segunda-feira, 17 de julho de 2017

Governo Obama ainda segue o script 2.0 da Guerra Fria, para a Rússia.

Por Pepe Escobar.

Aquela “agressão russa”
putin e israel

A luta de morte nos círculos internos de Moscou trava-se, mesmo, entre Eurasianistas e os chamados Integracionistas Atlanticistas, codinome 5ª Coluna ocidental. O cerne da disputa parece ser o Banco Central da Rússia e o Ministério das Finanças – onde alguns monetaristas liberais conservadores chaves são movidos por controle remoto pelos suspeitos de sempre, os Masters of the Universe.
O mesmo mecanismo aplica-se, em termos geopolíticos, a qualquer lado, em qualquer latitude, que tenha conectado o próprio Fiat money aos bancos centrais ocidentais. Os Masters of the Universe sempre procuram exercer sua hegemonia manipulando a usura e controlando o Fiat money.

Assim sendo, por que o presidente Putin não demite a presidenta do Banco Central da Rússia, Elvira Nabiulina, e boa parte de sua equipe financeira – que não param de comprar papéis da dívida norte-americana e de mandar para cima, não o rublo, mas o dólar dos EUA? O que está sendo agredido aqui, se não interesses russos?
Aquela punhalada nas costas
Já se sabe agora qual partido beneficiou-se da derrubada do Su-24 russo pela Força Aérea da Turquia – indiscutível ato de guerra. O resultado imediato foi a suspensão – que pode levar ao cancelamento – de um trecho crucial do Óleogasodutostão: o Ramo Turco, que é como uma bête noire para os Masters of the Universe, porque a Turquia estava a um passo de tornar-se alternativa chave para contornar o estado falhado da Ucrânia e tornar-se fornecedor de gás natural para o sul da Europa.
Além do mais, a União Europeia (UE) pagou 3 bilhões a Ancara por seus serviços “indiretos” (a desculpa oficial é deixar que a Turquia controle a imigração de sírios para a UE). E as sanções da UE contra a Rússia foram estendidas por mais seis meses.
Resposta equivalente dos russos seria Moscou declarar que, em retaliação contra as sanções, não pagará o que deve aos bancos ocidentais. Passo extremo seria bloquear os embarques de gás natural para a UE. Se a Rússia sequer voltasse os olhos na direção de tomar essas medidas, as sanções sumiriam instantaneamente. Quer dizer: quem, afinal, está sofrendo a “agressão”?
Putin – e a inteligência russa – não anteciparam o que viria: a “punhalada nas costas” que o sultão Erdogan lhes aplicou. Pode-se portanto dizer que a inteligência russa subestimou gravemente o investimento massivo que Erdogan fez na mudança de regime na Síria.

