sexta-feira, 26 de junho de 2015

Em dois anos, multis enviaram ao exterior US$ 52 bi de lucros não tributados

“Se tivesse bala de prata, miraria na isenção de impostos sobre lucros, dividendos e remessas ao exterior”, diz ex-presidente do sindicato dos auditores, sobre legislação introduzida por FHC, nos anos 1990,
por Eduardo Maretti, da RBA 
Gerardo Lazzari/RBA
juvandia moreira e joão sicsú
Juvandia, do Sindicato dos Bancários, e João Sicsú (UFRJ): entender e corrigir as injustiças tributárias
São Paulo – A discussão sobre mecanismos de aplicação de impostos e de combate à sonegação está longe de ser um assunto meramente técnico sobre gestão fiscal. O tema é, antes de tudo, um assunto político, diz respeito a todos os poderes e, sobretudo, a toda a sociedade, que é quem vai pagar e terá de ser atendida pelos serviços públicos financiados com os recursos arrecadados. E o auditor fiscal da Receita Paulo Gil Intrioni vai mais longe. Para ele, o assunto não interessa à elite e seus porta-voazes nos meios de comunicação: “A classe dominante é competente em convencer a sociedade a manter esse quadro de injustiça e iniquidade”, afirmou Intrioni, ex-presidente do sindicato nacional de sua categoria, o Sindifisco Nacional.
E segundo o diretor de Assuntos Institucionais do Instituto de Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, a mudança do sistema tributário não se dará facilmente por meio do Parlamento, uma vez que o poder econômico é determinante na composição do Legislativo, o que explica, inclusive, o interesse desses setores na manutenção do financiamento privado de campanhas eleitorais. “Os parlamentares são eleitos por quem financia, e não por quem vota. No caso do nosso sistema tributário, todo o poder não emana do povo, emana do lucro”, disse.
Ambos participaram nos debates desta tarde do seminário Qual Reforma Tributária o Brasil Precisa?, promovido hoje (25) pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo. Na opinião de Intrioni, a isenção de impostos sobre lucros e dividendos pagos a sócios e acionistas de empresas é questão essencial no contraditório sistema tributário. “Se tivesse uma bala de prata, a primeira medida seria revogar essa isenção, inclusive sobre remessa de lucros ao exterior”, afirma o auditor. “O que as manifestações de 2013 reivindicavam (transporte, saúde e serviços públicos de qualidade) deveriam ser financiados por um sistema tributário justo.”
Gerardo Lazzari/RBA clair hickman
A auditora Clair Hickmann: "Não seria preciso mexer muito na Constituição para chegar a mudanças significativas"
Nem seria preciso mexer muito na Constituição para se conseguir mudanças significativas, na opinião da também auditora Clair Hickmann, que dirigiu a Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf) da Receita Federal. O problema, como ela assinala, é que vários princípios não respeitados. “Uma reforma infraconstitucional poderia ser capaz de trazer justiça em vários aspectos. Por exemplo, o princípio da progressividade, que pode fazer o tributo ser um instrumento de distribuição de renda. Progressividade significa isso: quanto maior renda, maior alíquota”, disse, no mesmo evento, para depois citar outra medida que apontaria para a progressividade: “Todos os rendimentos de capital têm que ser levados a uma tabela progressiva”, defendeu, reiterando os argumentos dos colegas.
O auditor Pedro Onofre Fernandes, dirigente do Sindifisco Nacional, lembrou que a reforma tributária silenciosa feita nos anos 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, isentou a remessa de lucros ao exterior e os lucros para sócios e acionistas, a extinção de punibilidade para contribuintes que quitarem dívidas, entre outras medidas que foram na contramão de um sistema mais justo e distributivo. “São alguns exemplos de sucesso das elites na realização de sua reforma tributária de acordo com seus interesses.”

Ao falar sobre o quesito sonegação, o delegado da Polícia Federal Tacio Muzzi observou que supostos ou potenciais sonegadores acabam encontrando respaldo na própria legislação: “O pagamento integral extingue a punibilidade”. Enquanto não forem extintos todos os recursos na esfera administrativa, o sonegador ou suposto sonegador não pode ser processado criminalmente. “É essencial alterar a questão da extinção da punibilidade, para que sejam punidos não só com multas pesadas mas também com pena privativa de liberdade”, disse Muzzi.
O economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que a cartilha Uma Reforma Tributária para Melhorar a Vida do Trabalhador, elaborada por ele, com ilustrações do também professor Gilberto Maringoni, da Universidade Federal do ABC, está estruturada de maneira a mostrar didaticamente as injustiças e o fato de que quem paga imposto no país é o trabalhador, enquanto os que desembolsam pouco ou muito pouco são as empresas e a parcela mais rica da sociedade. “A renda chamada de lucro é absolutamente isenta.”
Sicsú destacou que a cartilha ressalta a necessidade de se reformular o imposto sobre herança. “Os outros países capitalistas admitem essa cobrança, aqui no Brasil não.” As empresas multinacionais remeteram ao exterior US$ 52,3 bilhões em 2013 e 2014. Esse valor assombroso não se reverte esse recursos para criar renda e emprego internamente nem para melhoria dos serviços públicos. E segundo ele, o caminho escolhido atualmente pela equipe econômica, de basear o dito “ajuste” meramente em cortes de gastos, sem introduzir a preocupação com melhorar a arrecadação, vai levar a um retrocesso. “A justiça tributária é a principal fonte de financiamento do desenvolvimento.”
A presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira, entidade organizadora do seminário e responsável pela cartilha, considera as iniciativas um passo importantes para que as pessoas entendem melhor as contradições do sistema tributário e possam cobrar as mudanças: "É preciso saber o que é carga tributária, o que é para ser cobrado de cada esfera de poder, da cidade do estado e da União, e o que é possível e necessário efetivamente ser feito para corrigir as injustiças", afirmou.

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