*José
Álvaro de Lima Cardoso.
O golpe de
Estado no Brasil deve ser entendido no contexto do cerco que os governos
populares da América Latina sofrem há alguns anos, vindo do Império do Norte, em
função das fontes de matérias primas essenciais, e também por razões geopolíticas.
Sem obter sucesso pela via eleitoral, em Honduras, Paraguai e Brasil, auxiliaram
na aplicação de golpes, valendo-se da mídia, judiciário e da direita parlamentar
desses países. Outros governos populares da América do Sul estão sob cerrada
pressão dos EUA também, sendo o caso mais dramático, o da Venezuela, essencialmente
por causa das imensas reservas petrolíferas (uma benção e uma maldição para a
Venezuela). Para os vizinhos latino-americanos, o golpe no Brasil representou um
duro retrocesso, em função a importância regional do País, nos aspectos políticos
e econômicos.
Impressiona
muito o ceticismo dos brasileiros em relação à participação do imperialismo
norte-americano no golpe. No entanto, testemunha a história que, desde o fim da
2ª Guerra Mundial, Washington já tentou derrubar mais de 50 governos, a maior
parte dos quais plenamente democráticos, bombardeou populações civis de mais de
30 nações e tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros. Segundo o
professor Moniz Bandeira, citando o historiador norte-americano John
Coatsworth, entre 1898 e 1994, os Estados Unidos patrocinaram 41 golpes de
Estado somente na América Latina, o que corresponde à derrubada de um governo a
cada 28 meses, no espaço de um século. Curiosamente, passado um ano de golpe, nem o
comportamento mais submisso e as ações mais entreguistas da história (desmonte
da Petrobrás, fim da lei de Partilha, vendas de ativos estratégicos, do
pré-sal, de usinas hidrelétricas do Sistema Eletrobrás e uma parte da Amazônia)
têm sido suficientes para convencer alguns acerca do protagonismo imperialista no
golpe. É que o nosso desconhecimento de história é espantoso.
Os principais estrategistas do golpe sabem
que o realizado no Brasil, apesar da atual apatia da população, foi e é extremamente
perigoso. Um golpe de Estado que veio com o firme propósito de liquidar
direitos obtidos em um século, no país mais populoso da América do Sul, que tem
o 7º PIB do mundo, e um movimento social relativamente organizado, representa um
elevado grau de risco. É que o golpe não é fruto exclusivo da crueldade, apesar
desta estar muito presente. Ele advém principalmente de necessidades
econômicas imperiosas do sistema capitalista mundial: a) aumentar a taxa de
exploração dos trabalhadores e transferir mais riqueza para os países centrais;
b) pavimentar caminhos para as principais fontes de matérias primas do mundo;
c) abrir frentes de “negócios da china”, tipo as privatizações que estão
encaminhando no Brasil (Banco do Brasil, CEF, estatais elétricas, o filé das
estatais, claro). A execução de uma ação complexa como essa requer muito
planejamento e determinação. Por isso, os autores do golpe não vão recuar em
função de reações populares localizadas, intermitentes, e limitadas às
vanguardas dos movimentos populares. Não é aconselhável subestimar a determinação
desse pessoal.
A entrega
das riquezas nacionais, fim das políticas sociais e da previdência, liquidação
dos direitos sociais e trabalhistas, são políticas extremamente agressivas, e tendem
a aumentar o nível de pobreza na sociedade brasileira. Estão realizando um desmonte
muito rápido e abrangente, como ilustrado pelo pacote anunciado em 24 de
agosto, que contém privatização da Casa da Moeda, 14 aeroportos, 15 terminais
em portos, a Casemg, a Docas do Espírito Santo, a Lotex, a Ceasa-Minas, 11 linhas
de transmissão de energia, trechos de rodovias. O malfadado pacote prevê a
venda de 57 empresas e ativos públicos, além de vários blocos de exploração
petrolífera.
Estão claramente desarticulando toda a estrutura produtiva que o Brasil
construiu ao longo de décadas, desde Getúlio, fundamental para garantir uma
indústria de base nacional, mesmo que com limitações. Essa estrutura havia
sobrevivido em parte ao primeiro ataque neoliberal na década de 1990, comandada
por FHC, verdadeira nuvem de gafanhotos que atacou a economia brasileira. Por
uma questão estratégica, estão fatiando a Petrobrás, devagar e sem alarde. Mas,
se a correlação de forças permitir, vão vender também o controle acionário da
empresa para o capital estrangeiro, como pretendiam nos anos de 1990, em que
chegaram a mudar o nome da empresa, e recuaram pela reação popular.
Um dos objetivos centrais do golpe
é o de reduzir o custo da força de trabalho, visando atrair capitais externos e
enfrentar a crise internacional. Essa decisão afeta diretamente 99% da
população, que vive basicamente do seu trabalho. Dados da empresa Tendências
Consultoria, divulgado no dia 12 do corrente mês, dão conta que a renda da
chamada classe A (superior a R$ 17.286 mensais) apresentou crescimento, nos
primeiros seis meses de 2017, seis vezes superior à média geral de crescimento
da massa salarial em geral, que foi de 1,5% no período. A massa de renda das
classes enquadradas D e E na pesquisa, por sua vez, decresceu 3,15% no mesmo
período. Segundo os economistas autores do estudo, dos representantes da classe
A, um em cada quatro são empregadores e seus rendimentos estão diretamente
ligados ao desempenho dos lucros das empresas.
Pelo conjunto das medidas do governo, com destaque para a contrarreforma
trabalhista que entrará em vigor em novembro próximo, assistiremos a um
processo acentuado de queda de renda dos trabalhadores, em benefício dos mais
ricos. O conjunto de medidas visando a destruição dos direitos trabalhistas e
sociais, somado ao congelamento de gastos públicos por 20 anos, e às
privatizações das estatais estratégicas, provavelmente conduzirá à uma elevação
da pobreza, em um nível que jamais os brasileiros assistiram. Comparados com um
processo deste tipo, os valores estimados como provenientes da corrupção no
Brasil, que tanto alimentou a farsa da Lava Jato, representarão meros
“trocados”. O empobrecimento dos brasileiros é o verdadeiro e mais grave custo
do golpe no Brasil.
*Economista.
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