*José Álvaro de Lima Cardoso.
Em função da crise mundial do sistema capitalista
e da crise de hegemonia dos EUA, que perde poder e assiste à rápida ascensão da
China, os governos populares da América Latina vêm sofrendo um verdadeiro cerco
de fogo do imperialismo. Neste quadro geral, a crise política
da Venezuela, bastante agravada nos últimos meses, tem suas raízes na instabilidade
da economia, que é permanentemente sabotada. O imperialismo precisa promover o
desgaste do governo para alcançar seu objetivo final e disfarçado: apropriação,
dentro de suas regras, do petróleo da Venezuela, além de outras matérias-primas
fundamentais, como água, biodiversidade da Amazônia, ouro, etc, abundantes no
país.
Em 25 de agosto o governo Trump anunciou sanções que impedem a Venezuela
de utilizar os dólares obtidos na venda de petróleo para a importação de
alimentos e medicamentos dos EUA. Além disso as medidas proíbem também que pessoas
físicas e jurídicas dos EUA comprem títulos da dívida pública venezuelana e da estatal
do petróleo, a PDVSA. O decreto do governo Trump impede também o recebimento de
dividendos ou participação de lucros de empresas da Venezuela. O principal alvo
dos ataques dos golpistas travestidos de democratas é a Citgo petroleira controlada pela
PDVSA, cuja sede está situada nos EUA.
O
objetivo de Washington com as medidas é aumentar a carência de bens de primeira
necessidade no país, na tentativa de provocar descontentamento entre a população
e fortalecer a oposição interna, em parte visceralmente ligada e financiada
pelo imperialismo norte-americano. O cínico discurso americano, de que está
defendendo o povo venezuelano, só engana os ignorantes (que infelizmente, são
muitos). O fato é que a Venezuela detém a maior reserva de petróleo do mundo (298,3
bilhões de barris, 17,5% de todo o petróleo do mundo), a 4 ou 5 dias de navio
das grandes refinarias do Texas. Ao contrário do petróleo originário do Oriente
Médio, que fica entre 35 a 40 dias de navio dos EUA.
Perante sórdidos
ataques, respostas adequadas. Em 15 de setembro o governo Venezuelano anunciou
que o preço
médio do petróleo no país passou a ser cotado em yuan chinês. Foi a primeira
vez que o preço de venda do petróleo venezuelano deixou de ser cotado em
dólares. Com essa
medida, a Venezuela tenta escapar das sanções do império, cotando o preço de
venda em outra moeda forte. Há cerca de um ano o yuan entrou no grupo de moedas
de reserva do Fundo Monetário Internacional, juntamente com o dólar, o euro, o
yen e a libra esterlina. A China está prestes a emitir contratos futuros
(contratos a termo) de compra e venda de petróleo em yuan, conversíveis em
ouro. Se esse tipo de contrato tiver aceitação no mercado, como se espera, em
função da força econômica da China, a Venezuela terá uma chance de se libertar
do poder opressivo dos petrodólares.
As ações
da Venezuela, para o enfrentamento do bloqueio imposto pelo imperialismo, não
se limitam ao petróleo. A Índia acabou de ganhar a concorrência para organizar
a indústria nacional do setor no país. A Índia, uma das maiores produtoras de
medicamentos do mundo, irá produzir medicamentos dentro da Venezuela e terá
prioridade nas importações. A meta do governo venezuelano é produzir todos os
medicamentos necessários, dentro do próprio país. A Índia, que construiu a sua
indústria farmacêutica também através de ações corajosas contra a opressão das
multinacionais do setor, exporta medicamentos a 200 países do mundo e atravessa
um grande dinamismo na produção de fármacos, com crescimento médio de 14% ao
ano, no período 2013 a 2015.
A
decisão de substituir o dólar enquanto referência para os negócios do petróleo
demonstra coragem e coloca o dedo na ferida, pois boa parte do enorme poder dos
EUA advém da hegemonia do dólar nas transações mundiais. O fato do dólar ser a
moeda utilizada no comércio mundial, e de ser a principal moeda de referência
nas transações de petróleo, do ouro e das mercadorias em geral, confere um
poder absurdo aos EUA. Exagerado, inclusive, ao tamanho de sua economia. Tal
hegemonia financeira do dólar permite aos EUA não se preocupar, por exemplo,
com a monumental dívida pública (na casa dos US$ 23 trilhões, superior ao PIB
estadunidense), financiando-a com a emissão ilimitada, de bilhões e bilhões de
dólares.
Vale lembrar que um dos interesses diretos
da participação estadunidense no golpe de Estado no Brasil em 2016, foi isolar
o país da política externa multilateralista praticada nos BRICS. Pesou, neste
contexto, a decisão do BRICS de fundar o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD),
com o objetivo de financiar projetos de infraestrutura em países emergentes. A
intenção dos países que compõem o BRICS é de que o NBD seja uma alternativa ao
FMI, organização na qual os EUA detêm a maior cota e total influência política,
inclusive com mais de 25% dos votos na direção. Ademais, os países que compõem
o BRICS já vêm em processo de substituir o dólar por suas próprias moedas, nas
transações internas ao Bloco. Essas decisões de caráter financeiro do BRICS, que
vinham em movimento de espiral, equivalem ao disparo de uma bomba nuclear no
poderio estadunidense. Este em boa parte se ancora no conforto financeiro de poder
emitir uma moeda, que serve de referência para as transações mundiais (imaginem
se o Brasil tivesse esse privilégio?).
As
últimas decisões do corajoso governo da Venezuela colocam também em xeque o
poderio desmedido do dólar. Se a moda pega, a tendência é de uma queda
dramática do valor da moeda estadunidense.
Por isso o imperialismo já fala em opção militar no caso da Venezuela,
que sem dúvidas já está sendo preparado, por muitas razões, mas especialmente
em busca de petróleo. A estratégia de sabotagens e mentiras usada pelo
imperialismo na Venezuela é a mesma usada nos países do oriente médio: iludir a
opinião pública mundial com táticas de contra informação e mentiras, se
apropriar das riquezas e arruinar o país. Por isso a tentativa de agravar a crise
econômica, que é sempre muito eficiente na tarefa de desestabilizar um governo.
Como o governo venezuelano tem o apoio da maioria da população e conta com a
lealdade dos militares, os golpistas internos tentam criar o caos, através da permanente
sabotagem econômica, o que acaba prejudicando principalmente a população mais
pobre.
Enquanto a Venezuela reage com honradez e destemor aos ataques, mobilizando
inclusive sua população civil, os EUA organizam suas marionetes na América do
Sul, para intensificar a pressão sobre Caracas. Há poucos dias o governo dos
EUA organizou jantar com presidentes do Panamá, Colômbia e Argentina (neste
caso, a vice-presidente) e Brasil, que conjuntamente passaram a exigir da Venezuela
uma “saída democrática”. É de rir pra não chorar. Temer, testa de ferro do mais
sórdido golpe de Estado já aplicado no Brasil, exigindo democracia de um pais
que acabou de realizar uma eleição de uma assembleia constituinte, com ampla
participação popular. Mas a reivindicação de “democracia a la Trump” é cortina
de fumaça. O objetivo é óbvio para quem tem olhos para ver e ouvidos para
ouvir: querem organizar esses governos vassalos para uma intervenção militar na
Venezuela, mais cedo ou mais tarde. Ou seja, pretendem dar alguma legitimidade
política para aquilo que será mais um crime internacional na América Latina.
*Economista.
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