José Álvaro de Lima Cardoso.
Recentemente Donald
Trump, bloqueou negociações de uma estatal chinesa visando a aquisição de uma
fábrica norte-americana de semicondutores. A alegação de Trump para a decisão foi
a de que a conclusão do negócio representava uma ameaça para a segurança
nacional. O Departamento do Tesouro fez um comunicado no qual justificava que a
compra da Lattice Semiconductor Corporation, pelo Fundo Canyon Bridge, pertencente
à China, ameaça a produção de produtos considerados sensíveis ao governo norte-americano.
Na administração
norte-americana atual a agressividade com a China aumentou em todos os campos,
com destaque para os temas Comércio e Segurança Nacional. O governo dos EUA tem
um Comitê de Investimentos Estrangeiros
nos Estados Unidos, que confere poderes ao presidente de impedir investimentos
externos que ele considerar ameaça à segurança nacional. O
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos vem há alguns meses articulando para
incluir a China num grupo de países considerados hostis, o que implica que as empresas
chinesas têm de passar por uma investigação mais detalhada, quando envolvidas
em negócios para aquisição de participações em empresas norte-americanas.
Além das empresas da China, as de Rússia, Irã e Coreia do Norte também estarão
sujeitas a avaliações mais detalhadas pelo referido Comitê. Especialmente
quando envolvidas em discussões de fusões, aquisições ou joint ventures com
empresas do país. Na questão específica da Lattice, que fabrica dispositivos lógicos
programáveis, a alegação do Comitê foi a de que o negócio representa um risco
para a segurança nacional dos Estados Unidos. O risco seria em função da
transferência de propriedade intelectual para os investidores estrangeiros e a
importância do fornecimento de semicondutores para o governo chinês.
O acontecimento
nos dá uma noção do calibre da atual concorrência internacional entre as
potências mundiais nos campos da indústria, tecnologia, matérias-primas, petróleo,
e outros assuntos vitais. Todas as potências desenvolvem políticas específicas
para proteger seus interesses em temas estratégicos. Tem sido assim desde
sempre. Dos quatro países marcados de perto pelo citado Comitê de Investimentos
Estrangeiros, os dois mais importantes são parceiros do Brasil no Brics.
Quando a
pancadaria para cima da Petrobrás se intensificou, lá por 2013, já compondo a
trama do golpe, alguns duvidaram que os EUA pudessem estar por trás do processo.
Mas o fato é que as reservas do pré-sal, anunciadas em 2006, tinham colocado o
Brasil numa nova inserção internacional no domínio de fontes e da capacidade de
oferta de energia. Com a descoberta, o país passou a ter reservas estratégicas
semelhantes, por exemplo, à Rússia, um dos maiores produtores do mundo, embora o
grosso das descobertas no pré-sal ainda não tenha sido realizado. A
estratégia dos EUA em relação ao anuncio da descoberta seguiu a sua orientação de
sempre: tentar se apropriar dos recursos (de um jeito ou de outro), e ao mesmo
tempo impedir que a descoberta significasse avanços no campo da soberania
energética para o país, proprietário das jazidas.
Os EUA já vinham incomodados com a mudança
na política externa brasileira, a partir de 2003, sintetizado no princípio “política
externa mais ativa e altiva”. A partir do anúncio das jazidas do pré-sal pela
Petrobrás, em fevereiro de 2007, e com o cinturão anti-imperialista que se
havida se formado naquele período na América do Sul, cerca de um ano depois, o
Governo de George Busch, reativou a IV Frota da Marinha, encarregada de
patrulhar os Mares do Sul. Consumado o impeachment em 2016 (etapa importante do
golpe), uma das primeiras medidas foi acabar com a Lei de Partilha, através de
projeto de José Serra, que liquidou a exclusividade de exploração
da área pela Petrobrás. Segundo os engenheiros da Petrobrás, apenas com essa
medida, o Brasil perdeu cerca de um sexto do valor do recurso previsto pela
regulação da lei de Partilha, que foi revogada pelos golpistas.
Um fator essencial na
atual conjuntura mundial é a transição enfrentada pela economia, caracterizada
dentre outras coisas, pela perda gradativa de hegemonia por parte dos EUA, e a
relativamente rápida ascensão da China. A aproximação do Brasil, inclusive, dos
dois maiores inimigos dos EUA, via Brics, explica em parte o envolvimento dos
EUA no golpe, cujo desfecho é lotado de incertezas e riscos. É neste ambiente que,
em 2015, o Brasil assina uma série de parcerias para realização de investimentos
no país, equivalente a bilhões de dólares, denotando forte aproximação
política, comercial, econômica com a China. Tais parcerias incluíam, inclusive,
a construção de uma ferrovia transoceânica, que atravessaria o Brasil de Leste
a Oeste, do Rjo de Janeiro ao Peru, até o Pacífico, projeto extremamente ousado
e que contaria como financiamento chinês. Ademais, o Brasil ficou de fora do acordo
de livre comércio hegemonizado pelos EUA, Parceria Transpacífica (TPP, na sigla
em inglês), e que conta com vários países da América Latina (Chile, Peru e
México).
Consumado
uma boa parte do golpe, no setor produtivo os golpistas se empenham em
converter o Brasil, de uma vez, numa base de produção de matérias primas,
agrícolas e minerais, para os grupos multinacionais, que estão pressionados
pela crise mundial. O esvaziamento do BNDES (com o fim da TJLP, dentre outras
medidas), somado ao rosário de atrocidades que está sendo encaminhado, desarticula,
de caso pensado, toda a estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de
décadas, desde Getúlio, fundamental para garantir uma indústria de base
nacional, mesmo que com limitações. Ao invés do governo golpista enfrentar o
preocupante processo de desindustrialização, que vem de longe, está tomando
medidas para enterrar a indústria de vez.
A participação do setor no PIB, que era superior a 30% em 1986, despencou
para 13,3% em 2013, percentual semelhante aos 13,5% de 1956, ano em que começou
a vigorar o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek.
Enquanto o
governo liquida vertiginosamente direitos seculares dos trabalhadores
brasileiros, e esmaga o mercado interno, os países que têm projetos de
desenvolvimento nacional, tomam providências para enfrentar os desafios da Quarta
Revolução Industrial (chamada Indústria 4.0). E que traz desafios “pra rachar”.
*Economista.
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