*José Álvaro de Lima Cardoso.
Se o
golpe de Estado conseguir realizar todas as suas metas, irá destruir
o Estado brasileiro. A democracia já foi restringida pela própria operação do
golpe e, em função da politização do judiciário, vivemos um Estado de exceção.
Mas a tendência é o espaço democrático se estreitar ainda mais. A
Operação Lava Jato, criada para ser uma alavanca fundamental do golpe e
criminalizar a esquerda, esteve sempre em articulação com o Departamento de
Justiça americano, e com as agências de espionagem americanas (NSA, a CIA, o
FBI). Utilizaram todas as ilegalidades possíveis, como prisões arbitrárias,
vazamentos seletivos, desobediência ao princípio fundamental de presunção de
inocência, etc. A Lava Jato, na realidade, desde o início foi um instrumento de
ataque aos partidos de esquerda e ao Estado brasileiro.
Recentemente
foi divulgada reportagem de Gustavo Aranda, publicada no site Jornalistas
Livres, que revela os métodos de que se vale Sérgio Moro para obter “provas”
contra seus inimigos. A matéria mostra como se dá a articulação da Lava Jato
com a polícia norte-americana, com o objetivo de criminalizar os alvos da
operação, ou seja, lideranças dos partidos de esquerda no Brasil. Tudo isso
feito sem informar as autoridades brasileiras, incluindo Ministério Público, e atropelando
a legislação nacional que trata do assunto. A reportagem mostra que Moro encaminhou
a criação de CPF e conta bancária falsos para servir aos objetivos da polícia
dos EUA. Isto está divulgado na mídia, faz parte de uma sucessão de graves ilegalidades
cometidas por Sérgio Moro, e as autoridades competentes não fazem absolutamente
nada. Precisa desenhar?
Um dos capítulos mais sórdidos do golpe foi a
prisão do Vice Almirante e Engenheiro Othon Luís Pinheiro da Silva,
principal responsável pelas maiores conquistas históricas na área de tecnológica
nuclear no Brasil. Segundo o pessoal da área, ele concebeu o programa do
submarino nuclear brasileiro e foi o principal responsável pela conquista da
independência na tecnologia do ciclo de combustível, que colocou o Brasil em
posição de destaque na matéria. Para os especialistas na área o Vice Almirante
é considerado um patriota e um herói brasileiro. Para o judiciário que
participou do golpe é um corrupto. O fato concreto é que, conforme vários
testemunhos, a hipótese de corrupção não combina com a biografia do Almirante.
O Almirante foi acusado pelo Ministério Público de receber R$
4,5 milhões, supostamente como propina relativa à construção de usina nuclear
Angra 3, quando exerceu o cargo de presidente da Eletronuclear, entre 2005 e
2015. O esquema estaria ligado, segundo a denúncia, à um contrato aditivo no
valor R$ 1,24 bilhões, firmado entre a Eletronuclear (controladora da usina) e
a construtora Andrade Gutierrez. O nome do Almirante foi citado pelo
ex-presidente da Andrade Gutierrez, Rogério Nora de Sá, em uma delação
premiada. Segundo o delator, o almirante teria pedido 1% do valor do contrato
como propina, ainda que o percentual pelo qual ele foi condenado seja de 0,36% do
valor do contrato. A condenação em 2015,
foi duríssima: 43 anos de prisão, o que, para um homem de 77 anos, representa
prisão perpétua. Uma condenação desse tipo, para um cientista que é considerado
um herói pelos seus pares, é uma ironia cruel, num pais em que bandidos, acusados
de receber R$ 50 milhões, para o qual estão disponíveis vídeos, gravações,
depoimentos, e outros, estão livres para continuar cometendo crimes.
Há um justificado temor dos especialistas
de que os documentos confiscados pela Lava Jato possam violar os segredos das
tecnologias nacionais e do programa nuclear brasileiro, fundamentais para a
continuidade do programa. Esse é um risco evidente. Vários autores, como Luiz
Alberto Moniz Bandeira, vêm destacando os vínculos do juiz Sérgio
Moro, com instituições norte-americanas de informações e do Estado. Moniz
Bandeira, profundo conhecedor do assunto explica que a metodologia que foi aplicado no Brasil é uma “técnica do golpe”,
bastante complexa e sofisticada, antiga, e que derrubou muitos governos no
mundo todo. Segundo o historiador, um dos aspectos fundamentais na aplicação
nessa técnica é disfarçar a participação e a responsabilidade dos EUA com o
golpe de Estado, visando manter as aparências no campo diplomático.
