No Valor Econômico de 22/06/2015
Por Andrea Jubé
O
governo formula uma proposta para aumentar a cobrança do imposto estadual sobre
heranças e doações e partilhar a receita com União e municípios, reservando a
maior fatia para os governadores. Um dos cenários com os quais o governo
trabalha eleva a alíquota média nacional em 16 pontos percentuais. Nessa
hipótese, a arrecadação sobe dos atuais R$ 4,5 bilhões para R$ 25,1 bilhões. A
orientação do Palácio do Planalto é aguardar o fim da votação do ajuste fiscal
para enviar o projeto ao Congresso Nacional no segundo semestre.
Os
técnicos do governo ainda não concluíram o desenho final da proposta que será
enviada ao Legislativo, mas é certo que o tributo será progressivo e haverá
faixas de isenção e hipóteses de não incidência do imposto, como ocorre em
alguns Estados. O momento de envio foi definido: a prioridade é concluir a
votação do ajuste fiscal - falta aprovar o projeto de lei das desonerações fiscais
- para encaminhar a nova proposta de emenda constitucional (PEC) à Câmara dos
Deputados.
O Valor
teve acesso, com exclusividade, aos estudos conduzidos no governo com
autorização da presidente Dilma Rousseff e coordenados pela Casa Civil e
Ministério da Fazenda. O governo está dividido: o ministro da Fazenda, Joaquim
Levy, é contrário à proposta, enquanto Aloizio Mercadante, da Casa Civil, e
Nelson Barbosa, do Planejamento, veem com simpatia a ideia.
Os
ministros que trabalham no projeto atuam para convencer a presidente Dilma de
que as alterações no imposto sobre transmissão de causa mortis e doações
(ITCMD) são viáveis, enquanto a regulamentação do imposto sobre grandes
fortunas é uma possibilidade remota.
A
avaliação é que, no primeiro caso, o governo pode atrair governadores e
prefeitos para a causa, já que estão todos de pires na mão e as projeções
apontam para aumento expressivo da receita. Para vencer a resistência dos
governadores, o governo propõe reservar a maior parcela aos Estados, embora, atualmente,
a renda fique integralmente com os cofres estaduais.
De
outro lado, a avaliação entre os ministros defensores da proposta é que a
taxação de grandes patrimônios implicaria a evasão de divisas do país num
momento em que o governo esforça-se para atrair investimentos para as novas
concessões de infraestrutura.
A
ideia também anima o PT, que adotou uma postura crítica às medidas de Levy de
reequilíbrio orçamentário e tem pressionado Dilma a, simultaneamente, fazer
acenos para sua base social. Nesse contexto, elevar a cobrança sobre heranças
significaria aumentar a participação dos mais ricos no ajuste fiscal.
O
governo prepara uma proposta de emenda constitucional que estipule alíquotas
mínimas e máximas para o tributo, a fim de partilhar a receita entre os três
entes federativos. Não pretende encampar nenhum dos projetos atualmente em
discussão na Câmara e no Senado.
Atualmente,
a arrecadação é exclusiva dos Estados e a Constituição Federal prevê apenas
alíquotas máximas do imposto. Uma resolução do Senado de 1992 fixou a alíquota
máxima em 8%, que pode variar entre as unidades da Federação, sendo que apenas
três Estados a praticam: Bahia, Ceará e Santa Catarina. Um levantamento da
consultoria Ernst & Young, que também subsidia os estudos do governo, aponta
que a alíquota média aplicada pelos Estados é 3,86%.
Uma
das simulações feitas pelo governo parte da proposta do professor titular do
Insper Naércio Menezes Filho, membro da Academia Brasileira de Ciências. Ele
sugere uma alíquota mínima de 20%, cenário em que a média da arrecadação
nacional - hoje em R$ 4,52 bilhões - subiria para R$ 25,1 bilhões.
"Seria
bastante razoável aumentar a alíquota do ITCMD para cerca de 20%. O propósito
desse imposto não seria reequilibrar o orçamento fiscal federal, já que seu
impacto arrecadatório é limitado, mas ajudaria a tornar a sociedade brasileira
um pouco mais justa", escreveu o professor Naércio em artigo publicado em
abril no Valor. O texto tem sido citado por ministros na defesa das
alterações neste tributo.
Com a
alíquota mínima de 20%, a arrecadação anual com o imposto sobre herança em São
Paulo subiria de R$ 1,7 bilhões para R$ 10,5 bilhões, em valores de 2014. No
Rio de Janeiro, dos atuais R$ 670,6 milhões para R$ 3,3 bilhões. Na Bahia, a
receita iria de R$ 79,7 milhões para R$ 398,7 milhões. No Paraná, de R$ 331
milhões para R$ 1,6 bilhão. E no Rio Grande do Norte, que pratica a menor
alíquota sobre transmissão causa mortis, subiria de R$ 27,4 milhões para R$
366,2 milhões.
O
governo defende a progressividade do tributo, mas hoje isso só ocorre em dez
Estados, inclusive São Paulo. Também endossa faixas de isenção e hipóteses de
não incidência, conforme praticado na maioria das administrações estaduais.
Em São
Paulo, a lei estadual 10.705/2000 prevê seis hipóteses de isenção no caso de
transmissão causa mortis, e três em caso de doações. Por exemplo, imóveis
residenciais, urbanos ou rurais, cujo valor não ultrapassar R$ 106,2 mil e os
familiares nele residirem e não tenham outro imóvel, está isento do tributo. Também
se enquadra na isenção paulista o imóvel cujo valor não ultrapassar R$ 53,1
mil, desde que seja patrimônio único. No Distrito Federal, são isentos do
imposto de herança os imóveis inscritos no programa de assentamento da
população de baixa renda, bem como imóveis avaliados em até R$ 81,1 mil reais
(valor atualizado pela legislação local em 2011).
O
governo também elaborou tabelas cotejando alíquotas praticadas em outros países
e a conclusão foi de que o Brasil é um dos países que menos tributa heranças e
doações no mundo. A fonte é um levantamento da consultoria Ernst & Young em
18 países. O Brasil opera a alíquota média estadual de 3,86% enquanto no Chile
esse percentual é 13%, sendo 29% nos Estados Unidos. Se fosse aplicada no
Brasil a alíquota chilena, a arrecadação subiria para R$ 13,4 bilhões, e se
fosse praticada a alíquota norte-americana, aumentaria para R$ 36,9 bilhões.
O
governo sabe que travará uma queda de braço para avançar com a proposta num
cenário de crise econômica e baixa popularidade da presidente, na qual respingam as denúncias de corrupção
contra petistas. No recente congresso do PT em Salvador, o governo atuou para
sufocar moções a favor da alta de tributos. O ministro da Saúde, Arthur Chioro,
foi desautorizado ao propor o resgate da CPMF para subsidiar o setor. O
presidente do PT, Rui Falcão, disse que "as pessoas têm medo de falar de
imposto". Mas a alta do imposto sobre heranças tem defensores no núcleo
duro governista e sensibiliza Dilma pelos índices que apontam a alta concentração
de renda no Brasil.


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