*José
Álvaro de Lima Cardoso.
Não há
sociedade moderna, desenvolvida econômica e socialmente, sem suprimento regular,
e em quantidade suficiente, de eletricidade e combustíveis. O Brasil nesse
aspecto é privilegiado, porque produz praticamente toda a energia que consome e
é também, o segundo maior produtor de alimentos do mundo. Além disso, pelo
menos metade da energia produzida no país é renovável e não poluente, em
decorrência, por exemplo, do peso que têm as hidrelétricas na produção de
eletricidade no país. O engenheiro e físico José Walter Bautista Vidal, uma das
maiores autoridades do país no debate sobre energia (falecido em 2013), idealizador
do Proálcool, dizia que uma
enorme vantagem estratégica do Brasil é ser o grande continente tropical do
planeta.
Segundo o eminente professor, o país é “proprietário”
do reator à fusão nuclear, o Astro-rei, responsável pela geração do petróleo,
xisto, turfa, gás natural, elementos fundamentais para o desenvolvimento econômico-social
de qualquer nação. O grande trunfo do Brasil, segundo Vidal, seria utilizar de
forma imediata essa riqueza disponibilizada em profusão pelo sol, bastando realizar
os investimentos necessários para a sua exploração. Segundo ele o Brasil é a
civilização dos hidratos de carbono, que seriam os dividendos do reator à fusão
nuclear, que a humanidade nunca irá conseguir reproduzir e que o Brasil dispõe
com tanta fartura.
Segundo ele os brasileiros foram
agraciados com um “reator” à fusão nuclear particular, e com total condição de
captar e armazenar essa energia, em função da abundância de água e da grande
extensão territorial do país. O professor costumava apontar a inevitável
vinculação entre apropriação e uso das fontes de energia e sua relação com a
política, em todos os seus aspectos, principalmente o militar. Se referia com
frequência a um fato decisivo na geopolítica mundial: as nações hegemônicas no
mundo são pobres em produção de energia, por se localizarem em regiões
temperadas e frias do planeta, o que as levará, à inevitável decadência econômica.
Exceto se tomarem o potencial de energia dos trópicos.
Esse
debate não poderia ser mais atual. O Brasil acabou de sofrer um sórdido
golpe de Estado, comandado pelos EUA, no qual um dos principais motivadores foi
a cobiça por fontes de energia como um todo, mas especialmente as jazidas do
pré-sal. O golpe foi perpetrado para, dentre outras coisas, interromper a viabilização,
a partir de várias frentes, da soberania energética brasileira, para a qual são
importantes todas as fontes de energia, e que é pré-requisito para o
desenvolvimento econômico-social. O interesse do imperialismo são as ricas matérias
primas existentes (água, minerais, biodiversidade da Amazônia) como um todo,
mas as reservas do pré-sal estão no centro das motivações golpistas. A Lava
Jato, Cavalo de Tróia do golpe, tratou de rapidamente prender o Vice-almirante e
Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva, ainda em 2015, principal responsável
pelas maiores conquistas históricas na área de tecnológica nuclear no Brasil.
Esse
militar é considerado o principal mentor do programa nuclear brasileiro e o
principal responsável pela conquista da independência na tecnologia do ciclo de
combustível, o que colocou o Brasil em posição de destaque na matéria, no
mundo. Por isso, durante vários anos, foi monitorado pela CIA. O militar, que
recebeu todas as honrarias possíveis das Forças Armadas Brasileiras (tem oito
das mais importantes medalhas militares), para os especialistas no setor, é
considerado um patriota e um herói brasileiro. Para o judiciário entreguista da
Lava Jato, é um corrupto. O vice-almirante recebeu a sentença mais rigorosa
entre todos os réus da Lava Jato (até o momento cerca de 150): 43 anos de
cadeia, o que, para um senhor de 77 anos de idade, na prática, significa prisão
perpétua.
O Programa Nuclear da Marinha, principal
projeto nessa área no Brasil, foi criado em 1979 no Governo Geisel, com a ostensiva
oposição do governo dos EUA. Em pouco tempo de existência do projeto, o país
conseguiu dominar o ciclo completo de enriquecimento de urânio, com desenvolvimento
nacional de centrífugas. OS EUA fizeram de tudo para impedir o programa,
colocando inclusive o Brasil numa lista de países que não poderiam importar
materiais visando o programa nuclear. Após uma longa interrupção do Programa, principalmente
no período FHC, o programa foi reativado no governo Lula.
Com a anúncio da maior descoberta de petróleo
nos últimos 30 anos, em 2006, o governo brasileiro fez um acordo com a França
para desenvolver um projeto de fabricação de um submarino à propulsão nuclear,
visando proteger a chamada Amazônia Azul (território marítimo brasileiro, com área corresponde a
aproximadamente 3,6 milhões de quilômetros quadrados, equivalente à superfície
da floresta Amazônica) que, somente na camada do
pré-sal, pode conter até 300 bilhões de barris de petróleo. É dessa área que o
país extrai 90% de sua produção de petróleo, daí a importância do Projeto. A
empresa responsável para construção do estaleiro e de uma base naval para os
submarinos foi a Odebrecht, a mais impactada pela destruição das empresas
nacionais, levada à cabo pela Lava Jato. O presidente da empresa, Marcelo
Odebrecht está preso há mais de dois anos e foi condenado a 19 anos de prisão.
Este fato, por si só, já revela quem é a principal força do golpe no Brasil. Quem,
além do império americano, teria força para encarcerar, de forma ilegal, o
presidente daquela que era a maior empreiteira da América Latina e uma das mais
importantes multinacionais brasileiras?
A busca de soberania energética pelo
Brasil, que significou por exemplo, a aprovação da Lei de Partilha em 2010 (com
a oposição dissimulada de José Serra e outros entreguistas), não foi, é claro,
a única razão do golpe. O Brasil tomou uma série de outras iniciativas nos
últimos anos, que desagradaram ao império: aproximação soberana dos vizinhos
sul americanos, fortalecimento do Mercosul, ingresso nos BRICS, criação da
Unasul (União de Nações Sul-americanas) e da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos
e Caribenhos). Além disso, realizou enormes obras de infraestrutura, como a
represa de Belo Monte e vinha renovando os equipamentos das Forças Armadas,
como nem os governos militares haviam feito. Ou seja, estava em curso, ainda
que com uma série de limitações, um projeto nacional, na direção do Brasil como
uma potência na Região.
Talvez de todos os equívocos cometidos
pelos governos anteriores, um deles tenha sido a subestimação da agressividade
do império. Desde 2014, vários analistas, apontam o envolvimento da Lava Jato
com as estruturas de espionagem do Império Americano. Segundo Moniz Bandeira,
por exemplo, a operação Lava Jato, instrumento central do golpe, desde o seu
início esteve em articulação com o Departamento de Justiça, e com as agências
de espionagem americanas (NSA, a CIA, o FBI). Os procedimentos ilegais
utilizados na Operação, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de
criminosos, desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a
presunção de inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas
delatadas, são técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens
mundo afora. É fato conhecido que desde
o fim da 2ª Guerra Mundial, Washington já tentou derrubar mais de 50 governos
(a maior parte dos quais plenamente democráticos), bombardeou populações civis
de mais de 30 nações e tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros. Como
mostra a história do Brasil no século XX, estava evidente que um projeto
próprio e soberano para fazer do Brasil uma grande potência, mesmo que
moderado, entraria em rota de colisão com os Estados Unidos. As precauções, em
todos os campos, teriam que ser tomadas.
*Economista.
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