Por Igor Fuser, no jornal Brasil de Fato. Transcrito no blog do Miro.
A política externa dos golpistas
Por Igor Fuser, no jornal Brasil de Fato:
Os políticos golpistas instalados no poder em 2016 estão reeditando, com
agravantes, as páginas mais vergonhosas da história da política externa
brasileira. Tal como em situações constrangedoras do nosso passado, a
linha de conduta adotada por José Serra, em sua breve passagem pelo
comando do Itamaraty, e levada adiante por seu sucessor e “alter ego”,
Aloysio Nunes Ferreira, tem como marca a submissão a interesses estrangeiros e o apoio ativo a forças antidemocráticas no exterior.
Esses elementos estão presentes nas três prioridades que, juntamente com a tarefa inglória de obter reconhecimento externo ao governo ilegítimo de Michel Temer, se estabeleceram em lugar da diplomacia “ativa e altiva” do período anterior: a) alinhamento incondicional aos Estados Unidos em todos os temas, fóruns e instâncias do sistema internacional; b) adesão irrestrita à globalização neoliberal; c) envolvimento ostensivo na campanha internacional para depor o presidente venezuelano Nicolás Maduro e esmagar a Revolução Bolivariana, devolvendo o poder à direita local, aliada aos EUA.
No primeiro tópico, é inevitável a lembrança da frase que se tornou clássica: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, pronunciada em junho de 1964 por Juracy Magalhães, um político conservador nomeado para a embaixada brasileira em Washington logo depois da quartelada de abril daquele ano. O regime militar, naquele momento, empenhava-se em retribuir a ajuda decisiva dos EUA para a queda de João Goulart.
A afirmação desastrada de Magalhães – que o próprio embaixador estadunidense, Lincoln Gordon, chamou de “infeliz”, em uma conversa privada – sinalizava a reversão radical da política externa independente que vinha sendo implementada no período de Jango pelo chanceler Santiago Dantas.
Uma das primeiras medidas dos golpistas fardados em 1964 foi romper relações com Cuba, sinalizando o engajamento explícito do Brasil na Guerra Fria, do lado dos EUA. Os integrantes da missão comercial da República Popular da China foram presos e expulsos do país. No ano seguinte, o presidente Castello Branco enviou 1.100 militares brasileiros para a República Dominicana em apoio às forças estadunidenses que invadiram aquele país caribenho.
O Brasil só não chegou a enviar soldados para combater ao lado dos EUA na Guerra do Vietnã (havia um “convite” nesse sentido) devido à oposição de parlamentares do próprio partido governista, a Arena, além da falta de disposição dos chefes militares para embarcar numa aventura tão perigosa, em terras distantes.
O país já havia resistido, na década de 1950, a uma campanha de americanófilos mais exaltados que defendiam o envio de tropas para a Guerra da Coreia. Mas passou pelo vexame, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), de romper relações com a União Soviética por iniciativa própria, sem uma justificativa clara e até mesmo na ausência de pressão externa nesse sentido (outros países latino-americanos, igualmente alinhados aos EUA, mantiveram seus laços diplomáticos com Moscou naquele período). Dutra quis ser “mais realista que o rei”, uma postura que o levou, no mesmo contexto, a colocar na ilegalidade o Partido Comunista, em 1947.
Hoje não existe mais Guerra Fria, mas a diplomacia golpista já deixou claro, desde o início, seu distanciamento perante a Unasul, a Celac e o Brics, iniciativas que claramente colocam limites à hegemonia global dos EUA. Em sentido inverso, optou pela valorização da decadente Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja subserviência a Washington levou Fidel Castro a chamá-la de “Ministério das Colônias”.
A ironia do momento atual é o abandono de qualquer noção de interesse nacional pelos mesmos políticos, jornalistas e funcionários que, no governo anterior, denunciavam como “ideológico” o comportamento dos formuladores de política externa, enquanto eles, em contraste, adotavam a pose de pragmáticos defensores de uma diplomacia “de Estado e não de partido”.
Eu pergunto: onde está o legítimo interesse brasileiro em um ato provocativo como a promoção do diplomata Eduardo Sabóia – punido por indisciplina em 2013 por trazer para o Brasil, escondido num carro da nossa embaixada em La Paz, um ex-senador boliviano processado pelo Judiciário do seu país por corrupção e pelo envolvimento num massacre de camponeses – para o cargo de mais alto da carreira no Ministério das Relações Exteriores, o de ministro de primeira classe?