O que quer que tenha acontecido em campo – muito mais que a encenação Vienna-Geneva que se faz passar agora por um “processo de paz” – o futuro da Síria carrega duas vias alternativas bem claras: ou o país é convertido em colônia otomana, mas subordinada essencialmente aos desígnios dos Masters of the Universe; ou se mantém como nação una e soberana, sem divisões e fraturas, com relacionamento forte com ambos, Rússia e Irã.
A questão contudo permanece: como é possível que a Turquia se safe de tamanha provocação, a Rússia limitando-se a impor algumas poucas sanções?
Aquela agenda difusa
A peça faltante nesse quebra-cabeças é Israel. As contradições apareceram muito óbvias, depois que os israelenses derrubaram um prédio inteiro sob fogo cerrado de mísseis, em Jaramana, na cidade de Damasco, matando nove civis e Samir Kuntar, um dos comandantes históricos do Hezbollah.
Nunca teria acontecido, fosse como fosse, sem a aquiescência dos russos – considerando que os mísseis de defesa russos cobrem hoje todo o território sírio. Assim sendo, a mensagem é clara: a Rússia não interferirá nas prioridades de Israel na Síria/Líbano – e vice-versa.
“Vice-versa” não poderia ser mais cheio de complicações. Telavive tacitamente “apoia” a Frente al-Nusra, codinome “Al-Qaeda na Síria”, a qual até o governo Obama teve de admitir, afinal, que é organização terrorista.
Segundo o Ministério da Defesa da Rússia – e investigações turcas independentes – grande parte do petróleo que o ‘Estado Islâmico’ rouba de Síria e Iraque é comprado por Israel. Telavive é o principal comprador do petróleo curdo iraquiano roubado de Bagdá, ao qual é misturado o petróleo que o ‘Estado Islâmico’ rouba.
E como se não bastasse, Telavive é inimiga mortal do Irã e do Hezbollah – que são nodos essenciais da coalizão “4+1″ (Rússia, Síria, Irã, Iraque plus Hezbollah) que combate contra o grupo ‘Estado Islâmico’. Para nem dizer que Telavive – que deseja uma Síria fracionada em mil pedaços – quer passar a mão e assim ficar, até o dia do Juízo Final, nas Colinas do Golan, ricas em petróleo.
Assim sendo, como é que Israel escapa livre, de tudo isso?
Aquela “oferta” do Partido da Guerra
A conclusão desses três cenários – da economia russa, da Turquia e de Israel – é que Putin tem resposta letal, devastadora, ao alcance da mão, nos três casos. Mas ele se recusa a deixar-se apanhar na armadilha da lógica da guerra. Putin é o mais formidável adversário que a “agressão russa” precisaria derrotar.
Confronto direto com a Turquia, uniria uma OTAN hoje dividida. Agora, a inteligência russa já ligou todos os pontos e entendeu como os Masters of the Universe estão tentando usar Ancara como isca para atrair Moscou, do mesmo modo como usaram, enquanto puderam, uma Kiev hoje já irrelevante e descartada. Os três maiores importadores de produtos da Turquia são Rússia (10,4%), China (10,3%) e Alemanha (9,2%); problemas graves na Turquia seria grave dor de cabeça para esse trio – para grande prazer do Império do Caos.
Confronto com Israel obviamente atrairia toda a fúria dos Masters of the Universe. Isso, além da evidência de que tudo de que Moscou não precisa é de um novo front de guerra no Levante. The Saker (“Putin e Israel: Relação complexa, em vários planos”) constrói esforço meticuloso para esclarecer as várias ligações perigosas entre Israel e Rússia.
Mas o front chave é a economia russa; mais cedo ou mais tarde, o Banco Central da Rússia e o Ministério das Finanças passarão por expurgo, mas Putin só agirá quando tiver certeza de que conta com empenhado apoio interno – o que hoje não é de modo algum garantido.
O governo pato manco de Obama – sejam quais forem a retórica e/ou as contorções legalistas – ainda segue o script 2.0 da Guerra Fria para a Rússia, que lhe prescreveu o mentor de Obama, Dr. Zbigniew “Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski.
Segue daí uma “tradição” que Bill Blum, por exemplo, documentou extensamente, porque desde o fim da 2ª Guerra Mundial, Washington já tentou derrubar mais de 50 governos – a maior parte dos quais plenamente democráticos; bombardeou populações civis de mais de 30 nações; tentou assassinar mais de 50 líderes estrangeiros; tentou reprimir movimentos nacionalistas em mais de 20 nações; interferiu em incontáveis eleições as quais, sem a intervenção dos EUA, seriam plenamente democráticas; ensinou tortura mediante manuais e “instrutores” e “conselheiros”; e a lista é muito longa.
Putin e a melhor e mais brilhante inteligência russa sabem muito bem disso tudo. Mesmo assim, ainda conservam decente margem de manobra: têm de estabelecer a Rússia como potência indispensável em todo o Sudoeste da Ásia (tão logo o ‘Califato’ tenha sido esmagado de Raqqa a Mosul); têm de impedir que os Masters of the Universe implantem-se no Mar Negro; e provavelmente terão de impor combate real, em futuro próximo, nos Bálcãs.
Os avanços reais continuarão a surgir como frutos da parceria diplomática/estratégica Rússia-China – da energia ao comércio e à esfera militar. E isso nos lança outra vez na direção das Novas Rotas da Seda – e da convergência do projeto Um Cinturão, Uma Rota puxado pela China com a União Econômica Eurasiana (UEE, ing. Eurasian Economic Union, EEU).
Resumo disso tudo é que em 2016 a opção continuará claramente demarcada: ou (i) o Partido da Guerra alcança a hegemonia – com o subtexto duma “oferta” de jihad salafista que Washington “voluntariamente” promoverá junto a jovens muçulmanos desesperançados de qualquer futuro; ou (ii) se constituirá uma plena, próspera rede de negócios/comércio/comunicações para toda a Eurásia.
Senhoras e senhores, façam suas apostas.
Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

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