Em entrevista na edição de junho da Revista
Piauí, o ex-prefeito Fernando Haddad revelou que, durante as
manifestações de 2013, as “Jornadas de Junho”, tanto Dilma quanto o
ex-presidente Lula foram alertados pelos presidentes da Rússia, Vladimir Putin,
e da Turquia, Recep Erdogan, sobre a possibilidade de que os protestos
estivessem sendo patrocinados por corporações, localizadas inclusive, fora do Brasil.
Na entrevista, Haddad menciona também um estudo gráfico que teria analisado
também naquela ocasião, que indicava que a movimentação e o padrão nas redes
sociais, de convocação para as manifestações, estavam longe de serem
espontâneos, mas decorriam de organização e sofisticada tecnologia. Foi também
em 2013, lembremos, que vazaram
documentos da Agência de Segurança Nacional Norte-Americana (NSA), que
revelaram que Dilma e o núcleo do seu governo estavam sendo espionados pelo governo
estadunidense.
O Brasil ajudou a fundar, e era antes
do golpe um ativo participante do BRICS. Este projeto entrou diretamente em
rota de colisão com os interesses estadunidenses. Ameaçando inclusive a
hegemonia dos EUA no mundo. Não por acaso, conforme lembra Moniz Bandeira, as
três potências principais dos BRICS (China, Brasil e Rússia) estão sofrendo
ataques simultaneamente, em várias frentes, já faz algum tempo. Entre as inúmeras
razões imperialistas para perpetrar o golpe no Brasil, possivelmente uma das mais
importantes foi a articulação nos BRICS para substituir o dólar norte-americano
como moeda de curso global nas transações internacionais, utilizando as
respectivas moedas nacionais. Podemos imaginar o que essa substituição significará
para a economia americana. Isso irá abalar a vantagem estratégica da economia
estadunidense, com o fato atual de que o grosso das transações comerciais se
desenvolvem com base no dólar.
Dos três países mencionados, o Brasil é o
mais frágil, do ponto de vista da segurança nacional. Sofremos um dos golpes
mais duros da história, com reação muito abaixo da necessária para impedir a
derrota. Ainda no início de 2016, para dar um exemplo, o governo Dilma, já
fortemente pressionado pela construção do golpe, negociou no Senado o projeto
de fim da lei de Partilha, um dos objetivos estratégicos do golpe. Isto feito sob
a estreita vigilância de lobbies das petroleiras, que em essência, era o projeto
entreguista de Serra, promessa feita à
petrolífera norte americana Chevron em 2010. Segundo revelação do Wikileaks em
2013, o senador teve encontros secretos com Patrícia Padral, diretora da
Chevron no Brasil, nos quais, se eleito, reveria o modelo de Partilha, proposta
defendida ardorosamente pelas multinacionais do petróleo.
A ofensiva de destruição dos estados
nacionais, pelo capital financeiro, especialmente os de origem estadunidense, é
mundial. É só olhar o que aconteceu em países como Líbia, no Iraque, no
Paquistão, na Ucrânia e Síria. Na América do Sul, os dois principais países
atacados são Venezuela e Brasil. Não por coincidência as duas maiores reservas
de Petróleo da região. No caso do Brasil, o interesse nas reservas da maior
descoberta de petróleo do milênio, o pré-sal, foi decisivo. Mas não é só petróleo.
É toda a biodiversidade da Amazônia, água, do nióbio, excelentes terras para
produção de alimentos.
Não temos
o direito de nos deixar enganar. Quem realizou o golpe não irá se satisfazer com
aquilo que foi divulgado ou encaminhado até agora: congelamento dos gastos
sociais, terceirização sem limites, destruição da seguridade social, e
liquidação dos sindicatos e dos direitos sociais e trabalhistas. Os golpistas
têm uma cisão tática no que se refere ao governo Temer, que deve ser logo
superada com o seu enterro, que é iminente. Mas a unidade estratégica em torno
dos objetivos maiores do golpe permanece:
ataque muito mais profundo aos direitos do povo trabalhador, e à Economia
nacional. Porém a realização da empreitada requer um mínimo de autoridade
política, razão pela qual um governo com míseros 2% de popularidade não serve
mais. Mas resolvida a divergência momentânea em torno do governo Temer, com a
tática já novamente sincronizada, irão intensificar a carga para cima dos
direitos sociais e trabalhistas.
*Economista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário