que tenha sido o primeiro filme, o roteiro para a continuação já estava tomando poeira nas gavetas do Pentágono.
Há ainda quem lance a hipótese de que a nova Casa Branca queira deixar clara sua intenção de não recuar na Síria diante da Rússia. Mas essa é uma possibilidade remota, se levarmos em conta que o diálogo entre Washington e Moscou melhorou tanto desde a eleição de Trump, que o novo mandatário – ao contrário de seu antecessor – sequer exigiu a saída de Bashar al-Assad como pré-condição a um desfecho político para o conflito sírio.
Do ponto de vista de Assad, a história também é toda estranha. Afinal de contas, por que – além de sadismo, que não deixa de ser uma hipótese – o presidente lançaria um ataque tão repulsivo e midiático neste que talvez seja o momento mais favorável para ele desde o início das contestações em 2011? A última vez que Assad foi acusado de usar agentes químicos foi no ano de 2015. À época, ele teria atacado diversos alvos em Idlib, durante a noite, com gás clorídrico, uma arma banida pelas Nações Unidas, mas bem menos nociva do que o gás sarin, utilizado no ataque da última terça-feira. Mas aquele era o momento mais duro da guerra, quando o regime perdia território rapidamente para o autoproclamado Estado Islâmico, veladamente auxiliado pela Turquia e amparado ideologicamente pela Arábia Saudita. Naquela época, havia um campeonato de crueldade em curso e Assad, muito mais solitário na arena internacional do que ele está hoje, pode ter entrado no jogo. Por que entraria agora? E de forma muito mais impactante – do ponto de vista da comoção internacional – do que antes?
Só se pode especular. Como de praxe, Assad negou a autoria dos ataques. Em um primeiro momento, seu aliado russo deu uma desculpa esdrúxula: o gás teria caído das aeronaves sírias por engano. Os Estados Unidos foram rápidos em acusar o regime sírio e juntaram seu comitê de guerra – que, com Trump, reúne mais militares do que sob Nixon durante a guerra do Vietnã. De acordo com uma fonte interna ouvida pelo The New York Times, a decisão de atacar a base de Al-Shayrat era a mais leve das retaliações sobre a mesa. Deus – que, em flerte com a neoconservadorismo cristão, Trump tanto citou em seu pronunciamento pós-ataque – sabe o que estava escrito no caderninho de maldades.
O fato é que a decisão de partir para a guerra contra uma nação soberana foi tomada à revelia do Congresso e, ao que tudo indica, dos organismos internacionais. Mas, ao contrário das informações preliminares, o Kremlin parece ter sido informado – o que pelo menos nos dá o alívio (se é que cabe alívio diante do tamanho da ameaça) de saber que Trump não tentou lançar seu próprio holocausto nuclear. A Rússia tem usado as bases sírias para auxiliar o aliado al-Assad na guerra e a destruição de armas russas ou, pior, a morte de soldados russos, não poderia ficar incólume. E há informações preliminares de que havia alguns na base no momento do ataque.
Ou seja, temos uma série de narrativas desconexas que estão longe de cheirar a “verdade”. Mas um recado ficou muito claro: os Estados Unidos sob Trump serão agressivos, imprevisíveis e autocráticos. O império agora tem um imperador missionário e egocêntrico, armado do maior aparato securitário montado na história da humanidade. Talvez o primeiro a traçar essas conclusões tenha sido o presidente chinês, Xi Jinping, que estava reunido com o colega americano no exato momento em que os Tomahawks atingiram o solo a 38 quilometros de Homs. Não é fácil imaginar Jinping, cujo país é alvo de obsessão trumpiana, saindo aliviado da reunião, apenas para se deparar com a notícia televisionada de que seu interlocutor apertou o botão vermelho e pôs fim ao mundo que existia antes da reunião? É o que faria Frank Underwood, o presidente psicopata da série House of Cards. O gosto pelo teatro está nos dois personagens. O problema é que o mais inverossímil, esse que de fato senta na Casa Branca, tem poder de vida ou morte sobre o mundo inteiro.
É muito difícil compreender um jogo em andamento, ainda mais quando todas as informações que temos chegam pelas ondas de um rádio velho, em língua estrangeira. O que se sabe? Uma bateria de 59 mísseis Tomahawk foi lançada, a partir de navios de guerra americanos, contra a base aérea síria de Al Shayrat. De acordo com a Casa Branca, essa teria sido uma retaliação-relâmpago ao ataque químico supostamente perpetrado pelas forças de Bashar al-Assad contra a população civil de uma parte de Idlib (norte) ocupada por rebeldes. Essa, provavelmente, é a ponta do iceberg.
