MAIS MÉDICOS, MENOS IDEOLOGIAS
Por Luciano Martins Costa em 27/08/2013 na edição 761
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 27/8/2013
Uma fotografia na primeira página da Folha de S.Paulo, na edição
de terça-feira (27/8), resume em boa medida o mal-estar em que as
entidades médicas enfiaram os profissionais de saúde do Brasil.
A imagem mostra um médico cubano, negro, sendo ameaçado e vaiado por
colegas brasileiros quando saía da primeira aula do programa de
treinamento para sua missão em território nacional. Os manifestantes
xingavam os médicos estrangeiros de “escravos”, e chegaram a agredir
representantes do Ministério da Saúde, o que descreve de maneira
bastante clara o nível de irracionalidade provocada pelas declarações de
dirigentes dos conselhos de medicina e outras associações de classe
contra o programa Mais Médicos.
O incidente aconteceu em Fortaleza, uma das cidades escolhidas para
abrigar os cursos de preparação dos profissionais contratados para
suprir a carência de médicos brasileiros no interior e na periferia das
grandes cidades. Segundo os jornais, os manifestantes, organizados pelo
Sindicato dos Médicos do Ceará, fecharam todas as saídas do edifício da
Escola de Saúde Pública e tentaram invadir o local. Depois, formaram um
corredor e passaram a hostilizar os estrangeiros que deixavam o prédio.
Os relatos são curtos, mas a imagem na primeira página da Folha
demonstra que, nestes dias, quem representa os médicos brasileiros são
esses grupos de xenófobos organizados pelas entidades oficiais da
profissão, uma vez que os demais, se têm opinião diversa, estão se
omitindo.
Os jornais também trazem entrevistas com médicos cubanos e de outras
nacionalidades que aderiram ao programa. A comparação entre os dois
comportamentos é quase ofensiva para a classe médica brasileira:
enquanto os nacionais se esmeram em atitudes agressivas e declarações
preconceituosas, os estrangeiros demonstram o espírito cívico e de
solidariedade que se espera daqueles que escolheram como profissão
aliviar o sofrimento humano.
A leitura cuidadosa dos textos que a imprensa vem publicando a respeito
do assunto indica que a vergonha que os médicos brasileiros impõem a si
próprios, por ativismo ou por omissão, constrange até mesmo os
jornalistas. Por mais que se esforcem para dar alguma racionalidade à
posição do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira
e dos sindicatos da categoria, os jornais não conseguem esconder esse
embaraço.
A “baixaria” de jaleco
Pode-se ler no Estado de S.Paulo, por exemplo, que o presidente
do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, um dos mais ativos
contestadores do programa do governo, tem dois filhos formados na
faculdade de Medicina de Camaguey, em Cuba. Na volta, os moços
frequentaram disciplinas complementares na Universidade do Sul de Santa
Catarina e revalidaram seus diplomas na Universidade Federal do Ceará.
O dirigente sindical entende que não há incongruência em criticar o
programa de importação de médicos formados no exterior, uma vez que seus
filhos revalidaram seus diplomas cubanos. Mas até Eremildo, o Idiota,
personagem criado pelo jornalista Elio Gaspari, estranharia a curiosa
ginástica que os moços fizeram para conseguir a revalidação, transitando
de sul a norte do Brasil para obter um documento que podia ser conquistado em seu próprio estado.
Os argumentos brandidos pelas entidades médicas contra o programa do
governo têm esse mesmo tipo de percurso, mas terminam mesmo é em
atitudes grosseiras como a da manifestação em Fortaleza, uma verdadeira
“baixaria” de jaleco.
Com todos os riscos das generalizações, pode-se afirmar que o
noticiário leva o cidadão comum a entender que os médicos brasileiros
têm outras prioridades que passam longe da saúde pública. Para reverter
essa interpretação, seria necessário que a imprensa procurasse
equilibrar os exemplos e declarações, entrevistando profissionais de
saúde que apoiam o programa Mais Médicos, ou que, pelo menos, não
concordem com a atitude hostil insuflada pelas entidades representativas
da categoria.
Mas o que se vê até aqui é apenas o confronto que tem como síntese a fotografia publicada na primeira página da Folha. No entanto, essa fotografia, ao congelar a realidade em apenas um quadro, mostra só um dos lados do que aconteceu no Ceará.
O jornal O Povo, de Fortaleza, postou em seu blog um vídeo no
qual se pode observar que o protesto dos médicos brasileiros não foi a
única manifestação: também havia ativistas que foram ao local para
apoiar os cubanos.
Acontece que a imprensa, de modo geral, não está dando espaço para os
cidadãos que apoiam o programa, e o noticiário apenas mostra as
entidades médicas criticando e representantes do governo se defendendo.
Os médicos envergonhados também deveriam ser ouvidos.
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