Como confessou recentemente um chefão do jornal ‘Clarín’, a mídia da Argentina promoveu um brutal “jornalismo de guerra” contra os governos de Néstor Kirchner e, principalmente, de Cristina Kirchner. As manipulações diárias foram decisivas para levar à presidência do país o empresário corrupto Mauricio Macri, eleito numa disputa apertadíssima em dezembro de 2015. As razões deste “jornalismo de guerra” foram políticas e econômicas, já que a imprensa local – a exemplo da Rede Globo no Brasil – defende os interesses da cloaca empresarial. Mas também houve motivações mercenárias. Agora, convertida em mídia chapa-branca e dócil, os grupos privados de comunicação têm aumentado o seu faturamento e expandido os negócios.
Segundo matéria de Sylvia Colombo, publicada na Folha nesta quarta-feira (12), o Grupo Clarín, o principal império midiático da Argentina, está sendo bem recompensando pelo “jornalismo guerra” praticado contra Cristina Kirchner. “Além de receber de volta a lucrativa transmissão dos jogos de futebol que Cristina havia estatizado e levado à televisão pública, o Clarín ficou também livre para buscar novos parceiros, fazer aquisições e fusões. Foi o que ocorreu na semana passada, quando o grupo anunciou a fusão da Cablevisión, sua operadora de TV a cabo, com a empresa de telefonia Telecom, transformando a nova companhia na primeira da Argentina a oferecer telefonias fixa, móvel, TV a cabo e internet”.
A fusão, que reforça o poder do monopólio, ainda depende de aprovação da Enacom (Ente Nacional de Comunicações) e da Comissão Nacional de Defesa da Competição. Ambos os órgãos, porém, estão ligados hoje ao “generoso” Mauricio Macri. “É improvável que haja algum obstáculo. Ele só surgirá se uma empresa concorrente que se veja prejudicada ou um grupo organizado da sociedade queira levar o caso à Justiça”, explica o professor Martín Becerra, especialista em ciências da comunicação da Universidade de Buenos Aires. O valor da nova empresa é avaliado em US$ 11,5 bilhões, e ela será responsável por controlar 42% da telefonia fixa, 34% da móvel, 60% da provisão de internet e 40% da TV paga do país.
“Esses números são da média. Em algumas regiões, onde a Telecom praticamente não tinha concorrência, pode-se dizer que ficarão com tudo, como em Córdoba, a segunda principal cidade do país. No sul, haverá algo mais de competição, pois há uma maior presença da Telefónica", diz Martín Becerra. No total, a nova empresa nasce com 25 milhões de clientes – a Argentina tem 43 milhões de habitantes. “Além disso, o Grupo Clarín também é o maior editor de jornais da Argentina, tendo o ‘Clarín’ como principal publicação. Detém, ainda, as rádios com maior audiência na AM (Mitre) e na FM (100), o principal canal de TV aberta (El Trece) e o maior provedor de internet (Fibertel)”.
Como se observa, o “jornalismo de guerra” praticado pela mídia mercenária está recompensando. A Folha até tenta aliviar a barra dos seus comparsas do Grupo Clarín. Logo na abertura, a reportagem elogia a postura do presidente Mauricio Macri. “Vão ficando distantes na memória os avanços do governo argentino sobre o Grupo Clarín. Durante o mandato de Cristina Kirchner (2007-2015), houve pressões a anunciantes para que deixassem de veicular publicidade nas páginas do jornal ‘Clarín’ e tentativas de estatizar a Papel Prensa, fábrica de papel que o grupo possui com o concorrente (‘La Nación’). Houve, ainda, uma campanha verbal (em que se celebrizou a máxima ‘o Clarín mente’) e até uma legislação, a Lei de Mídia, cujas principais cláusulas buscavam fazer com que o maior conglomerado de mídia argentino encolhesse”.
“A eleição de Maurício Macri, porém, mudou a corrente a favor da empresa. A Lei de Mídia não foi revogada, mas os itens que obrigavam o grupo a desinvestir e a se livrar de algumas das empresas caíram por decreto. O presidente também aprovou legislação que permitia a expansão e fusão das telefônicas com empresas de TV por assinatura”. Para o jornal da famiglia Frias, que nunca escondeu seu ódio a Cristina Kirchner, finalmente as coisas voltam à “normalidade” na Argentina. Nesta “normalidade” vale abandonar o “jornalismo de guerra” para se tornar uma mídia chapa-branca. Em outra matéria, a mesma jornalista Sylvia Colombo destaca que agora “os jornais da Argentina mantém uma linha favorável a Maurício Macri”.
Nem mesmo as primeiras graves denúncias de corrupção contra o presidente foram suficientes para alterar esta linha chapa-branca. No início deste ano, surgiram evidências de que o pai do ricaço, o empresário Franco Macri, teve dívidas com o Estado amenizadas depois que o filho assumiu a presidência. Na sequência, veio à tona que um funcionário de confiança e amigo pessoal de Mauricio Macri, o chefe do serviço de inteligência Gustavo Arribas, estaria envolvido com o escândalo de propinas da empreiteira brasileira Odebrecht na Argentina. Os dois maiores veículos do país trataram estas e outras graves denúncias com descrição. “Clarín e La Nación passaram a publicar os casos, mas continuam ainda mais críticos à ex-presidenta Cristina Kirchner, cujos escândalos já foram parar nos tribunais argentinos”.
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