*José Álvaro de Lima Cardoso.
A operação Carne Fraca pode ser
entendida pelo contexto da espetacularização e do superdimensionamento de
problemas que sempre ocorreram no Brasil, e que nunca foram enfrentados da
forma adequada, ou seja, com discrição e energia, e a partir do interesse
público. Neste contexto, juízes, delegados, procuradores, com visão
corporativista e extremamente conservadora, atuam sem nenhuma responsabilidade
com o país, com a economia, e com os empregos. Isso ficou muito claro desde o
início da operação Lava Jato, na qual estes segmentos tiveram posturas, em
relação à maior empresa do Brasil e da América Latina, que destruíram milhões
de empregos e, somente em 2015, prejuízo de R$ 140 bilhões, 2,4% do PIB. Cifra
muitas vezes superior à suposta recuperação de valores com a operação, estimada
em R$ 6,2 bilhões (cifra superestimada, para obtenção de apoio público). Como
ficou evidente, os prejuízos econômicos e sociais causados pela Lava Jato, em
quebradeira de empresas, queda do preço das ações da Petrobrás, e de projetos
de engenharia sucateados e interrompidos, são muito superiores aos supostos
benefícios dessa operação. Somente a indústria naval perdeu mais de 50.000
empregos desde 2014 por causa da dita Operação.
Inspirada na Lava Jato, a Operação Carne Fraca impressiona pelo
estardalhaço, nível de fragilidade e superficialidade das acusações. Quem
lê as declarações dos responsáveis pela Operação, tem a impressão que o
processamento industrial de alimentos Brasil é completamente bagunçado, que não
há nenhum controle, e que a população está ingerindo o tempo todo comida
contaminada. É certo que o Brasil tem problemas de ordem fitossanitária no
setor de produção de alimentos, como de resto, existem em todo o mundo. No
entanto, se não houvesse nenhum controle de higiene e sanidade, estariam as
empresas bastante fragilizadas em face da possibilidade de os exames revelarem
a presença de substâncias estranhas, e seria muito comum também os milhões de
consumidores encontrarem tais substâncias, com relativa frequência.
Qualquer levantamento de dados, em que área for, tem que ter senso de
comparação. No Brasil são quase 4.837
estabelecimentos
industriais de alimentos, que são fiscalizados com frequência. Quase todos, com
certificação reconhecidas internacionalmente. O Brasil não se transformou por
acaso no maior exportador de carne de boi e de frango, vendendo para quase 150
países, cada um com níveis diferenciados e
elevados de exigência. Entre os mercados clientes do Brasil estão os de maior
exigência no aspecto de controle sanitário, como EUA, Europa e Japão.
Isso
não significa que o setor não tenha sérios problemas de corrupção, conforme
demonstrado pelos relatórios policiais. Ficou comprovado que existem esquemas
de subornos de fiscais por frigoríficos e uma relação bastante complicada entre
funcionários dos órgãos públicos de fiscalização e controle e as empresas,
mostrando influência das companhias privadas nas decisões da fiscalização. Como
se deveria fazer em qualquer país do mundo em situação de normalidade
institucional, quando empresas e indivíduos cometem fraldes e burlam regras,
estes devem ser punidos. Não as empresas, que representam empregos, renda,
tecnologia e receitas de exportação.
Os
efeitos da Operação Carne Fraca sobre as exportações já são dramáticos. Nos
dias subsequentes à divulgação da Operação praticamente foram zeradas as vendas
brasileiras do produto lá fora. No ano passado as exportações de carne, que
chegaram a US$ 14,2 bilhões, só ficaram atrás do valor exportado pelo complexo
soja, que alcançou US$ 25,4 bilhões. Além do impacto sobre as exportações, deve
cair também o consumo interno do produto, fundamental para a economia nacional.
Estão em jogo no setor, portanto, os empregos e os salários dos trabalhadores
que conseguirem manter seus vínculos. As campanhas salariais dos trabalhadores
neste primeiro semestre, já penalizadas pela mais grave recessão da história do
país, devem sofrer um forte baque em função dos efeitos da Operação.
