segunda-feira, 1 de julho de 2013
Por Luiz Carlos Bresser-Pereira
“Vítimas de um atentado bárbaro, os EUA reagiram com práticas que aboliram [no mundo] a vigência dos direitos civis.
A democracia
americana vive hoje seu pior momento. No século 19, os direitos civis
foram assegurados. No final desse século, graças às lutas populares, o
sufrágio universal foi afinal conquistado, ao mesmo tempo que a
democracia se transformava em um valor universal.
Afinal,
filósofos, políticos e cidadãos concordavam que a democracia é o melhor
dos regimes políticos, e se estabelecia um conceito mínimo de democracia: é democrático o país no qual são assegurados os direitos civis e o direito ao sufrágio universal é exercido em eleições livres.
Foi um
imenso progresso, que, a partir dos anos 1980, avançaria graças à
transição para a democracia de um grande número de países em
desenvolvimento.
No
pós-Segunda Guerra Mundial, os EUA se viram como um modelo de democracia
a ser seguido, e, como havia alguma verdade na tese, lograram convencer
o resto do mundo. Mas já nos anos 1970, com a guerra dos EUA no Vietnã,
e sua derrota, essa imagem começou a ser manchada.
Não
obstante, com o colapso da União Soviética, o poder americano
restabeleceu-se e, com ele, os EUA transformaram a democracia em arma
ideológica contra os governos relativamente nacionalistas ou
desenvolvimentistas de países pobres que buscavam realizar sua revolução
nacional e industrial.
Para agir
assim, continuavam a se ver como modelo de democracia, mas esta
definhava. Ficava cada vez mais claro o quanto o poder do dinheiro nas
eleições, o quanto um sistema eleitoral retrógrado e o quanto uma
Constituição que não se podia mais emendar reduziam a qualidade da
democracia americana.
Mas a grande
tragédia aconteceu após o 11 de Setembro. Vítima de um [estranho, ainda
não desvendado e com muitas incongruências nas "investigações"
governamentais,] atentado "terrorista bárbaro", o sistema político
americano reagiu com o “Patriot Act” e, em seguida, com uma série de
práticas que aboliram a vigência dos direitos civis [no mundo]: a
tortura tornada sistemática, a prisão sem a devida acusação e processo
judicial, o assassinato de todos aqueles que o sistema de segurança
nacional considera inimigos dos EUA e a invasão da privacidade de todos.
Mas tortura, prisões ilegais e assassinatos "só aconteceriam com estrangeiros"
terroristas ["justificam"]. Não é verdade. E desde quando o fato de
alguém ser "estrangeiro" justifica a violência contra seus direitos
civis? Agora, quando tomamos conhecimento da invasão da privacidade de
milhões de pessoas, é o arbítrio que se instala.
Conforme assinalou Daniel Ellsberg em artigo no "Guardian" (11 de junho), "desde
o 11 de Setembro houve, inicialmente de maneira secreta, mas em seguida
de maneira crescentemente aberta, a revogação do bill of rights'
(direitos civis) pelos quais este país lutou nos últimos 200 anos".
Sabemos que o
poder excessivo corrompe. Os EUA, hoje, não atendem ao conceito mínimo
de democracia. Seu retrocesso no plano político é um fato triste, que
alimenta os prognósticos pessimistas dos que se recusam a acreditar em
progresso e em democratização.
É consequência do poder excessivo desse país, que passou a justificar o arbítrio em nome de uma "segurança nacional" que não é outra coisa senão a própria expressão desse poder.”
FONTE: escrito por Luiz Carlos Bresser-Pereira na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/114388-democracia-corrompida.shtml). [Imagens do Google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
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