segunda-feira, 30 de maio de 2016

Considerações sobre o Governo Cunha

Política

Hamilton Pereira (Pedro Tierra)*, na Carta Maior

  Menos de duas semanas depois de instalado o regime parlamentarista bastardo conduzido à sombra pelo Primeiro-Ministro Eduardo Cunha, sob os olhos complacentes do Judiciário e o apoio entusiasta do cartel da mídia monopolizada, a sociedade brasileira já experimenta o significado dessa forma de governo e começa a entender porque nossos avós e nossos pais a rejeitaram quando foram chamados a se pronunciar em plebiscitos.

É que num país como o Brasil em que as oligarquias – as arcaicas e as contemporâneas – devoram os partidos, o sistema parlamentarista tenderá sempre a ser apropriado, como no caso presente, por uma camarilha. Por isso a constituição de 1988 consagrou, num momento de grande mobilização popular e, portanto, de grande legitimidade, o presidencialismo no seu texto.  

O Senador Romero Jucá – um dos mais relevantes planejadores do Golpe parlamentarista – foi colhido por uma composição ferroviária! E exposto aos olhos e ouvidos dos cidadãos por meio de um grampo (a mais contemporânea forma de luta política adotada nessa república de Pindorama) e aos olhos e ouvidos do mundo, atentos ao que ocorre nesses tristes trópicos. O então Ministro do Planejamento, pois já não é, expressava ao seu interlocutor nas gravações vindas a público, uma, apenas uma das reais razões do Golpe: deter a Operação policial/judiciária Lava-a-Jato, e “estancar a sangria”.

Traduzindo: para o ex-Ministro a Lava-a-Jato já cumpriu seu papel no Golpe ao afastar o PT da disputa política. Trata-se, naturalmente, de uma suposição. Se seguir operando, a partir de agora será contra nós. Contenhamos pois, o apetite punitivo dos senhores procuradores antes que eles nos peguem na ratoeira e comprometam os objetivos principais: o saque aos direitos dos trabalhadores assegurados pela constituição de 88 e a derrubada do regime de partilha na exploração do pré-sal. Em outras palavras: atropelar a soberania popular para que o Estado Brasileiro possa renunciar à soberania nacional. Esses dois objetivos foram anunciados pelo governo interino, como se interino não fosse, nas suas primeiras iniciativas.

Na primeira semana foi anunciado o assalto sobre as conquistas obtidas pelos setores populares em três décadas de lutas, desde a derrota da ditadura militar. O saque se materializa já nos momentos iniciais do governo interino por meio das reformas trabalhista e previdenciária, da revogação da política de valorização do salário-mínimo e dos cortes de investimento nas áreas de educação, saúde, moradia que caracterizam os alicerces de um Estado de bem-estar social esboçado pelos governos de Lula e Dilma, com o objetivo restaurar o Estado Mínimo sonhado pelo neoliberalismo e derrotado pelos cidadãos nas quatro últimas eleições presidenciais.

O Ministério Cunha-Temer é uma camarilha. É produto direto do espetáculo, em dois atos, a que fomos submetidos durante a votação do 17 de abril e 12 de maio, nas duas casas do Parlamento. Está à altura deles. Não guarda, portanto, nenhum compromisso com o esforço da sociedade para civilizar-se, nem mesmo com aqueles setores que, iludidos em sua boa-fé pelo cartel da mídia familiar, em particular a Rede Globo, saíram às ruas acreditando que estavam contribuindo para combater a corrupção no país.

Os primeiros passos do governo ilustram os verdadeiros objetivos do golpe e as revelações dos últimos dias já não deixam margem para dúvidas: o golpe de estado em curso busca restaurar o regime de privilégios, arranhado pelos governos Lula e Dilma, que se perpetuou no país ao longo de cinco séculos e produziu uma das mais sociedades mais desiguais e violentas do planeta.

Diante da estreia desse trailer de filme de terror oferecida em duas semanas nos perguntamos sobre o que nos espera. Afastado o PT, trata-se naturalmente de uma suposição, agora cumpre preparar o país para entrega-lo a novos dirigentes, os únicos capazes de regenerá-lo, porque moldados de outra matéria, os juízes: Moro? Joaquim Barbosa? Gilmar Mendes? Ou quem sabe José Serra, o operoso chanceler interino que busca – ansioso – anular em alguns dias todas as conquistas construídas pelo Itamarati durante os últimos 13 anos, quando o país se afirmou no cenário internacional numa posição de destaque só comparável com o período do Barão do Rio Branco?

Como chegarão aos seus objetivos é uma incógnita. Mas, diante das tropelias, do apetite e do escárnio dos primeiros dias, imaginam que já têm a chave nas mãos: o povo é contra? Revogue-se o povo em contrário...

A palavra está com as ruas.

*Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é poeta. Presidente do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

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