Clóvis Scherer, técnico do Dieese
Artigo do Brasil Debate, transcrito do GGN
Como
parte de seu programa de ajuste fiscal, o governo federal anunciou
mudanças na política de desoneração da folha. No anúncio dessas
mudanças, o Ministro da Fazenda afirmou que a desoneração, adotada desde
2011, não atingiu o objetivo de gerar e proteger os empregos – os
outros objetivos incluem a elevação da competitividade e a redução da
informalidade. Essa afirmação do Ministro tem fundamento? Separando a
desoneração de outros fatores intervenientes, quais foram os efeitos
específicos dessa política no mercado de trabalho?
A
desoneração consistiu na substituição da contribuição previdenciária
patronal sobre a folha, com alíquota de 20%, por uma contribuição sobre a
receita bruta, deduzida a receita com exportações, fixada em 1% ou 2%
conforme o setor.
Essa
mudança vigorou inicialmente para quatro setores da economia
(confecções e parte do setor têxtil, couro e calçados, serviços de
TI/TIC e empresas de callcenter) sendo paulatinamente estendida a um
total de 56 segundo a classificação adotada pelo Ministério da Fazenda. A
desoneração incluiu uma redução na carga de tributos sobre as empresas
que, em 2014, foi estimada em R$ 21,4 bilhões pela Receita Federal.
Para
avaliar os efeitos da política de desoneração no mercado de trabalho,
realizei estudo sobre os quatro primeiros setores desonerados ao final
de 2011 com base em dados da RAIS (Scherer, C. (2015) ‘Payroll Tax
Reduction in Brazil: Effects on Employment and Wages’, ISS Working Paper
Series/General Series (602): 1-64. Disponível AQUI)
Procurei
saber o que aconteceu com o emprego formal, as horas de trabalho e o
salário médio entre 2011 e 2012, que representam o antes e o depois da
desoneração. O estudo se valeu do fato de que a mudança na tributação
afetou as empresas que estavam sob os regimes tributários do lucro real
ou do lucro presumido, uma vez que as empresas do Simples não recolhiam
para a previdência sobre a folha.
As
empresas do Simples serviram como um contrafactual que indica o que
ocorreu com o emprego na ausência da desoneração no período em análise.
Comparando a trajetória do emprego no Simples e nas empresas desoneradas
foi possível medir os efeitos da desoneração de forma isolada de
fatores macroeconômicos, regionais e setoriais. Para tornar esta
comparação mais robusta, limitei a amostra a 74 mil empresas de tamanho
similar, com até 50 empregados, e que entregaram a RAIS nos dois anos
estudados.
Os
resultados obtidos sugerem que a desoneração contribuiu positivamente
tanto para o nível de emprego formal quanto para os salários médios nos
setores estudados. O número médio de empregados nas empresas desoneradas
aumentou em 1,7 a mais do que nas firmas não desoneradas, representando
uma variação de 15,6% sobre a média de 10,9 empregados em 2011 (linha
de base).
Quanto
às horas de trabalho contratadas, estimei um aumento de 1.633horas/ano
nas firmas desoneradas, ou 9,6% sobre a média de 17.044 horas no ano
anterior à desoneração. Por fim, o salário médio horário subiu mais nas
firmas desoneradas do que nas não desoneradas, neste caso em R$ 0,18 ou
2,3% sobre o valor médio de R$ 7,71 por hora de trabalho em 2011.
Os
resultados desagregados por setor apontam para efeitos mais intensos na
indústria de couros e calçados, com a desoneração respondendo por
aumentos de 35,4% no emprego, de 24,4% nas horas contratadas e de 2,6%
nos salários.
Em
contraposição, no setor têxtil o efeito da desoneração foi menos
acentuado, com índices de 9,4%, 3,1% e 2,3%, respectivamente. As
estimativas para os dois outros setores, de confecções e de serviços
(TI/TIC e call centers) ficaram no intervalo entre os dois extremos.
Provavelmente
o setor de couro e calçados reagiu mais fortemente ao estímulo da
redução do encargo social por estar mais orientado para a exportação,
com parcela maior de suas receitas brutas isenta da nova contribuição.
Entretanto, os mesmos setores mais voltados para o mercado interno, como
os de serviços, responderam positivamente à mudança na tributação.
Dando
uma indicação do significado dos percentuais acima, o número total de
contratos de trabalho nas empresas da amostra passou de 779.372, em
2011, para 827.780, em 2012, com aumento de 48.408 empregos. Desse
acréscimo, 31.216 empregos formais foram gerados em empresas que tiveram
a folha desonerada. O efeito específico da desoneração – 15,6% sobre o
estoque inicial de empregos das empresas desoneradas – corresponde à
criação de 29.170 empregos. Portanto, a desoneração está associada a 60%
dos empregos gerados na amostra estudada.
Vale
notar que estamos tratando de empregos formais, os quais podem
corresponder tanto à geração de novos postos de trabalho quanto à
formalização de empregos pré-existentes. Embora as estatísticas
disponíveis não permitam esclarecer esta questão, ambas as
possibilidades representam melhora no mercado de trabalho.
As
evidências obtidas no estudo são relevantes para o debate, ainda que
não esgotem o assunto. O estudo tem como limitações a análise de poucos
setores, o horizonte de tempo restrito ao primeiro ano de aplicação da
medida e a ausência de dados sobre a efetiva carga tributária imposta a
cada empresa. Por isso seria recomendável a realização de outros
estudos, com diferentes abordagens e que explorem outras fontes de dados
antes de se chegar a uma conclusão definitiva.
De
qualquer modo, o estudo oferece evidências concretas de que a
desoneração teve sim efeitos positivos para o emprego e os salários nas
empresas e setores beneficiados. Estes resultados precisariam ser
levados em conta ao se decidir sobre uma reversão parcial ou total da
política. Afinal, se esta reversão for efetivada, pode-se colher como
resultado um forte impacto no emprego formal e nos salários, com
consequências para toda a economia.
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