Os golpistas que agora agem como se fossem donos do Itamaraty desprezam a importância de manter relações amigáveis com a Bolívia, país vizinho com o qual compartilhamos milhares de quilômetros de fronteira e mantemos relevantes laços econômicos e sociais.
No plano das relações econômicas internacionais, o governo golpista trata de colocar em prática o programa do candidato do PSDB derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves, com destaque para o rebaixamento do Mercosul ao transformá-lo de união aduaneira em uma simples zona de livre comércio. Logo após o afastamento de Dilma Rousseff em abril de 2016, o chanceler golpista José Serra já começou a se mover, afoito, no sentido de levar o Brasil para o Acordo Transpacífico de Comércio e Investimentos, porém… chegou tarde demais.
Foi atropelado por Donald Trump. No contexto da inflexão protecionista da política comercial estadunidense,Trump detonou, sem perda de tempo, o mega acordo gestado pela dupla Obama & Hillary, deixando os vira-latas brasileiros a ver navios.
Como em episódios históricos anteriores de subserviência ao Império, os neoliberais tupiniquins tentavam se mostrar mais liberais do que os senhores do neoliberalismo global, aos quais prestam vassalagem. Qualquer semelhança com os tempos de Fernando Collor, que chamou os automóveis brasileiros de carroças e levou setores inteiros da indústria nacional à falência com uma abertura comercial indiscriminada e sem contrapartidas, é mais do que coincidência.
Mas o verdadeiro vira-lata nunca desiste, e lá vem de novo a diplomacia temerária abanando o rabo para o Primeiro Mundo, agora em busca de uma vaga na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o “clube dos ricos” – como bem apontou o analista político Marcelo Zero.
A submissão do desgoverno Temer aos interesses externos vai muito além dos gestos simbólicos, como se vê na gestão entreguista de Pedro Parente na Petrobrás. O difícil, aí, é saber qual é o crime mais grave: a transferência, por preços escandalosamente abaixo do valor real, de preciosos blocos petrolíferos no pré-sal a empresas transnacionais ou a destruição das regras de conteúdo local, estabelecidas no governo Lula para favorecer o desenvolvimento da indústria e da tecnologia brasileiras na cadeia produtiva do pré-sal?
A tudo isso se agrega a reabertura das conversações para a entrega do centro de lançamento de foguetes de Alcântara (Maranhão) às Forças Armadas dos EUA. Essas tratativas tinham sido iniciadas na gestão de Fernando Henrique Cardoso e suspensas por Lula após a sua posse em 2003. Se uma base militar estrangeira em território nacional era só o que faltava no cenário tenebroso do pós-golpe, em breve não faltará mais, a menos que a resistência da sociedade brasileira impeça este novo atentado à nossa soberania.
E o que dizer do uso do Mercosul e da OEA pela diplomacia de Temer e de outros países latino-americanos alinhados ao imperialismo como plataformas para a desestabilização do governo venezuelano? Mais uma vez, os operadores políticos da grande burguesia brasileira retiram a máscara “republicana” que usavam ao acusar os governos progressistas de se guiarem no cenário externo por “ideologia” e agora se colocam, às claras, como força auxiliar da direita venezuelana mais truculenta na sua ofensiva para derrubar o presidente Maduro.
O bando de Temer ameaça reviver, também na esfera das relações sul-americanas, episódios lamentáveis da história da política externa nacional. Nos tempos da ditadura, os militares do Brasil atuaram na região como cães de guarda dos EUA, justificando a fama do nosso país como subimperialista. Em 1973, o Estado brasileiro participou ativamente da derrubada do governo democrático e socialista de Salvador Allende, no Chile.
A embaixada brasileira em Santiago funcionava como centro de operações dos conspiradores e canal por onde fluía o dinheiro de empresários brasileiros que financiaram grupos fascistas chilenos. O Brasil esteve entre os primeiros países que reconheceram o regime assassino de Augusto Pinochet e, nos meses seguintes, agentes do aparato repressivo brasileiro estiveram em Santiago para ensinar técnicas de tortura aos seus colegas chilenos.
