Nicolas Sarkozy seguiu uma política redistributiva de renda. Redistributiva? Sim, para os mais ricos. De 2007 a 2011, redistribuiu, sob a forma de cortes na arrecadação de impostos, 84 bilhões de euros. Destes, 50 bilhões foram para as empresas. 34 bi, para os proprietários de imóveis. Porém desses últimos 34 bi, 19 foram destinados a poupar impostos para os 10% de propriedades mais ricas; 15 bi destinaram-se aos 90 % de propriedades médias e menos valiosas. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Berlim.
Flávio Aguiar - De Berlim
Data: 20/04/2012 Berlim - Tornou-se lugar comum atribuir a possibilidade de derrota de Nicolas Sarkozy nas eleições francesas – cujo primeiro turno se realiza neste domingo – ao cansaço do eleitorado com o estilo “pop star” do seu desempenho, inclusive na presente campanha. Nesta, Sarkozy lembra o título de uma comédia do dramaturgo gaúcho Jozè Joaqim de Qampos Leão Qorpo-Santo (sic), precursor oitocentista do Teatro do Absurdo: Hoje sou um; e amanhã, outro.
Derrotado nas prévias de intenções de voto, Sarkozy pula que nem boneco de mola, ontem criticando os bancos, hoje prometendo salválos da bancarrota, investindo à direita contra os imigrantes ante-ontem, depois de antes proclamar-se ‘o presidente de todos os franceses’, e assim por diante. Além disso o irrequieto presidente francês arroga-se um ar de Luís XV, apregoando algo parecido com a famosa frase atribuída ao monarca (segundo outras fontes à sua amante n* 1, Madame de Pompadour): après moi, le Déluge, depois de mim, o Dilúvio, referindo-se à possibilidade de seu rival François Hollande se eleger.
Esse cansaço existe de fato. Indício dele é até mesmo o conservador ex-presidente Jacques Chirac ter preferido apoiar Hollande a Sarzozy. Ele está presente também nas pesquisas que apontam estarem os eleitores do candidato de centro-direita François Bayrou divididos entre votar em Hollande ou em Sarkozy no segundo turno, com leve vantagem para o primeiro. Mesmo eleitores de Marine Le Pen (14% deles) anunciam preferir Hollande no turno decisivo.
Mas esse cansaço não explica tudo. Assombra a “mansão eleitoral” de Sarkozy o mesmo fantasma que derrubou governos à esquerda e à direita em outros países, mais à esquerda do que à direita: a decepção com as promessas não cumpridas, ou revertidas depois da eleição.
Exemplo: eleito, Sarkozy proclamou que a partir de seu governo os franceses “trabalhariam menos e ganhariam mais”. Sucedeu o contrário. Sarkozy aumentou o limite mínimo de idade para aposentadoria, o que penaliza os mais pobres, que começam a trabalhar mais cedo e têm condições de trabalho e vida mais insalubres. Sua política de contornar ou neutralizar o poder de barganha dos sindicatos contribuiu para abaixar os salários. Para completar esse quadro, o desemprego, que em 2007, quando assumiu o governo, era 7,9% e hoje é 10%: ou seja, quem trabalha menos, na verdade, são os desempregados.
Mas tem mais. Estudo conjunto do “Think-Tank Terra Nova” e do jornal Libération mostra que Nicolas Sarkozy seguiu uma política redistributiva de renda. Redistributiva? Sim, para os mais ricos.
De 2007 a 2011 Sarkozy (e seu primeiro ministro François Fillon, é bom não esquecer) redistribuiu, sob a forma de cortes na arrecadação de impostos, 84 bilhões de euros. Destes, 50 bilhões foram para as empresas. 34 bi, para os proprietários de imóveis. Porém desses últimos 34 bi, 19 foram destinados a poupar impostos para os 10% de propriedades mais ricas; 15 bi destinaram-se aos 90 % de propriedades médias e menos valiosas.
Como Sarkozy congelou em 50% a alíquota máxima de Imposto de Renda, sua amiga e apoiadora Liliane Bettencourt, da empresa de cosméticos L’Oréal, recebeu uma devolução retroativa avaliada em 30 milhões de euros. Além disso, a dona da L’Oréal envolveu-se numa série de escândalos denunciados na mídia francesa, com membros do governo de Sarkozy. Agora, Hollande promete elevar aquela alíquota para 75%. De passagem, observe-se que esse jogo de alíquotas, em qualquer dos casos, deve causar profundo mal-estar em nossos permanentes críticos do chamado “custo Brasil”, e que apregoam ter nosso país os impostos mais altos do mundo, etc.
No mesmo estudo do Terra Nova/Libé, demonstra-se que a relação dívida pública/PIB da França, hoje em 85%, seria menor do que a alemã (83,5%), caso não houvesse aquele corte na arrecadação de impostos.
Enfim, um dos problemas para a reeleição de Sarkozy é a de que ele, traduzindo os adjetivos para o nosso universo austral, não conseguiu livrar-se da pecha de ser apenas “a mãe dos ricos”.
Até porque “pai dos pobres”, a gente sabe, só houve um.
Derrotado nas prévias de intenções de voto, Sarkozy pula que nem boneco de mola, ontem criticando os bancos, hoje prometendo salválos da bancarrota, investindo à direita contra os imigrantes ante-ontem, depois de antes proclamar-se ‘o presidente de todos os franceses’, e assim por diante. Além disso o irrequieto presidente francês arroga-se um ar de Luís XV, apregoando algo parecido com a famosa frase atribuída ao monarca (segundo outras fontes à sua amante n* 1, Madame de Pompadour): après moi, le Déluge, depois de mim, o Dilúvio, referindo-se à possibilidade de seu rival François Hollande se eleger.
Esse cansaço existe de fato. Indício dele é até mesmo o conservador ex-presidente Jacques Chirac ter preferido apoiar Hollande a Sarzozy. Ele está presente também nas pesquisas que apontam estarem os eleitores do candidato de centro-direita François Bayrou divididos entre votar em Hollande ou em Sarkozy no segundo turno, com leve vantagem para o primeiro. Mesmo eleitores de Marine Le Pen (14% deles) anunciam preferir Hollande no turno decisivo.
Mas esse cansaço não explica tudo. Assombra a “mansão eleitoral” de Sarkozy o mesmo fantasma que derrubou governos à esquerda e à direita em outros países, mais à esquerda do que à direita: a decepção com as promessas não cumpridas, ou revertidas depois da eleição.
Exemplo: eleito, Sarkozy proclamou que a partir de seu governo os franceses “trabalhariam menos e ganhariam mais”. Sucedeu o contrário. Sarkozy aumentou o limite mínimo de idade para aposentadoria, o que penaliza os mais pobres, que começam a trabalhar mais cedo e têm condições de trabalho e vida mais insalubres. Sua política de contornar ou neutralizar o poder de barganha dos sindicatos contribuiu para abaixar os salários. Para completar esse quadro, o desemprego, que em 2007, quando assumiu o governo, era 7,9% e hoje é 10%: ou seja, quem trabalha menos, na verdade, são os desempregados.
Mas tem mais. Estudo conjunto do “Think-Tank Terra Nova” e do jornal Libération mostra que Nicolas Sarkozy seguiu uma política redistributiva de renda. Redistributiva? Sim, para os mais ricos.
De 2007 a 2011 Sarkozy (e seu primeiro ministro François Fillon, é bom não esquecer) redistribuiu, sob a forma de cortes na arrecadação de impostos, 84 bilhões de euros. Destes, 50 bilhões foram para as empresas. 34 bi, para os proprietários de imóveis. Porém desses últimos 34 bi, 19 foram destinados a poupar impostos para os 10% de propriedades mais ricas; 15 bi destinaram-se aos 90 % de propriedades médias e menos valiosas.
Como Sarkozy congelou em 50% a alíquota máxima de Imposto de Renda, sua amiga e apoiadora Liliane Bettencourt, da empresa de cosméticos L’Oréal, recebeu uma devolução retroativa avaliada em 30 milhões de euros. Além disso, a dona da L’Oréal envolveu-se numa série de escândalos denunciados na mídia francesa, com membros do governo de Sarkozy. Agora, Hollande promete elevar aquela alíquota para 75%. De passagem, observe-se que esse jogo de alíquotas, em qualquer dos casos, deve causar profundo mal-estar em nossos permanentes críticos do chamado “custo Brasil”, e que apregoam ter nosso país os impostos mais altos do mundo, etc.
No mesmo estudo do Terra Nova/Libé, demonstra-se que a relação dívida pública/PIB da França, hoje em 85%, seria menor do que a alemã (83,5%), caso não houvesse aquele corte na arrecadação de impostos.
Enfim, um dos problemas para a reeleição de Sarkozy é a de que ele, traduzindo os adjetivos para o nosso universo austral, não conseguiu livrar-se da pecha de ser apenas “a mãe dos ricos”.
Até porque “pai dos pobres”, a gente sabe, só houve um.
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