segunda-feira, 29 de junho de 2015

Eric Nepomuceno: A verdadeira origem de tudo

Eric Nepomuceno no Carta Maior

  
O Brasil – ou ao menos parte substancial da sociedade – anda cada vez mais maravilhado com os passos céleres da Justiça. No afã moralizador e punitivo tão ao gosto de uma classe média ignorante, desinformada pelos meios de informação e deformada pelos chamados formadores de opinião, vale tudo. Esse movimento não é de agora, há antecedentes recentes.

Bom exemplo disso foi o processo levado a cabo durante meses, muito mais dedicado aos holofotes da transmissão ao vivo que à busca da Justiça. Naquela ocasião, além de um julgamento feito ao gosto do freguês, muito bem conduzido por um cidadão – o juiz Joaquim Barbosa – que padecia evidentes sinais dos sérios efeitos de uma enfermidade grave e terminal, a hipertrofia do ego, aconteceu um tribunal de exceção.

No fim, o país sorriu satisfeito: finalmente foi feita Justiça. Foi?

Agora, a situação se repete, em tom mais amplo e mais contundente. No lugar do histriônico ministro condutor da Suprema Corte, o que temos é um jovem juiz de primeira instância, devidamente acompanhado e amparado por um coro de jovens promotores e procuradores da mesma província. Os métodos – digamos – bem pouco ortodoxos são evidentes: prender figurões e mantê-los presos até que acedam ao instrumento da delação. Uma forma sutil e delicada de tortura: ou delata, ou fica preso. Qualquer pretexto é válido: muito mais do que uma justiça justa, o que importa é dar claras mostras ao país de uma justiça exemplarizante. O importante é dar o exemplo. E, desta forma, obter o aplauso morno de uma sociedade anestesiada.

Não há, é verdade, nenhuma razão para não acreditar no que diz um delator ao afirmar que fez, sim, doações de campanha e a partidos políticos para poder assegurar contratos bilionários. As doações foram feitas obedecendo a todas as exigências legais. Aqui e acolá, coisas da vida, algumas escorregadelas rumo ao caixa dois. Mas, na ampla maioria dois casos, obedeceu-se à lei.

Só que centenas de dúvidas pairam no ar. Por exemplo: só o maldito PT e seus malditos aliados foram beneficiados por esse tipo de manobra? Na oposição, será que só o furibundo senador Aloisio Nunes Ferreira e o obscuro deputado Júlio Delgado cometeram o mesmo pecadilho? Todos os demais souberam preservar seu cuidadosamente construído perfil bonachão de vestais à serviço da moral e da decência?

É compreensível que, por deter a presidência da República, o PT (e seus aliados) tenham controle praticamente total sobre estatais. Portanto, doar à sua campanha e aos partidos convém a quem quiser preservar seus negócios. Como a oposição, a começar pelo PSDB, não exerce controle algum sobre, por exemplo, a Petrobras, é óbvio que não participa da lambança insistentemente apontada como ‘o maior esquema de corrupção da história brasileira’.

Repetidas à exaustão, afirmações como essa se consolidam em mentes e corações. E enquanto isso, ninguém, nenhum meio de incomunicação, nenhum deformador de opinião pública atenta para uma evidência: todos os partidos, sem uma única exceção, se beneficiam do mesmo esquema agora imputado exclusivamente aos amaldiçoados.

O PSDB, por exemplo, não tem influência alguma na Petrobras mas governa o estado mais rico e poderoso do país, e até o ano passado governava Minas Gerais. Será que nenhuma grande obra foi realizada nesse período? Será que as grandes empreiteiras só foram vítimas dessa chantagem na esfera federal? Em estados e municípios, alguns riquíssimos, todos os contratos são exemplos angelicais de perfeição moral?

Outra coisa: será que ninguém vai mencionar a verdadeira origem desse panorama conspurcado em todos – todos – os níveis da administração pública brasileira, de Câmaras de Vereadores ao Congresso Nacional, passando por prefeituras, governos estaduais e a própria Presidência da República? Será que ninguém pretende colocar na mesa de discussão o verdadeiro alcance dos investimentos feitos pelas empresas de todos os ramos, disfarçados de doações eleitorais e políticas?

Ninguém é ingênuo, ninguém é inocente nesse minueto alucinado: empresas investem em candidaturas pensando no próprio futuro. Partidos políticos aceitam essa dinheirama sabendo que a conta terá de ser paga mais adiante. A cada ‘doação’ corresponde um contrato. Não existisse a figura esdrúxula da ‘doação empresarial’, e o cenário seria outro, bem outro.

Ao mesmo tempo, se não fosse a sanha moralizante de uma justiça provinciana que não tem limites, aliada e insuflada por agentes que vão dos ressentidos da derrota nas urnas aos responsáveis por vazamentos irresponsáveis e especialmente dirigidos, a Justiça não estaria sendo vexada a cada dia.

Ao atuar tendo como objetivo exclusivo o de satisfazer a sede de uma opinião pública claramente manipulada, todos e cada um dos passos dados pela justiça e pela polícia federal que obviamente, indiscutivelmente, age de maneira parcial, o que está sendo pintado é um quadro feio. Bem feio. E que poderá se transformar num monstrengo horroroso. E então, será tarde demais.  








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