Muitos dos elementos da tragédia chilena estão presentes na Venezuela atual: os métodos de sabotagem econômica utilizados pela burguesia para gerar uma situação artificial de escassez, e a campanha sistemática das grandes redes internacionais de mídia para criar uma matriz de opinião negativa em relação ao governo popular, entre outras coisas.
Agora a escalada do conflito político na Venezuela já atingiu um ponto de pré-guerra civil, com ataques de grupos paramilitares a edifícios públicos, assassinatos de ativistas de esquerda e o uso de armas de fogo por manifestantes supostamente “pacíficos”.
Diante de uma situação tão dramática no país vizinho, caberia ao governo brasileiro, qualquer que fosse sua inclinação ideológica, atuar no sentido de diluir as tensões e contribuir, como mediador, para o diálogo com vistas a uma solução política, nos marcos da Constituição.
Mas os representantes do Brasil fazem exatamente o contrário do que se poderia esperar de autênticos diplomatas – lançam gasolina no incêndio, estimulando as facções mais violentas da oposição e utilizando de forma oportunista o peso político do Brasil nas organizações internacionais com a intenção de isolar o governo legítimo de Maduro.
A irresponsabilidade é a marca da conduta das autoridades brasileiras perante a crise venezuelana. Já não se trata de questionar, simplesmente, a opção política da “diplomacia” de Brasília ao apoiar de modo escancarado a oposição direitista em sua investida para reverter as conquistas sociais da Revolução Bolivariana e devolver o poder à oligarquia local.
Está em jogo algo muito mais grave. O conflito do outro lado da fronteira já começa a envolver diretamente o Brasil, com a chegada crescente de venezuelanos ao estado de Roraima, e põe em risco interesses permanentes da nossa pátria – a paz e a soberania.
Será que é do interesse nacional uma intervenção militar dos EUA – sob o pretexto de “ação humanitária”, é claro – bem ali na nossa fronteira amazônica? É do interesse nacional uma guerra civil no país vizinho? Uma conflagração desse tipo trará para o Brasil, entre outras consequências, o ingresso de multidões de refugiados no nosso território, a violação das fronteiras pelas forças beligerantes e o tráfico de armas, sem contar o agravamento do conflito político no nosso próprio país, com a mobilização de setores opostos da sociedade brasileira em apoio aos dois lados em luta na Venezuela.
Se isso acontecer, será mais um crime a ser atribuído não só ao grupinho de Temer, mas a toda a aliança política envolvida no golpe de Estado de 2016 – empresários, magistrados, mídia e partidos, principalmente o PSDB, que na repartição do butim entre os golpistas recebeu de presente o Itamaraty.
Esses elementos estão presentes nas três prioridades que, juntamente com a tarefa inglória de obter reconhecimento externo ao governo ilegítimo de Michel Temer, se estabeleceram em lugar da diplomacia “ativa e altiva” do período anterior: a) alinhamento incondicional aos Estados Unidos em todos os temas, fóruns e instâncias do sistema internacional; b) adesão irrestrita à globalização neoliberal; c) envolvimento ostensivo na campanha internacional para depor o presidente venezuelano Nicolás Maduro e esmagar a Revolução Bolivariana, devolvendo o poder à direita local, aliada aos EUA.
No primeiro tópico, é inevitável a lembrança da frase que se tornou clássica: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, pronunciada em junho de 1964 por Juracy Magalhães, um político conservador nomeado para a embaixada brasileira em Washington logo depois da quartelada de abril daquele ano. O regime militar, naquele momento, empenhava-se em retribuir a ajuda decisiva dos EUA para a queda de João Goulart.
A afirmação desastrada de Magalhães – que o próprio embaixador estadunidense, Lincoln Gordon, chamou de “infeliz”, em uma conversa privada – sinalizava a reversão radical da política externa independente que vinha sendo implementada no período de Jango pelo chanceler Santiago Dantas.
Uma das primeiras medidas dos golpistas fardados em 1964 foi romper relações com Cuba, sinalizando o engajamento explícito do Brasil na Guerra Fria, do lado dos EUA. Os integrantes da missão comercial da República Popular da China foram presos e expulsos do país. No ano seguinte, o presidente Castello Branco enviou 1.100 militares brasileiros para a República Dominicana em apoio às forças estadunidenses que invadiram aquele país caribenho.
