*José Álvaro de Lima Cardoso.
No escasso e tendencioso debate que está
havendo sobre a contrarreforma da previdência Social - que está sendo
encaminhada para aprovação no Congresso de forma afobada, justamente para não
circular informações transparentes e autênticas - o principal argumento utilizado
pelo governo tem sido o do déficit. O número do “déficit” de 2016, por
exemplo, de R$ 149,73 bilhões (2,4% do PIB), é conta propositalmente distorcida, que compara
apenas a relação entre o total de gastos com as
aposentadorias e pensões, e o valor arrecadado através da contribuição dos
trabalhadores e empregadores. O déficit é uma discussão crucial, porque se não
houvesse viabilidade financeira para o pagamento dos atuais benefícios da Previdência
Social, obviamente a mesma teria que ser reformada, e de forma rápida, pela
importância capital que ocupa na estrutura social e econômica brasileira.
Este é um
debate difícil para quem busca o aprofundamento de tema tão árido. Não dá para
tratar de um sistema complexo como o da Seguridade Social (Previdência, Saúde e
Assistência Social), de maneira superficial e açodada, como faz boa parte dos participantes
da discussão. Isso só beneficia quem deseja implodir o sistema (e estes têm
muito poder). Por exemplo, como convencer as pessoas que o
problema do déficit público não é a Previdência e sim o pagamento de juros da
dívida pública, que consome quase metade dos gastos do orçamento do Governo
Federal, sem um debate aprofundado e minucioso? Enquanto o déficit anunciado da
Previdência pelo governo é de 149,7 bilhões de reais, o governo entrega ao
setor privado algo em torno de 501 bilhões ao ano, ou seja, 8% do PIB. A conta pública
não fecha, não pela Previdência, mas, principalmente, pelo gasto com a dívida
pública. Dívida esta, cujos fundamentos, não sobreviveriam à uma Auditoria
criteriosa, conforme determinou a Carta Magna de 1988, o que nunca foi cumprido
pelos sucessivos governos.
A receita da Seguridade só não é ainda mais
folgada em decorrência da política de desoneração da folha de pagamento das
empresas, opção adotada desde o governo anterior no combate aos primeiros
sinais da crise econômica, e que é um dos fatores da deterioração das contas do
Seguridade Social. As
renúncias da previdência social somente nos últimos seis anos, totalizaram R$
270 bilhões. Ademais, dos 271 bilhões de reais concedidos
em desonerações em 2016, 54% foram extraídos da Previdência. Outro
problema crucial é a sonegação de impostos, que somente no ano passado tirou R$
60 bilhões da Previdência. A evasão total de divisas e a sonegação fiscal de
empresas brasileiras alcançam quase R$ 500 bilhões e a dívida das empresas com a Previdência
Social acumula R$ 426 bilhões, três vezes o suposto déficit da Previdência em
2016. Na lista das
empresas devedoras da Previdência, há gigantes como Bradesco, Caixa
Econômica Federal, Marfrig, JBS (dona de marcas
como Friboi e Swift) e Vale.
A Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Anfip), em parceria com o
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e
a Plataforma Política Social, lançaram recentemente o livro A Previdência Social em 2060: as inconsistências do modelo
de projeção atuarial do governo brasileiro, que mostra as
escandalosas imprecisões nas estimativas elaboradas pelo governo federal nos
últimos anos. O livro revela, ademais, as inconsistências das premissas
utilizadas pelo governo Temer para calcular o déficit da Previdência, o que fica
bem claro no referido trabalho, organizada pelos economistas Claudio Castelo
Branco Puty e Denise Lobato Gentil, especialistas no assunto. Dos artigos do
livro, entre várias constatações fundamentais, fica evidente que quanto maior o
período de projeções estatísticas para o futuro, maior é o risco de erros. Os
autores mostram, por exemplo, que ao longo dos anos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO), projetou necessidade de financiamento do Regime da Previdência Social,
muito maior do que aquele que se verificou de fato. Ou seja, o déficit
projetado pela LDO supera, quase sempre em números significativos, o déficit
verificado. Claro que, no que se refere à orçamento, especialmente o orçamento público,
é sempre bom manter uma postura realista, com viés pessimista. Mas é que esse pessoal
do governo tem “exagerado”.
É bom ter claro que nestas projeções a imprecisão
estatística é o problema menor. Tem também aí intenções que não podem ser confessadas.
Os modelos atuariais utilizados pelo governo, por exemplo, para defender a tese
de que a contrarreforma da previdência é inevitável, tem uma série de distorções
propositais, para iludir a boa fé das pessoas. É que no fundo, o objetivo da contrarreforma
da previdência social não é para melhorá-la ou evitar o seu colapso, como
afirmam. Pelo contrário, a intenção é inviabilizá-la para abrir espaço para os bancos venderem planos de
previdência privada. A privatização da previdência social compõe o pacote de
maldades do governo, que é muito mais completo. Somente no campo das relações de
trabalho, inclui ainda a reforma trabalhista, a terceirização sem limites e a
EC da Morte, que congela gastos sociais por 20 anos para pagar a dívida, e que já
está em vigor.
*Economista.
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