
Visto da Argentina, o Brasil é azul. Um dos bordões permanentes dos grupos de mídia argentinos é o de apresentar o Brasil como um modelo a ser seguido pelo governo Cristina Kirchner. Brasil e Chile, aliás, com sua política cambial flexível, em contraposição ao controle do dólar na Argentina.
Mudam as referências, não o padrão de atuação da mídia latino-americana.
Conversando com alguns kirchneristas de Buenos Aires, percebe-se muitos pontos similares ao Brasil, com alguns agravantes.
Há um exercício permanente da mídia em depreciar
respectivamente seu próprio país. Perto do Clarin, a rede Globo é uma
emissora moderada. O grupo controla mais de 600 empresas de comunicação.
Mais que isso, mantém controle férreo sobre os jornais regionais.
Permanece dono da única fábrica de papel jornal do país - expropriada de
um grupo familiar durante a ditadura - e a maior agência de notícias
nacional. Para ter acesso ao papel e às notícias, os jornais assinam
contratos obrigando-se a colocar na primeira página as matérias diárias
selecionadas pelo Clarin.
Os avanços da Ley dos Medios foram contidos por medidas
judiciais recorrentes. Assim como o PSDB tem Gilmar Mendes para o que
der e vier, o Clarin tem seu próprio Ministro na Suprema Corte, Carlos
Fayat: já tem 97 anos e não há força na Justiça ou no governo que o faça
se aposentar.
São idênticas as queixas sobre a manipulação das
notícias. Diariamente são publicadas manchetes com escândalos pequenos,
médios, factoides ou ficções. Segundo Maira, nossa blogueira em Buenos
Aires, os colunistas e editorialistas são toscos, grosseiros. Mas ela
não acredita que chegariam ao ponto de um diretor propondo impeachment
de um presidente, como ocorreu com a Globo recentemente.
O auge é a tentativa atual de incriminar a presidente na morte do promotor de Justiça.
Na economia, há problemas de inflação e de câmbio, sim -
admitem os kirchenistas- , mas não existe uma economia deteriorada. Os
hotéis e bares estão lotados, mostrando que não houve erosão do poder de
compra dos argentinos. No entanto, o Clarin e seu sócio La Nacion - o
segundo maior jornal do país - esmeram-se em notícias negativas diárias,
escondendo qualquer ponto positivo do governo ou do país.
Até o maior personagem argentino - o Papa - é censurado
quando ousa alguma palavra simpática ao governo ou positiva em relação
ao país.
Nas emissoras de televisão, os trogloditas são de causar
inveja nos nossos pittbulls. Frequentemente divulgam endereços de
personalidades simpáticas a Cristina - de jornalistas a intelectuais e
artistas - para expô-los à fúria pública. Nas redes sociais e nas ruas
de Buenos Aires há uma fúria similar a que se vê, por exemplo, em São
Paulo.
Há diferenças em relação ao Brasil. Uma delas é a mão de
ferro de Cristina Kirschner. Mais do que o marido, ela logrou uma ampla
influência sobre parte do eleitorado. Calcula-se que controle 35% do
eleitorado argentino, com capacidade de transferir os votos para seus
candidatos. Dias atrás, a oposição reuniu 400 mil pessoas nas ruas
contra Cristina. Estima-se que nas próximas semanas ela conseguirá
colocar outro tanto. E, nas eleições presidenciais, os 35% de apoio
parecem inabaláveis principalmente porque, conversando com kirchenistas
ou cidadãos comuns, percebe-se que existe um amplo vácuo na oposição.
Assim como no Brasil, escudou-se nas bandeiras anticorrupção, na
campanha diuturna de escandalização pela mídia, sem conseguir apresentar
propostas alternativas.
Há um ponto em comum entre o kirchenismo e o lulismo.
Ali, no restaurante do Museu de Evita, depois de discorrer sobre a
Argentina, Cristina e Nestor Kirchner, latinoamericanismo e outros temas
da esquerda do continente, o militante começa a falar de Lula... E
escorrem lágrimas. Explica, meio sem graça, que é assim mesmo: que cada
vez que fala de Lula, não consegue conter as lágrimas.
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