O Brasil só não chegou a enviar soldados para combater ao lado dos EUA na Guerra do Vietnã (havia um “convite” nesse sentido) devido à oposição de parlamentares do próprio partido governista, a Arena, além da falta de disposição dos chefes militares para embarcar numa aventura tão perigosa, em terras distantes.
O país já havia resistido, na década de 1950, a uma campanha de americanófilos mais exaltados que defendiam o envio de tropas para a Guerra da Coreia. Mas passou pelo vexame, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), de romper relações com a União Soviética por iniciativa própria, sem uma justificativa clara e até mesmo na ausência de pressão externa nesse sentido (outros países latino-americanos, igualmente alinhados aos EUA, mantiveram seus laços diplomáticos com Moscou naquele período). Dutra quis ser “mais realista que o rei”, uma postura que o levou, no mesmo contexto, a colocar na ilegalidade o Partido Comunista, em 1947.
Hoje não existe mais Guerra Fria, mas a diplomacia golpista já deixou claro, desde o início, seu distanciamento perante a Unasul, a Celac e o Brics, iniciativas que claramente colocam limites à hegemonia global dos EUA. Em sentido inverso, optou pela valorização da decadente Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja subserviência a Washington levou Fidel Castro a chamá-la de “Ministério das Colônias”.
A ironia do momento atual é o abandono de qualquer noção de interesse nacional pelos mesmos políticos, jornalistas e funcionários que, no governo anterior, denunciavam como “ideológico” o comportamento dos formuladores de política externa, enquanto eles, em contraste, adotavam a pose de pragmáticos defensores de uma diplomacia “de Estado e não de partido”.
Eu pergunto: onde está o legítimo interesse brasileiro em um ato provocativo como a promoção do diplomata Eduardo Sabóia – punido por indisciplina em 2013 por trazer para o Brasil, escondido num carro da nossa embaixada em La Paz, um ex-senador boliviano processado pelo Judiciário do seu país por corrupção e pelo envolvimento num massacre de camponeses – para o cargo de mais alto da carreira no Ministério das Relações Exteriores, o de ministro de primeira classe?
Os golpistas que agora agem como se fossem donos do Itamaraty desprezam a importância de manter relações amigáveis com a Bolívia, país vizinho com o qual compartilhamos milhares de quilômetros de fronteira e mantemos relevantes laços econômicos e sociais.
No plano das relações econômicas internacionais, o governo golpista trata de colocar em prática o programa do candidato do PSDB derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves, com destaque para o rebaixamento do Mercosul ao transformá-lo de união aduaneira em uma simples zona de livre comércio. Logo após o afastamento de Dilma Rousseff em abril de 2016, o chanceler golpista José Serra já começou a se mover, afoito, no sentido de levar o Brasil para o Acordo Transpacífico de Comércio e Investimentos, porém… chegou tarde demais.
Foi atropelado por Donald Trump. No contexto da inflexão protecionista da política comercial estadunidense,Trump detonou, sem perda de tempo, o mega acordo gestado pela dupla Obama & Hillary, deixando os vira-latas brasileiros a ver navios.
Como em episódios históricos anteriores de subserviência ao Império, os neoliberais tupiniquins tentavam se mostrar mais liberais do que os senhores do neoliberalismo global, aos quais prestam vassalagem. Qualquer semelhança com os tempos de Fernando Collor, que chamou os automóveis brasileiros de carroças e levou setores inteiros da indústria nacional à falência com uma abertura comercial indiscriminada e sem contrapartidas, é mais do que coincidência.
Mas o verdadeiro vira-lata nunca desiste, e lá vem de novo a diplomacia temerária abanando o rabo para o Primeiro Mundo, agora em busca de uma vaga na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o “clube dos ricos” – como bem apontou o analista político Marcelo Zero.
A submissão do desgoverno Temer aos interesses externos vai muito além dos gestos simbólicos, como se vê na gestão entreguista de Pedro Parente na Petrobrás. O difícil, aí, é saber qual é o crime mais grave: a transferência, por preços escandalosamente abaixo do valor real, de preciosos blocos petrolíferos no pré-sal a empresas transnacionais ou a destruição das regras de conteúdo local, estabelecidas no governo Lula para favorecer o desenvolvimento da indústria e da tecnologia brasileiras na cadeia produtiva do pré-sal?
