domingo, 15 de março de 2015

Luiz Gonzaga Belluzzo: ‘‘Precisamos de um pacto para enfrentar a crise’’

O economista da Unicamp, professor de Dilma Rousseff, propõe uma negociação entre governo, trabalhadores e empresários

JOSÉ FUCS
14/03/2015 10h06

TRAIÇÃO  Belluzzo, em  seu home office, em São Paulo. “Não tenho dor de cotovelo porque minha suposta aconselhada mudou a política econômica”  (Foto: Camila Fontana/ÉPOCA)
Um dos principais interlocutores do ex-presidente Lula no governo do petista, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, de 72 anos, tornou-se um duro crítico da política econômica da presidente Dilma Rousseff e do ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Segundo Belluzzo, o corte de gastos públicos fará a recessão se aprofundar no país, com efeitos perversos no emprego. Para reduzir o impacto da crise, ele propõe a negociação de um pacto social entre governo, trabalhadores e empresários. “O ajuste pode trazer muita inquietação social, e isso não é bom”, afirma.
Ex-presidente do Palmeiras e professor aposentado da Universidade de Campinas – foi professor de Dilma durante seis anos –, Belluzzo hoje é sócio e diretor da Facamp, uma escola que oferece cursos de economia, administração e engenharia, além de MBA executivo, também em Campinas. Embora considerado um “desenvolvimentista”, Belluzzo se declara “keynesiano marxista”. “Quem me chama de desenvolvimentista está me ofendendo”, diz.

ÉPOCA – No ano passado, o senhor apoiou a reeleição de Dilma, mas tem feito duras críticas ao governo. Em sua opinião, Dilma traiu suas propostas de campanha?
Luiz Gonzaga Belluzzo –
Outro dia, o economista Alexandre Schwartsman escreveu um artigo dizendo que critico o governo porque estou com dor de cotovelo. Meu cotovelo tem algumas peculiaridades. Uma é que reservei todas as dores para as mulheres que amei, tendo meus sentimentos sido correspondidos ou não. Fora isso – como joguei futebol, e muito bem –, reservei meu cotovelo para os zagueiros que tentavam me acertar. Não tenho dor de cotovelo porque minha suposta aconselhada mudou a política econômica, mas me reservo o direito de dizer o que penso. O que houve foi que a presidente Dilma cedeu a propostas conservadoras. Está submetida a um processo de desgaste intenso e não teve forças suficientes, pelas circunstâncias, para enfrentá-las.
 
 
 
 
 
 
ÉPOCA – O senhor assinou um manifesto de intelectuais e ativistas contra a indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e as medidas de ajuste fiscal. O que aconteceu? O senhor passou para a oposição?
Belluzzo –
Não estou fazendo uma crítica pessoal ao Levy. Já almocei com ele algumas vezes. Tivemos conversas de alto nível. Mas discordo da ideia de que é possível fazer um ajuste fiscal com a economia desacelerando e os juros em alta. Como a arrecadação do governo depende do nível de atividade econômica, você acaba piorando as coisas. Quando o Banco Central sobe os juros, afeta diretamente a dívida pública. Aposto que ela passará de 70% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano (em 2014, ficou em 63,4% do PIB). Mesmo se o governo cumprir o superavit fiscal prometido para 2015, de 1,2% do PIB, o que é difícil, não vai evitar o impacto negativo dos juros sobre o estoque da dívida. A consequência disso é que o PIB vai cair de 1,5% a 2% no ano e o desemprego vai aumentar. Se acrescentarmos a isso a situação da Petrobras e das empreiteiras, o efeito na economia será dramático. Somados, os investimentos da Petrobras, de seus fornecedores e das empreiteiras representam mais de 10 pontos percentuais da taxa de investimento brasileira (cerca de 17% do PIB em 2014), que é baixa, se comparada às de outros países emergentes.
 

ÉPOCA – Com o quadro atual, de desequilíbrio nas contas públicas,  inflação alta e deficit recorde nas contas externas, dá para usar “homeopatia” para pôr a economia nos trilhos?
Belluzzo –
Como diz o velho ditado “devagar com a louça porque o santo é de barro”. Não estou dizendo que não precisa reequilibrar as contas públicas, redistribuir melhor o gasto, mas acredito que o ajuste fiscal agravará a recessão. Dependendo da dose, poderá gerar resultados contrários ao que deseja obter. Nossa situação fiscal não é desastrosa. É ruim, inconveniente, mas não o desastre que o mercado desenha. Não é nada parecida com a situação de Grécia, Itália, Espanha, Irlanda e Portugal. Pode até ficar, se a gente continuar no mesmo ritmo, mas ainda está longe disso. No Brasil, esse consenso catastrofista chegou a tal ponto que perdeu a relação com a realidade. Se o governo quiser fazer um ajuste, que faça, mas leve em conta que, se a economia desacelerar muito, não conseguirá nada.