A
cadeia de beneficiamento de alimentos é bastante ampla, especialmente
considerando a dimensão territorial do Brasil. Se forem considerados apenas os
empregos gerados, são um milhão de empregos formais (fora os informais), mais
275 mil granjeiros integrados (210 mil de frangos, 40.000 em suínos e 25.000
independentes), transporte, distribuidores, exportadores, consultores,
veterinários, representantes de vendas, etc. Os produtores integrados, em sua
esmagadora maioria, são constituídos pela agricultura familiar. Além disso,
deve-se considerar também as cadeias integradas, que compõem o conjunto da
indústria, como produção de ração, remédios, insumos, etc. Com o impacto sobre
as exportações e as receitas das empresas, é elevado o risco de demissões em massa nas
empresas. Para os produtores o impacto pode ser dramático já que a carne terá
que ser redirecionada para o mercado interno, o que provocará queda nos preços.
A crise poderá também levar à redução dos preços das terras no país e causar
queda na arrecadação de impostos.
O setor de produção de proteína animal no Brasil é extremamente
competitivo. Em 2016, após muitos anos de esforços, o Brasil voltou a obter
autorização para exportação de carne in natura para os EUA, possivelmente o
mercado com maior grau de exigências fitossanitárias do mundo. A
concorrência internacional é muito dura e nela os aspectos de higiene são
essenciais. A partir de meados de 2016 o Brasil conseguiu também entrar
no mercado chinês, que se transformou rapidamente no maior importador de carne
bovina do Brasil. O principal concorrente do Brasil é os Estados Unidos, país
cujas organizações de fiscalização e controle, diferentemente das autoridades
brasileiras, defendem com unhas e dentes sua economia e seus interesses nacionais.
Em qualquer país, o agente público minimamente responsável tem que
procurar punir os responsáveis pelas falcatruas, mas sempre buscando preservar
os empregos e as empresas. Especialmente em setores estratégicos como o de
alimentação. Observa-se uma visão, entre alguns órgãos, na melhor das hipóteses
ingênua, acreditando que somente as empresas brasileiras têm este tipo de
problema, e que nos países ricos as empresas sejam mais honestas e
transparentes que no Brasil. Até o momento, o que esse tipo de perspectiva conseguiu,
do ponto de vista econômico, foi destruir setores da economia nacional, como os
de engenharia e infraestrutura.
É conhecida a participação de setores
dos EUA no golpe de Estado de 2016, em função dos interesses em petróleo, água,
minerais em geral e a biodiversidade da Amazônia. Coincidência ou não, os
maiores interessados nos impactos da Operação Carne Fraca sobre a economia
brasileira são os EUA. Se o setor de produção de carnes no Brasil for destruído
ou substancialmente prejudicado, as empresas norte-americanas aumentam fatias
nas exportações e têm grandes chances de substituírem empresas de predomínio de
capital nacional, na oferta do produto no mercado brasileiro, um dos mais importantes
do mundo, em função do tamanho da população e do acesso ao consumo verificado
nos últimos anos (e já interrompido).
Em 2016, o governo golpista anunciou a
abertura de mercado da carne bovina para os EUA, além de outros países. No caso
norte-americano, o acordo implica em abertura do mercado brasileiro também,
para empresas daquele país. Estão previstos para o mês de abril a chegada da
carne bovina americana, provavelmente cortes especiais, no chamado segmento de
carnes Gourmet. Ou seja, as empresas norte-americanas são diretamente
interessadas em notícias que coloquem em dúvida para os consumidores, as
qualidades de higiene e sanidade da carne produzida no Brasil. Especialmente
quando se sabe que, segundo os especialistas, as carnes brasileiras são
superiores às dos EUA, seja no aspecto nutricional, seja no referente a outros
indicadores, como a utilização de hormônios, que no Brasil são proibidos, ao
contrário dos EUA.
A
indústria brasileira da carne, além de movimentar parte expressiva do PIB
nacional é também elemento de destaque e afirmação do Brasil no mundo. Este
ataque ao setor surgiu em um contexto no qual a indústria de petróleo e gás,
construção civil e automobilística, estão bastante prejudicadas, por razões
econômicas e pelo golpe de Estado. O Brasil enfrenta, há vários anos um
processo dramático de desindustrialização, muito agravado no período recente, e
de forma acelerada. Em 2014 a indústria correspondia a 15% do produto nacional
e a previsão é que, neste ano, esse percentual irá cair para algo em torno dos
8%. A recessão atual é a mais grave da história do Brasil, pois além de reduzir
dramaticamente o nível de atividade econômica e destruir empregos, está desorganizando
a produção, com grande número de fechamento de empresas, especialmente do setor
industrial. O risco é, mesmo, de destruição total da indústria, que foi,
possivelmente, a maior conquista econômica do Brasil no Século XX.
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