quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Ataque à Síria confirmaria os EUA como potência única

Caso inicie uma guerra sem o apoio de Rússia e China, Washington mostrará que o seu poder continua inquestionável
por Lucas Pereira Rezende — publicado 28/08/2013 12:35, última modificação 28/08/2013 12:40
Justin Lane/Agência Lusa/ABr
 Barack Obama
O presidente Barack Obama, ao assumir o seu segundo mandato
A crise política pela qual passa a Síria, iniciada em janeiro de 2011 e ainda em curso, parece estar com os seus dias contados, quando Estados Unidos, França e Reino Unido anunciam que estão preparados para um ataque militar ao país, justificado pelo suposto uso de armas químicas por parte do governo de Bashar al Assad.
Em grande medida, a demora na definição da balança de poder síria se deu devido ao apoio das grandes potências, o que prolongou o conflito e causou a morte de milhares de pessoas, de ambos os lados do conflito. Os EUA e seus aliados europeus, assim como o secretariado da ONU - que pediam a saída de al Assad do poder para que houvesse qualquer condição de pacificação - apoiavam, direta e indiretamente, as forças oposicionistas. Em maio desse ano, a União Europeia aprovou a suspensão do embargo à venda de armas para a oposição síria, abrindo espaço para que se desse, então formalmente, a consolidação do apoio militar ao grupo que luta contra o governo.
Por outro lado, China e, em especial, Rússia, deixavam claro que uma intervenção direta na Síria não seria autorizada por ambos no Conselho de Segurança da ONU, o que impossibilitaria uma decisão do órgão. A relação entre Rússia e Síria é contínua desde a década de 1950, quando a extinta União Soviética começou a consolidar a parceria estratégica com o partido Ba'ath, ao qual pertence, ainda, Bashar al Assad. Esse relacionamento hoje é sinônimo de uma das maiores parcerias militares russas, de importância não apenas política e estratégica, mas econômica, como principal comprador de armamentos da Rússia.
A não-decisão do Conselho de Segurança da ONU representou, para alguns, uma mudança nos polos globais de poder. Os EUA, diferentemente da autonomia para ditar a agenda política na ONU que viveu nos anos após o colapso soviético, agora enfrentavam uma Rússia reemergente e uma China cada vez mais protagonista, ameaçando, em conjunto, um veto a qualquer intervenção na Síria. O cenário, de fato, não é mais o mesmo, e a agenda da ONU não é mais tão unilateralmente ditada - o que deixou o secretariado da organização "mal-acostumado", com uma série de demandas, ainda politicamente alinhadas aos EUA, sem chance real de implementação. O congelamento do Conselho de Segurança passava a lembrar os anos de divisão de poder vividos pelo órgão nos anos da Guerra Fria.
Os últimos movimentos, contudo, vêm em sentido contrário. Se confirmado, de fato, o uso de armas químicas por parte do governo de Damasco contra oposicionistas combatentes e civis (condição colocada pelos EUA como a gota d'água para a série de "violações aos direitos humanos" praticadas pelas forças governamentais), uma intervenção militar capitaneada por EUA, Reino Unido e França parece iminente - seja aprovada ou não pelo Conselho de Segurança. Tal feito apenas confirmará que, quando julga necessário, os EUA têm condições de fazer o que consideram adequado, independentemente da legislação internacional ou da aprovação de outras potências. Esse é o símbolo máximo do poder estadunidense.
A demora para a decisão de derrubar militarmente al Assad não deve ser lida como uma fraqueza dos Estados Unidos. Em especial após uma controversa guerra ao Iraque em 2003, ficou claro que é menos custoso uma guerra multilateral, que seja vista, politicamente, como legítima. Lembremos, ainda, que os EUA se encontravam ainda no Iraque e no Afeganistão, em duas guerras longas e custosas, além da crise econômica vivida pelo país desde 2008. A decisão de derrubar al Assad já fora feita, mas procurou-se os meios mais baratos e menos controversos para tal. O apoio militar e político à oposição foi o primeiro caminho e, em alguns momentos, quase bem sucedido. A pressão contínua ao governo de Damasco e seus aliados russos e chineses também mostrava a construção de um argumento construção de legitimidade, calcado na democracia, nos direitos humanos e na responsabilidade para proteger. A via barata, contudo, acabou não mostrando resultados. Nesse ínterim, os EUA saíram do Iraque, reforçaram a campanha no Afeganistão e se recuperaram econômica e politicamente.
Em um momento em que o governo de Barack Obama é acusado de agir contra os direitos humanos pelo uso dos veículos aéreos não-tripulados (ou drones), fazer um ataque à Síria multilateral, justificado na proteção aos direitos essenciais dos sírios e, ainda por cima, aproveitando para criticar os direitos humanos na China e na Rússia, parece bem profícuo. Além de entrarem na guerra como os defensores da democracia, reafirmando seu chamado poder brando, sairá dela mostrando que também o seu poder duro continua inquestionável. Podemos ter ainda bons candidatos a novos polos globais, mas são apenas isso: candidatos. Até que consigam, de fato, fazer uma oposição direta aos Estados Unidos, seja politicamente, economicamente ou militarmente, muitos anos terão ainda que se passar. O desenrolar da crise na Síria serve para nos mostrar que, para o desgosto de muitos, o realismo e a velha política do "manda quem pode, obedece quem tem juízo" continua sendo o guia máximo das relações internacionais.

Lucas Pereira Rezende é professor de Relações Internacionais da FACAMP e autor de "O Engajamento do Brasil nas Operações de Paz da ONU" (Ed. Appris, 2012).

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