ÉPOCA – Qual seria a alternativa ao ajuste fiscal proposto pelo ministro Joaquim Levy?
Belluzzo –
A visão do mercado é muito unilateral. O governo teria de chamar os atores sociais, conversar com eles – os trabalhadores, os sindicatos, os empresários – e discutir uma forma de conseguir um ajuste menos drástico, para o qual todos dessem sua contribuição. Teria de fazer um pacto como os alemães fazem, numa economia social-democrata. É a melhor forma de lidar com uma crise desse tamanho. Para o mercado, desempregar as pessoas e restringir o seguro-desemprego são detalhes. Se a gente não acertar as medidas que serão adotadas com os protagonistas da cena econômica, isso deixará marcas indeléveis. As famílias se desestruturam. Só que, no Brasil, hoje, não é mais assim. Isso pode trazer muita inquietação social, e não é bom. Já imaginou esse povaréu todo que ascendeu socialmente, teve acesso aos bens de consumo, melhorou seu padrão de vida de repente ser jogado no desemprego, sem nenhuma proteção? O pacto seria uma forma de definir os limites do ajuste. Podemos avançar na direção de uma situação fiscal melhor, mas estabelecendo os limites para isso ser feito.
 

ÉPOCA – Que medidas poderiam ser incluídas no pacto?
Belluzzo –
Podemos começar definindo os impostos que vão aumentar. A CPMF (o velho imposto sobre o cheque), por exemplo. Por que a CPMF não pode voltar?

"Se você gasta seu dinheiro, depois terá de cortar despesas. Com o Estado, não é a mesma coisa"
ÉPOCA –  Aparentemente, a sociedade não quer a volta da CPMF. Essa proposta já foi derrotada no Congresso em 2007. Como cobrar mais sacrifícios agora, com tantos escândalos de corrupção pipocando por aí, como o petrolão?
Belluzzo –
Então, a sociedade vai ter de pagar o preço do que ela não quer. Temos também de tributar os dividendos. Hoje, eles não pagam imposto. Como os ricos, que têm propriedades, empresas, recebem? Por dividendos. Como podemos falar em justiça social sem ficarmos vermelhos, com a atual estrutura tributária? Não dá. Segundo um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os 10% mais pobres da população gastam 32% da renda com impostos. Os 10% mais ricos, só 20%.

ÉPOCA – Do lado dos trabalhadores, qual seria a contribuição  para o pacto? As centrais sindicais não aceitam nem mudar as pensões, para impedir que jovens viúvas, casadas com idosos por conveniência, tenham direito a benefícios vitalícios...
Belluzzo –
Isso eu sou a favor que o governo corte. Mas não pode cortar o seguro-desemprego de quem não completou 18 meses no emprego sabendo que 40% dos trabalhadores não teriam tempo aquisitivo para isso.

ÉPOCA – Hoje, muitos empreendedores sofrem com funcionários que forçam a demissão depois de seis meses para receber o seguro-desemprego. Como resolver esse problema?
Belluzzo –
Sei que isso ocorre, mas não é por isso que vamos sacrificar uma massa de gente que vai ficar desamparada. Se o governo não tiver mecanismos de controle, então ele que se demita. É o mínimo que se pode cobrar.

ÉPOCA – O governo gastou demais, aumentou a dívida pública e foi perdoado pelo Congresso por seu comportamento. O governo não tem de fazer sua parte?
Belluzzo –
É difícil dizer se foi o governo que gastou demais ou o PIB que cresceu de menos. Se o PIB não cresce, o deficit acaba aparecendo. O governo pode determinar quanto vai gastar, mas não quanto vai ganhar. Do que ele gasta, cerca de 35% retornam ou deveriam retornar sob a forma de impostos. Se o setor privado estiver desanimado, apático, o consumo não vai crescer, e o investimento também não. O governo gasta, mas não recebe nada de volta, porque há uma conexão entre as duas coisas. Hoje, o Brasil está metido numa enrascada, porque o setor privado está muito desalentado. Se o governo quiser fazer o ajuste fiscal, poderá determinar o volume de gastos, mas não saberá qual será o resultado – e provavelmente não vai ser bom.
 

ÉPOCA – Depois do Carnaval, vem a ressaca da Quarta-Feira de Cinzas. A conta vai sobrar mais uma vez para a sociedade?
Belluzzo –
Essa é uma analogia imperfeita. Você faz sua farra do Carnaval, sua esbórnia, gasta seu dinheiro. Depois, terá de cortar suas despesas. Quando você faz isso, provavelmente vai afetar o botequim da esquina, a padaria, o jornaleiro. Agora, com o Estado, não é a mesma coisa. Quando o Estado resolve aumentar ou diminuir o gasto, afeta a renda de todos nós. As variáveis que entram na política econômica são muito mais complexas do que é possível dominar. Não dá para transpor para o conjunto o que acontece com o indivíduo. O indivíduo que está numa situação de dívida alta e deficits mensais tem de apertar os cintos. Para o conjunto da sociedade, não é assim. Se cortar os gastos de todos os protagonistas, ninguém conseguirá reajustar sua renda, porque o gasto de um é a receita do outro.

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