Especulações já pululam pelas redes: será que Donald Trump teria apelado ao velho expediente da política imperial de lançar guerras além-mares quando as coisas não vão bem internamente? Vale lembrar que ele tem sofrido sucessivas derrotas no Parlamento – a mais emblemática demonstrou sua incapacidade de levar adiante a promessa de campanha de acabar com o tímido programa de saúde pública conhecido Obamacare – e tem visto declinar sua popularidade. Uma imensa cortina de fumaça contra mais um ditador estrangeiro acusado de possuir – e, dessa vez, usar – armas de destruição em massa poderia vir bem a calhar. E vamos combinar que, por pior que tenha sido o primeiro filme, o roteiro para a continuação já estava tomando poeira nas gavetas do Pentágono.
Há ainda quem lance a hipótese de que a nova Casa Branca queira deixar clara sua intenção de não recuar na Síria diante da Rússia. Mas essa é uma possibilidade remota, se levarmos em conta que o diálogo entre Washington e Moscou melhorou tanto desde a eleição de Trump, que o novo mandatário – ao contrário de seu antecessor – sequer exigiu a saída de Bashar al-Assad como pré-condição a um desfecho político para o conflito sírio.
Do ponto de vista de Assad, a história também é toda estranha. Afinal de contas, por que – além de sadismo, que não deixa de ser uma hipótese – o presidente lançaria um ataque tão repulsivo e midiático neste que talvez seja o momento mais favorável para ele desde o início das contestações em 2011? A última vez que Assad foi acusado de usar agentes químicos foi no ano de 2015. À época, ele teria atacado diversos alvos em Idlib, durante a noite, com gás clorídrico, uma arma banida pelas Nações Unidas, mas bem menos nociva do que o gás sarin, utilizado no ataque da última terça-feira. Mas aquele era o momento mais duro da guerra, quando o regime perdia território rapidamente para o autoproclamado Estado Islâmico, veladamente auxiliado pela Turquia e amparado ideologicamente pela Arábia Saudita. Naquela época, havia um campeonato de crueldade em curso e Assad, muito mais solitário na arena internacional do que ele está hoje, pode ter entrado no jogo. Por que entraria agora? E de forma muito mais impactante – do ponto de vista da comoção internacional – do que antes?
Só se pode especular. Como de praxe, Assad negou a autoria dos ataques. Em um primeiro momento, seu aliado russo deu uma desculpa esdrúxula: o gás teria caído das aeronaves sírias por engano. Os Estados Unidos foram rápidos em acusar o regime sírio e juntaram seu comitê de guerra – que, com Trump, reúne mais militares do que sob Nixon durante a guerra do Vietnã. De acordo com uma fonte interna ouvida pelo The New York Times, a decisão de atacar a base de Al-Shayrat era a mais leve das retaliações sobre a mesa. Deus – que, em flerte com a neoconservadorismo cristão, Trump tanto citou em seu pronunciamento pós-ataque – sabe o que estava escrito no caderninho de maldades.
O fato é que a decisão de partir para a guerra contra uma nação soberana foi tomada à revelia do Congresso e, ao que tudo indica, dos organismos internacionais. Mas, ao contrário das informações preliminares, o Kremlin parece ter sido informado – o que pelo menos nos dá o alívio (se é que cabe alívio diante do tamanho da ameaça) de saber que Trump não tentou lançar seu próprio holocausto nuclear. A Rússia tem usado as bases sírias para auxiliar o aliado al-Assad na guerra e a destruição de armas russas ou, pior, a morte de soldados russos, não poderia ficar incólume. E há informações preliminares de que havia alguns na base no momento do ataque.
Ou seja, temos uma série de narrativas desconexas que estão longe de cheirar a “verdade”. Mas um recado ficou muito claro: os Estados Unidos sob Trump serão agressivos, imprevisíveis e autocráticos. O império agora tem um imperador missionário e egocêntrico, armado do maior aparato securitário montado na história da humanidade. Talvez o primeiro a traçar essas conclusões tenha sido o presidente chinês, Xi Jinping, que estava reunido com o colega americano no exato momento em que os Tomahawks atingiram o solo a 38 quilometros de Homs. Não é fácil imaginar Jinping, cujo país é alvo de obsessão trumpiana, saindo aliviado da reunião, apenas para se deparar com a notícia televisionada de que seu interlocutor apertou o botão vermelho e pôs fim ao mundo que existia antes da reunião? É o que faria Frank Underwood, o presidente psicopata da série House of Cards. O gosto pelo teatro está nos dois personagens. O problema é que o mais inverossímil, esse que de fato senta na Casa Branca, tem poder de vida ou morte sobre o mundo inteiro.
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