A tudo isso se agrega a reabertura das conversações para a entrega do centro de lançamento de foguetes de Alcântara (Maranhão) às Forças Armadas dos EUA. Essas tratativas tinham sido iniciadas na gestão de Fernando Henrique Cardoso e suspensas por Lula após a sua posse em 2003. Se uma base militar estrangeira em território nacional era só o que faltava no cenário tenebroso do pós-golpe, em breve não faltará mais, a menos que a resistência da sociedade brasileira impeça este novo atentado à nossa soberania.
E o que dizer do uso do Mercosul e da OEA pela diplomacia de Temer e de outros países latino-americanos alinhados ao imperialismo como plataformas para a desestabilização do governo venezuelano? Mais uma vez, os operadores políticos da grande burguesia brasileira retiram a máscara “republicana” que usavam ao acusar os governos progressistas de se guiarem no cenário externo por “ideologia” e agora se colocam, às claras, como força auxiliar da direita venezuelana mais truculenta na sua ofensiva para derrubar o presidente Maduro.
O bando de Temer ameaça reviver, também na esfera das relações sul-americanas, episódios lamentáveis da história da política externa nacional. Nos tempos da ditadura, os militares do Brasil atuaram na região como cães de guarda dos EUA, justificando a fama do nosso país como subimperialista. Em 1973, o Estado brasileiro participou ativamente da derrubada do governo democrático e socialista de Salvador Allende, no Chile.
A embaixada brasileira em Santiago funcionava como centro de operações dos conspiradores e canal por onde fluía o dinheiro de empresários brasileiros que financiaram grupos fascistas chilenos. O Brasil esteve entre os primeiros países que reconheceram o regime assassino de Augusto Pinochet e, nos meses seguintes, agentes do aparato repressivo brasileiro estiveram em Santiago para ensinar técnicas de tortura aos seus colegas chilenos.
Muitos dos elementos da tragédia chilena estão presentes na Venezuela atual: os métodos de sabotagem econômica utilizados pela burguesia para gerar uma situação artificial de escassez, e a campanha sistemática das grandes redes internacionais de mídia para criar uma matriz de opinião negativa em relação ao governo popular, entre outras coisas.
Agora a escalada do conflito político na Venezuela já atingiu um ponto de pré-guerra civil, com ataques de grupos paramilitares a edifícios públicos, assassinatos de ativistas de esquerda e o uso de armas de fogo por manifestantes supostamente “pacíficos”.
Diante de uma situação tão dramática no país vizinho, caberia ao governo brasileiro, qualquer que fosse sua inclinação ideológica, atuar no sentido de diluir as tensões e contribuir, como mediador, para o diálogo com vistas a uma solução política, nos marcos da Constituição.
Mas os representantes do Brasil fazem exatamente o contrário do que se poderia esperar de autênticos diplomatas – lançam gasolina no incêndio, estimulando as facções mais violentas da oposição e utilizando de forma oportunista o peso político do Brasil nas organizações internacionais com a intenção de isolar o governo legítimo de Maduro.
A irresponsabilidade é a marca da conduta das autoridades brasileiras perante a crise venezuelana. Já não se trata de questionar, simplesmente, a opção política da “diplomacia” de Brasília ao apoiar de modo escancarado a oposição direitista em sua investida para reverter as conquistas sociais da Revolução Bolivariana e devolver o poder à oligarquia local.
Está em jogo algo muito mais grave. O conflito do outro lado da fronteira já começa a envolver diretamente o Brasil, com a chegada crescente de venezuelanos ao estado de Roraima, e põe em risco interesses permanentes da nossa pátria – a paz e a soberania.
Será que é do interesse nacional uma intervenção militar dos EUA – sob o pretexto de “ação humanitária”, é claro – bem ali na nossa fronteira amazônica? É do interesse nacional uma guerra civil no país vizinho? Uma conflagração desse tipo trará para o Brasil, entre outras consequências, o ingresso de multidões de refugiados no nosso território, a violação das fronteiras pelas forças beligerantes e o tráfico de armas, sem contar o agravamento do conflito político no nosso próprio país, com a mobilização de setores opostos da sociedade brasileira em apoio aos dois lados em luta na Venezuela.
Se isso acontecer, será mais um crime a ser atribuído não só ao grupinho de Temer, mas a toda a aliança política envolvida no golpe de Estado de 2016 – empresários, magistrados, mídia e partidos, principalmente o PSDB, que na repartição do butim entre os golpistas recebeu de presente o Itamaraty.
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