José
Álvaro de Lima Cardoso.
A Câmara
dos Deputados aprovou, em agosto, a Medida Provisória 777/2017, que cria a Taxa
de Longo Prazo (TLP), que irá substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP)
nos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). A MP define que a nova TLP se aproximará das taxas do mercado, o que
significa encarecer o financiamento de longo prazo para indústrias, máquinas,
equipamentos e infraestrutura, já que o Brasil pratica as taxas de mercado mais
elevadas do mundo (há décadas).
A aprovação dessa medida deve ser entendida no conjunto das atrocidades
que estão sendo cometidas, e que constituem a aplicação no Brasil da chamada Doutrina
de Choque. Os golpistas querem retirar toda e qualquer capacidade de o Estado
intervir estrategicamente na economia e o BNDES tem um papel chave na oferta de
crédito às empresas. O Banco já vem sendo esvaziado desde o início do governo
golpista. Em 2016 forçaram o BNDES a devolver R$ 100 bilhões da dívida do Banco
com o tesouro, valores que deixaram imediatamente retirados do montante de
crédito para a produção, e utilizados, em sua maioria, para o pagamento de
dívida pública. O fim da TJLP aprofunda o ataque ao banco, e atende exigência
do capital financeiro, um dos principais blocos de articulação e operação do
golpe.
Alguns parlamentares de oposição, na discussão da MP, ficaram apontando
as grandes e evidentes contradições jurídicas e políticas, da Medida
Provisória. Mas esta não é a questão. O central é que o esvaziamento do BNDES,
com o consequente reflexo nas condições da indústria, advém da lógica que está
sendo implementada. Os golpistas estão desarticulando, de caso pensado, toda a
estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de décadas, desde Getúlio,
fundamental para garantir uma indústria de base nacional, mesmo que com
limitações. E o BNDES tem o papel fundamental de provisão de crédito de longo
prazo, com crédito subsidiado, essencial num país que pratica, há décadas a
maior taxa de juros do planeta.
Como a substituição da TLP o Estado perderá
o controle da definição do nível da taxa, que passa a ser uma atribuição do
mercado. Ainda que se possa listar uma série de problemas relativos ao
funcionamento do BNDES, a questão central é que o fim da TJLP é uma exigência
dos bancos privados que querem se apropriar da fatia do mercado, claro,
praticando os maiores juros do planeta. Segundo a Abimaq (Associação Brasileira
da Indústria de Máquinas e Equipamentos), na hipótese de alinhamento da nova
taxa do BNDES com as taxas de mercado, o custo do financiamento produtivo
subiria de 14,7% ao ano, em média, para 18%, o que corresponderia a um impacto
de cerca de 10% no preço dos equipamentos. A elevação do custo financeiro obviamente
será repassada ao consumidor.
O
fim da TJLP e o conjunto das medidas contra o crescimento e contra a indústria,
são coerentes com o programa ultra neoliberal que os golpistas querem implantar
no Brasil, e que serve apenas para aumentar a exploração dos trabalhadores e
submeter ainda mais a economia ao sistema financeiro. A mais completa tradução
deste objetivo foi a aprovação do congelamento de gastos primários por 20 anos
(EC 95), que, na prática, inviabilizará a retomada do crescimento da economia.
Essa
medida está sendo implementada numa conjuntura de elevação dramática do
desemprego e de queda sistemática do PIB per capita. Após quase três anos de
recessão o PIB per capita voltou ao nível do último trimestre de 2009.
Previsões realistas acerca da retomada do crescimento do PIB estimam que, mesmo que
haja um crescimento próximo de 3% em 2018 (hipótese bastante remota)
o país demorará cinco anos para recuperar o PIB per capita vigente antes da
crise. O professor Simão Silber, da Economia da USP calcula que o PIB per
capita no Brasil só retorna ao nível de 2014 em 2023. Ou seja, teremos uma
década perdida para o PIB per capita.
A Medida Provisória
que acaba com a TJLP e restringe o crédito ao setor produtivo, deve ser
entendida na política de conjunto. Não podemos ter ilusões. Uma das missões dos
golpistas é transformar definitivamente o Brasil numa plataforma de produção de
commodities para as multinacionais dos países do centro mundial da economia.
Indústria não cabe nesse projeto, portanto banco de desenvolvimento não tem
razão de ser. Não há caso de desenvolvimento da indústria sem política estatal
adequada, especialmente sem crédito direcionado e subsidiado. Muitos países
desenvolvidos mantêm bancos de desenvolvimento, como é o caso da Alemanha,
Coreia do Sul, China, Japão, Canada. O fato é que todo o ambiente brasileiro atual
é hostil à retomada da indústria: taxas de juros na estratosfera, câmbio
valorizado, carga tributária regressiva e incidente sobre consumo, baixo
investimento em pesquisa e tecnologia, insuficiente investimento em
qualificação. O fim da TJLP é mais um tijolo na sórdida conspiração contra o país
trazida pelo golpe.
*Economista.
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