"Governo Temer" é só uma expressão da
preguiça mental aliada a defeitos muito piores. Trata-se, na verdade, da
aberração Temer. Jamais –portanto nem na venenosa fase de Roberto
Campos como ideólogo e artífice da ditadura– este país de desatinos
viveu, em tão pouco tempo, um assalto tão violento e extenso a direitos
de mais de quatro quintos da sua população e às potencialidades do
próprio país.
Mesmo na Síria atual, nem toda em
guerra, algumas coisas melhoram. Os países são composições tão complexas
e contraditórias que, neles, nunca tudo segue na mesma direção. Foi o
caso inegável da ditadura militar. É o caso deste transe que permite a
Henrique Meirelles, Michel Temer e aos economistas do lucro fácil a
comemoração, como no mês passado, de uns quantos números aparentemente
consagratórios, mas já de volta à realidade torpe.
Nem poderia ser diferente. O que
Meirelles tem a oferecer e a subserviência Temer subscreve, ambos a
título de combate à crise, é um país manietado, com a vitalidade
reprimida, aprisionado na desinteligência de um teto obrigatório de
gastos que, no entanto, para baixo vai até à imoralidade de cortar
gastos da educação e da saúde.
As greves e os demais protestos
previstos para amanhã, não importa a dimensão alcançada, justificam-se
já pelo valor simbólico: há quem se insurja, neste país de castas,
contra a espoliação de pequenas e penosas conquistas que fará mais
injusta e mais árdua a vida de milhões de famílias, crianças, mulheres,
velhos, trabalhadores da pedra, da graxa, da carga, do lixo, do ferro
–os que mantêm o Brasil de pé. E, com isso, à revelia permitem que as
Bolsas, a corrupção e outras bandalheiras vicejem.
Reforma Trabalhista foi a que criou a
CLT, Consolidação das Leis Trabalhistas, impondo ao patronato certo
respeito ao trabalho e ao seu factor, até então apenas sucedâneos dos
séculos escravocratas. O projeto de Temer, Meirelles e dos seus
adquiridos na Câmara devasta 117 artigos da CLT. Devasta, pois, a CLT.
Com malandrices como, de uma parte,
arruinar os sindicatos, tirando-lhes a verba de contribuição sindical
(deveria acabar, mas por modo decente); de outra, estabelecer que as
condições do trabalho serão acertadas entre esses sindicatos
fragilizados, se ainda existentes, e o patronato. Por coerência dos
autores, com esta aberração: se os "acordos" estiverem fora da lei lei,
valem mais do que a lei.
Último ministro da Previdência na
ditadura, Jarbas Passarinho declarou, em cadeia (quem dera) nacional,
que a Previdência estava falida. Finda a ditadura, Waldir Pires assumiu a
Previdência com uma equipe capaz e provou o contrário. Meirelles, dublê
de ministro da Fazenda e da Previdência, o que erra na primeira não
acerta na segunda. Aumentou o desemprego em 30%. Logo, reduziu a
arrecadação previdenciária.
Só em março, a cada dia foram cerca de
3.000 demitidos a deixarem de contribuir. A correção Meirelles/Temer:
cassar direitos de quem trabalha de fato, na fase da vida em que mais
precisam deles. Com essa usurpação, diminuir o buraco que, em seguida,
faz maior.
Mais direitos se vão e menos remuneração
haverá por obra do desregramento aplicado à terceirização do trabalho.
Se as empresas não ganhassem, em comparação a seu gasto com o empregado
formal, não quereriam terceirizados.
Já se sabe, portanto, de quem a
aberração Temer tira para dar a quem. É a lógica da aberração Temer: já
que do povo não obtém popularidade, dele tomar o que possa.
Não só por ser uma eminência nacional,
ou pelos motivos que o fazem sê-lo, Gilmar Mendes não seria esquecido
aqui. Ainda mais em seguida à mais recente façanha de sua sábia
independência como jurista e juiz: a concessão a Aécio Neves de só
depor, no inquérito sobre improbidades em Furnas, depois de conhecer os
demais depoimentos.
Assim Gilmar Mendes inventou a maneira
mais simples de impedir inquéritos: como os direitos de depoentes são
iguais, se todos requererem o mesmo direito dado a Aécio, não poderá
haver inquérito, por falta depoimento a ser ouvido. Os acusados da Lava
Jato podem usar a invenção nos respectivos inquéritos.
Antes país dos desatinos, agora é o país das aberrações. Afinal, sob protestos, que têm à disposição um futuro convidativo.
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