Clemente
Ganz Lúcio[1]
O Brasil
tem um amplo
sistema de seguridade e proteção social, do qual faz parte o
Sistema Público de
Emprego, Trabalho e Renda (SPE), que trata das questões da
intermediação da mão
de obra, qualificação profissional, seguro-desemprego,
microcrédito, apoio ao
empreendedorismo e economia solidária. Esse Sistema é quase todo
coordenado
pelo Ministério do Trabalho e Emprego, exceto pela área de
educação
profissional, que está atualmente a cargo do Ministério da
Educação e Cultura,
por meio do Pronatec.
A
finalidade do SPE é
cuidar de diferentes aspectos da inserção ocupacional das
pessoas durante a
vida economicamente produtiva, criando melhores condições para
um emprego ou
inciativa empreendedora. Isso se faz, por exemplo, com a oferta
de oportunidades
de qualificação para que as pessoas sejam capazes de acessar
melhores postos de
trabalho e salários, o que afeta positivamente inclusive a
produtividade; ou
com um ágil sistema de intermediação que coloque o trabalhador
em contato com a
empresa ou órgão contratante, diminuindo o tempo de desemprego
ou o custo de
seleção; ou ainda oferecendo instrumentos de proteção para que o
desemprego não
ocorra; ou aportando condições para que o trabalhador preserve
parte da renda
para buscar nova ocupação, quando a perda do posto de trabalho
for inevitável; ou
ainda com crédito, apoio para a gestão, projetos,
comercialização, entre
outros, serviços que apoiam inciativas de quem busca empreender
uma atividade econômica.
Trata-se de
um sistema que
deve estar preparado para acompanhar o movimento de uma força de
trabalho de
quase 100 milhões de trabalhadores, dos quais quase 20 milhões
são
conta-própria, população economicamente ativa que trabalha para
um universo de
mais de 3,8 milhões de organizações empregadoras e de milhões de
famílias.
Trata-se de um Sistema que deve estar distribuído em todo o
território nacional,
contar com uma robusta estrutura informatizada de registro,
cadastro e fluxo de
processos, bem como com uma institucionalidade que permita a
cooperação entre
os entes federados, inclusive para o financiamento.
Desenvolver
e manter permanentemente
um Sistema que visa dar à relação de trabalho, no contexto do
tamanho do
território e da população, uma qualidade diferenciada deve ser
um objetivo
permanente da gestão do SPE. Entretanto, observa-se, nos últimos
anos, um
desinvestimento no SPE, o que reduz ainda mais a capacidade e
amplia as
fragilidades do Sistema para dar conta de responder aos desafios
enunciados. Se
observados, por exemplo, o investimento no sistema da
previdência social os
efeitos desse investimento, percebe-se que houve mudança radical
na qualidade
de atendimento ao cidadão, aumento da eficiência, diminuição de
desvios e
fraudes, entre tantos outros efeitos positivos. É um bom exemplo
de um sistema
modernizado, para dar proteção ao cidadão após a vida laboral.
Se a
intenção agora é
criar as melhores condições para que a produção econômica seja
fortalecida e
aprimorada, com dinamização das empresas e o setor público a
produzir, a força
de trabalho precisa estar cada vez mais capacitada para a melhor
alocação ocupacional
possível. A aposta que sustenta esta estratégia é responder ao
desafio
permanente de que, para se promover o desenvolvimento, é preciso
agregar qualidade
aos postos de trabalho, oferecendo melhores condições, pagando
melhores
salários. O SPE é um instrumento essencial para favorecer essa
estratégia,
portanto coparticipante da promoção do desenvolvimento aplicado
ao trabalho. Então,
qual é, de fato, o sentido de desinvestir nesse Sistema?
O
diagnóstico indica claramente
que a falta de investimento no SPE, ocorrida nos últimos anos,
tem levado à
ampliação de problemas como: (a) fragilidades estruturais na
cobertura física
do SPE, para atender no território nacional ao universo da
demanda; (b) queda
na qualidade dos serviços; (c) falta de integração das políticas
e serviços que
integram o SPE e deste com as demais políticas sociais; (d)
conflito entre os
entes federados para a operação e o financiamento do Sistema.
Para
inverter esse quadro,
é preciso uma mudança política radical. As duas Conferências de
Emprego,
Trabalho e Renda, realizadas na segunda metade da década
passada, indicaram as
diretrizes para essa mudança: o investimento na recuperação e
modernização da
estrutura que dá suporte ao funcionamento do SPE; a adequação
das equipes para
um atendimento profissionalizado, sustentado na formação
adequada;
informatização de alto nível para o suporte a serviços que
apoiem a ampla
integração entre atividades, registros e processos de
trabalho/atendimento;
integração e cooperação das atividades e dos serviços entre os
entes federados;
facilitação, sem descontinuidade, dos repasses federais para o
financiamento
das políticas entre União, estados e municípios; revisão da base
de
financiamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador; descapitalizado
pela DRU
(Desvinculação de Receitas da União), pelas desonerações e por
serviços sem
fonte de financiamento.
Ademais, há outra questão de
fundo. O SPE
tem concepção limitada e instrumentos frágeis voltados para
promover e proteger
os empregos. Se de um lado essa promoção é resultado, em grande
medida, da
política econômica que sustenta um crescimento continuado do
emprego e dos
salários, de outro, o SPE deveria se voltar para criar e implantar
políticas
capazes de proteger os empregos. Esses instrumentos deveriam estar
disponíveis
para que trabalhadores e empresas pudessem usá-los diante de crise
externas que
afetam o nível de atividade e os empregos.
Um programa ou política capaz
de proteger
o emprego é interessante, entre outros aspectos, porque diminui a
insegurança
no trabalho em momentos de crise; reduz os efeitos sociais da
crise do mercado
de trabalho sobre a vida das famílias e comunidades; atua
favoravelmente na
preservação do mercado interno de consumo, ao sustentar o emprego
e os
salários; mantém níveis de atividade econômica ao apoiar demanda
do mercado
interno; conserva os investimentos das empresas em formação
profissional e
desenvolvimento tecnológico; amplia a formalização da relação de
trabalho;
articula e integra investimentos públicos e privados em formação
profissional,
entre outros.
Para superar esses desafios
será
necessário ousar, olhar para a estrutura do estado brasileiro,
buscando
sinergias, integrar estruturas, serviços, recursos, financiamento,
bem como
formar e valorizar quadros profissionais que operam as políticas,
fazendo a
mediação entre pessoas e organizações. A centralidade do trabalho
na
perspectiva das transformações econômicas e sociais ocorrerá se
houver
incremento e distribuição dos ganhos de produtividade (qualidade e
quantidade
da relação entre trabalho e capital). O SPE atuará a favor desta
perspectiva
quanto mais, de forma eficiente, ampliar a capacidade das pessoas
de agregar
conhecimento e qualidade no trabalho (formação); alocar pessoas
nos postos de
trabalho (intermediação); garantir e preservar empregos
(proteção); apoiar iniciativas
de empreender; proteger diante do infortúnio do desemprego
(seguro-desemprego e
intermediação).
É evidente que tudo isso
operará a favor da
perspectiva do desenvolvimento se houver uma boa estratégia de
crescimento,
sustentado em um mercado interno de consumo de massa, atendido por
uma oferta
ampliada pelo investimento produtivo e apoiada em infraestrutura
social e
econômica, renovada por um Estado moderno e conectado com os
desafios do
presente e do futuro.
[1] Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
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