quinta-feira, 26 de abril de 2012
Desindustrialização, um debate torto
Wladmir Pomar
Quarta, 25 de Abril de 2012
O debate sobre desindustrialização, promovido principalmente pela Fiesp e
alguns setores do movimento sindical, é um debate torto porque toma
aspectos conjunturais da indústria brasileira atual como questões
centrais, enquanto o que realmente importa hoje é o debate estrutural
sobre a industrialização.
Ao subordinarem o estrutural ao conjuntural, esses setores omitem do
debate o grau de concentração e centralização, ou monopolização e
olipolização, da indústria brasileira, pelas corporações transnacionais,
como se isso não tivesse qualquer influência sobre os bloqueios à
industrialização nacional. E, ao realizarem aquela subordinação, tendem a
responsabilizar a China por uma situação que decorre das políticas
neoliberais, aplicadas principalmente nos anos 1990, trazendo à tona uma
ignorância a respeito daquele país asiático, justamente no momento em que
já era necessário conhecê-lo o suficiente para aproveitar as condições que
pode oferecer para o processo brasileiro de industrialização.
Esse debate torto talvez seja resultado de um dos erros cometidos pela
esquerda após a vitória de Lula em 2002. Ela não trouxe à luz, como devia,
o estrago causado pela calamidade neoliberal no parque produtivo do país.
Nem aprofundou o estudo dos fenômenos que fizeram com que a China, em
pleno processo de globalização, desse um salto em sua industrialização e
despontasse como um desafio, tanto para os países capitalistas
desenvolvidos quanto para os emergentes. Embora os planos chineses fossem
públicos e conhecidos desde o final dos anos 1970, a esquerda preferiu
achar que tais planos não passavam de propaganda, e que o crescimento
chinês seria uma bolha de curta duração. Assim, ao descobrir, 25 anos
depois, que tinha um dragão à sua frente, parte dessa esquerda acha mais
fácil responsabilizá-la por nossos problemas.
Nessas condições, o debate que realmente deve ser colocado em pauta pelo
governo, pelos partidos de esquerda, pelo movimento sindical e demais
movimentos sociais, além da intelectualidade, é o debate estrutural sobre
a industrialização, envolvendo uma lista de problemas complexos. Em
primeiro lugar, o papel da indústria como força motriz do desenvolvimento,
já que ainda existe muita gente que acredita vivermos numa era
pós-industrial, sem notar que essa era é a de declínio das sociedades
capitalistas desenvolvidas, e não o caminho de desenvolvimento que
transformou a Ásia do Pacífico no novo eixo econômico mundial, e está
promovendo o renascimento da América Latina e da África.
Em segundo lugar, os bloqueios com os quais o Brasil se defronta para a
retomada da industrialização. A oligopolização da indústria instalada no
país, com a prática desbragada de custos administrados, permitiu, por
exemplo, a elevação dos preços de automóveis e caminhões, após as medidas
protecionistas adotadas pelo governo. Há, também, os custos que cooperam
para a baixa produtividade, como o pequeno desenvolvimento científico e
tecnológico, no momento em que as ciências e as tecnologias se tornaram as
principais forças produtivas. E aqueles que mantêm a baixa
competitividade, como a infra-estrutura frankenstein, esgarçada e
defasada.
Também não basta dizer que as cadeias produtivas industriais estão mais
esburacadas do que queijo suíço. Precisamos ter um mapa detalhado dessas
cadeias e de seus elos faltantes, definir quais são aquelas em que
realmente o país precisa investir, e estabelecer um plano a respeito. Isso
não pode ficar a cargo do mercado, ou mais precisamente de uma burguesia
que não tem disposição alguma de correr os riscos do empreendimento
capitalista e depende quase totalmente do Estado. É este quem deve assumir
tal tarefa, inclusive criando os novos mecanismos estatais que forem
necessários.
Nesse sentido, em articulação com as definições acima, o debate sobre a
industrialização precisa definir os setores industriais chaves para tornar
o Brasil um país economicamente independente. O que só será possível se
tiver uma forte indústria de fabricação de máquinas que produzam máquinas
capazes de produzir equipamentos. Isto é, se possuir um parque científico
e tecnológico com potencial suficiente para fabricar bens primários de
capital de última geração. Nosso país não será economicamente soberano se
continuar dependendo da importação desses bens.
É evidente que sempre haverá algum outro país que, ao realizar seu
desenvolvimento científico e tecnológico, produza alguns bens mais
avançados do que os produzidos pelo Brasil. Mas o problema consiste em que
não devemos ficar totalmente dependentes e precisamos ter a capacidade de
concorrer nesse campo. Senão, por mais que nos orgulhemos de produzir
aviões, navios, plataformas de petróleo, usinas hidrelétricas gigantes, e
outros bens intermediários e de consumo, sempre dependeremos da tecnologia
importada para colocá-los em funcionamento.
Nesse sentido, importa saber se estamos dispostos a suportar, durante
algum tempo, déficits na balança comercial de manufaturados, tendo em
vista que pode ser muito mais caro tentar reinventar a roda, sendo
preferível importar os bens de capital e as tecnologias que ainda não
fabricamos, de modo a conhecê-las e, no processo de inovação, aprendermos
a fabricá-las.
Por outro lado, também importa saber como manter e desenvolver as empresas
que utilizam tecnologias tradicionais e são intensivas em trabalho. Hoje,
há milhares de médias, pequenas e micro empresas industriais, que são
fundamentais para manter as altas taxas de emprego. Porém, apesar das
normas governamentais que facilitam a sua existência, na prática elas
continuam afogadas por altos impostos e por uma concorrência
desproporcional com as grandes empresas que dominam o mercado.
Portanto, se quisermos debater seriamente a re-industrialização
brasileira, não podemos nos deixar levar pelo choro dos setores
oligopolistas, que pretendem manter seus preços administrados e blindar-se
contra o aumento da concorrência, nem pelo choro de setores tradicionais
que perderam competitividade, nem pelo panorama cor de rosa de alguns
setores governamentais, que acreditam na existência de uma verdadeira
revolução micro-empresarial no país.
Teremos que tratar dos problemas estruturais, alguns sinteticamente
listados acima. Mas há outros, como aqueles relacionados com os modelos de
financiamento, que beneficiam esmagadoramente as grandes empresas. Ou com
o possível estreitamento, ou não, dos mercados internacionais, aqui
incluindo a relação entre o nosso mercado interno e os mercados externos,
explicitamente os Estados Unidos, Europa, Ásia e China. Temos, ainda, o
possível papel coadjuvante do agronegócio e seus superávits comerciais; a
solução das questões macroeconômicas, como juros, dívida, câmbio e
inflação; o emprego adequado de mecanismos de defesa comercial; e a não
menos importante e fundamental manutenção e ampliação das políticas de
redistribuição de renda, em seus diversos aspectos.
Finalmente, esse debate deve esclarecer o fato de que, mesmo se
aproveitando das inúmeras experiências internacionais de industrialização
e desenvolvimento econômico e social, não é possível ao Brasil seguir
qualquer um dos modelos colocados em prática por outros países. O
desenvolvimento histórico do Brasil tem características históricas
próprias, diferentes de todos os demais países, e elas nos impõem a
conformação de um modelo também próprio.
Talvez a única coisa a extrair de todos os demais seja o fato de que a
indústria continua sendo a força motriz do desenvolvimento. Sem ter
cadeias produtivas industriais articuladas e densas, que se reproduzam por
meio de uma constante elevação da produtividade, nos arriscamos a patinar
no crescimento. Mas mesmo essas cadeias produtivas não podem ser iguais às
de qualquer outro país.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
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