José Álvaro de Lima Cardoso
As
campanhas salariais deste ano se desenvolvem em meio a uma conjuntura
extremamente adversa. Seu pano de fundo é uma das mais graves crises da
história do capitalismo, agravada no Brasil pelos erros de condução da política
econômica. É que nesse contexto que o governo golpista e interino surgiu com a firme
intenção de implantar um duro programa de ajuste neoliberal, como forma de
transferir o ônus da crise para os trabalhadores, o que ficou evidente a partir
das primeiras medidas anunciadas.
Horas depois de assumir, o governo
interino anunciou a reforma da Previdência Social para “reduzir a dívida do
país e reconquistar a confiança do investidor”. Como a seguridade social é
superavitária no Brasil, e 82% do déficit público decorre dos vultosos serviços
da dívida pública, já se pode antever o que viria nos dias subsequentes. O
governo já anunciou, por exemplo, que enviará ao Congresso Nacional uma emenda
à Constituição que impedirá que a despesa de um certo ano cresça mais que a
inflação do ano anterior. Esta emenda incluirá despesas como Saúde e Educação,
que expandiu nos últimos anos acima da inflação, exatamente para atender as
demandas sociais que, nessas áreas, padeciam de um enorme déficit. Os recursos
investidos nessas áreas, mesmo tendo crescido em termos reais nos últimos anos,
são insuficientes para as demandas do Brasil. Pode-se imaginar o que irá
ocorrer se tais recursos forem reduzidos em termos reais.
As
manifestações dos representantes do governo Temer nos diversos ministérios, vêm
impregnadas da ideia de que o déficit público tem como causadores os salários
do funcionalismo público e os direitos sociais advindos da Constituição de
1988. É a concepção, que seduziu inclusive alguns segmentos do governo afastado,
de que a Constituição de 1988 não cabe no PIB brasileiro. Esta é a narrativa
que está por detrás de boa parte das medidas já anunciadas ou encaminhadas pelo
governo golpista.
Sobre o problema da dívida pública, questão explicativa fundamental do
déficit público, nada de substancial tem sido mencionado. Os gastos com pessoal
e encargos no funcionalismo público federal, por exemplo, que foram de R$ 256,4
bilhões em 2015, terá no orçamento de 2016 um gasto de R$ 269, o qual,
considerada a inflação do período, representa uma queda em termos reais. Por
outro lado, o pagamento de juros e encargos da dívida pública, cujo orçamento
em 2015, era de R$ 208,3 bilhões, passou, neste ano, na lei orçamentária, para
R$ 304,1 bilhões. Nenhum outro item de gastos, além daqueles com a dívida,
teve um aumento de 40% reais.
As propostas anunciadas pelo governo golpista até aqui têm eixos bem
definidos: diminuição do tamanho do Estado na sociedade, acumulação de recursos
para fazer superávit primário e pagar rentistas, redução dos custos do trabalho
e ameaça à soberania do Brasil. O governo editou, por exemplo, ainda no dia
12/05, a Medida Provisória 727, que retoma o processo de privatização dos anos
de 1990. Na prática, essa medida abre a possibilidade de privatização de todas
as empresas controladas pela União e estados. Mas o alvo central dos defensores
da medida e investidores são as joias da coroa: Petrobrás, Caixa Econômica,
Eletrobrás.
Como já se esperava o governo anunciou
que procurará acelerar a aprovação do Substitutivo ao PLS 131 apresentado por
Romero Jucá (ministro recém afastado do governo por confissão de crimes em áudio
vazado à imprensa), que retira a obrigatoriedade da Petrobrás ser a operadora
única do Pré-Sal, bem como a garantia de participação mínima de 30% nos campos
licitados, como prevê a Lei 12.351/2010, que instituiu o regime de Partilha. Se
o projeto for aprovado na Câmara e sancionado pelo presidente interino, a
Petrobrás deixa de ser a operadora única do Pré-sal, conforme a Lei, passando a
ser uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a concessão
da preferência à empresa, assim como a participação mínima de 30% do
investimento em cada campo explorado. A aprovação do projeto cumpre um objetivo
central do golpe que é abrir a exploração do pré-sal para as empresas
estrangeiras. O projeto possibilita que, na prática, qualquer campo do pré-sal
pode vir a ser explorado com 100% de participação estrangeira e zero de
presença da estatal brasileira. Os argumentos utilizados pelo senador que
apresentou o projeto original, José Serra, é um amontoado de falácias,
devidamente desmontadas pelos especialistas (claro, não se trata de argumentos
técnicos, é um processo golpista).
As
medidas anunciadas até o momento são contra o cumprimento de políticas sociais,
da aplicação de direitos trabalhistas, do acesso ao crédito, à escola, à
moradia, no direito à segurança alimentar, na recomposição do poder aquisitivo
do salário mínimo, na soberania nacional e na defesa das riquezas nacionais. A
aplicação deste receituário do arrocho já enfrenta dura resistência popular,
que deve crescer à medida em que o caráter antipopular deste governo fique mais
evidente. Não por acaso intensificou-se a
repressão sobre os movimentos populares e sociais, e sobre a juventude, que não
aceitam passivamente políticas que foram sistematicamente rejeitadas
pelas urnas, pelo menos na última década. Mas não é hora de baixar a cabeça e
sim de resistir com bravura.
*Economista
e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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