quarta-feira, 7 de junho de 2017

Questão fiscal e democracia



José Álvaro de Lima Cardoso.
     A economia do setor público, em todos os níveis, está enfrentando um momento delicadíssimo. Atravessamos a maior recessão da história do Brasil, no contexto da maior crise da história do capitalismo, e em plena operação de um golpe de Estado. De forma Inevitável esse processo tem reflexo sobre a economia e a arrecadação pública em todos os níveis. Estão forçando para empurrar goela abaixo um projeto ultra neoliberal, em nome do qual se sacrifica os empregos, o patrimônio público, os direitos dos trabalhadores, a economia nacional, a soberania e o futuro do Brasil. E claro, as políticas sociais que, em um ano de golpe foram duramente atingidas, inclusive as de combate à fome, o que é revelador do nível de crueldade do processo.
     Pode-se afirmar que o Brasil é hoje um laboratório de luxo (pelas magnitudes de seu território, população e PIB) do grande capital financeiro, que tenta implantar um projeto ainda não plenamente experimentado em nenhuma parte do mundo. Convivemos hoje com um antagonismo incontornável entre o domínio do capital financeiro e a prática da democracia. O problema da restrição do espaço democrático não é uma especificidade do Brasil, estamos assistindo isso no mundo todo, em decorrência da crise e das “saídas” neoliberais adotadas. Em boa parte, a democracia, que alguns já davam como “favas contadas”, se tornou um grande obstáculo para a cobiça do capital financeiro. Diferentemente de outros períodos, a democracia está atrapalhando a implementação de políticas neoliberais. Na América Latina, como vimos nos casos de Honduras, Paraguai e Brasil, a corda vem arrebentando no seu lado mais fraco. 
     O problema fiscal é ainda um pouco mais complicado, porque, além da crise econômica, em si, temos a questão ideológica, presente na polarização política que o Brasil está passando, que prega que o Estado brasileiro está quebrado em função dos direitos sociais. Isso está permeando o debate fiscal, em todos os níveis de governo e da sociedade. Portanto, além da queda da receita, em si, decorrência da mais grave recessão da história do país, temos a hegemonia de uma narrativa que o déficit público decorre da existência dos direitos trabalhistas e sociais. Por isso tem que liquidar com salários, previdência pública, gastos com saúde e educação, com combate à fome, e assim por diante.
     Vejam o caso do Rio Grande do Sul. O governo do Estado apresentou, em 2016, um pacote propondo, a extinção de nove fundações, demissão de servidores, o aumento da alíquota previdenciária dos servidores e o fim da exigência de plebiscito para a privatização de empresas estratégicas do estado como a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Sulgás. À época, conseguiram aprovar o referido pacote na assembleia gaúcha, e convencer parte da sociedade, alegando falta de recursos e impossibilidade financeira. Recentemente, como vêm denunciando as entidades sindicais, o governo abandonou a argumentação de falta de recursos financeiros. Vêm defendendo as medidas com base em uma argumentação ideológica, de Estado mínimo, que desempenhe apenas algumas funções essenciais. Ou seja, o problema financeiro existe, porém, as medidas, como os servidores públicos já diziam em 2016, estão ligadas à uma concepção de retirada do Estado da economia e da sociedade. O detalhe relevante é que os projetos foram aprovados na Assembleia Estadual principalmente em decorrência das alegações de caráter econômico-fiscal.
     Aqui em Santa Catarina temos visto situações semelhantes em vários municípios. Alguns deles, com comprovada folga nas contas, enviaram projetos às Câmaras Municiais para desmontar direitos históricos dos trabalhadores. Só não conseguiram porque bateram numa muralha chamada organização sindical, que, aliás, pretendem também botar abaixo através de medidas específicas da Contrarreforma Trabalhista. Em âmbito federal, o governo golpista fez a PEC da morte (EC 95) congelando por 20 anos os gastos primários, medida inédita em todo o mundo. A alegação foi a suposta explosão da dívida pública, uma farsa completa.   
                                                                                                          *Economista.

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