Ao
final de cada ano o mercado financeiro inicia o processo de ameaça com o
fantasma da inflação. Aproveita a sazonalidade característica de maior
ritmo inflacionário típico do início de cada ano.
Nesse início há
os reajustes e pagamentos no IPTU, IPVA, despesas escolares e contratos
com vencimentos de início de ano, visando recompor a inflação ocorrida
no ano anterior. É um período favorável para as ameaças de inflação e,
ato contínuo pressão ao governo para elevar a Selic.
Neste
ano esses arautos do fantasma da inflação tiveram uma ajuda extra
importante. Foi o choque climático que reduziu a oferta de vários
alimentos in natura, sendo o tomate tomado como símbolo. Isso tudo
convergiu para dar suporte a essa campanha conduzida com competência
pelos representantes do mercado financeiro, que têm nos principais meios
de comunicação, seus propagadores.
O resultado alcançado levou o
governo a ceder em sua política de redução das taxas de juros. O Banco
Central (BC) que estava acuado, sendo duramente criticado pelo mercado
financeiro, resolveu usar mais uma vez a solução milagrosa de elevar a
Selic, mesmo sabendo que nenhum banco central no mundo fazia elevações
desde setembro de 2012.
Mas nosso BC é especial e lá foi ele subindo a Selic do seu mínimo histórico de 7,25% para até agora 8,5%, prometendo ir além.
O
mercado financeiro que antes criticava o BC passou a elogiá-lo,
argumentando que ele agora estava reconquistando sua liberdade e passou a
ancorar (bonita palavra) as expectativas dos agentes econômicos. A
razão todos sabem: quanto mais alta a Selic maior o lucro do sistema
financeiro e, quem paga isso é o Tesouro Nacional.
Fato é que o
choque agrícola ia naturalmente se dissipar e isso já podia ser captado
pela inflação mensal cadente desde janeiro no IPCA de alimentos e
bebidas: janeiro 1,99%, fevereiro 1,45%, março 1,14%, abril 0,96%, maio
0,31% e junho 0,04%.
Isso, no entanto, não pesou nas avaliações
do BC. Preferiu considerar a inflação acumulada nos últimos doze meses,
que era crescente devido à comparação com a inflação mensal deste ano
com a correspondente de 2012.
É importante observar o peso que
tem os alimentos na inflação. Na composição do IPCA os alimentos e
bebidas pesam 25%. Desde maio do ano passado essa inflação ficou acima
do IPCA. Caso fosse excluída sua participação, o IPCA nos últimos doze
meses girou no entorno de 3,5% ao ano, ou seja, a inflação no Brasil
ficou abaixo do centro da meta de 4,5% se não fosse pela inflação de
alimentos e bebidas.
Essa constatação questiona a política de
usar a Selic para controlar a inflação. Ninguém advoga que a Selic
influencia a inflação de alimentos, muito menos a de alimentos in
natura, que dependem especialmente da oferta, sujeita a chuvas e
trovoadas.
Mas, novamente foi usada a elevação da Selic, como se a
inflação fosse cair por ação do BC. Ela vem caindo, independentemente
do BC, e continuará caindo, pois refluíram os preços dos alimentos. Mas,
atenção, o mercado financeiro vai tentar mais uma vez torcer os fatos e
atribuir a elevação da Selic como a responsável pela queda da inflação.
É
isso aí! É pena que a presidenta Dilma, que é quem de fato conduz a
economia, também tenha caído mais uma vez no engodo do mercado
financeiro.
O estrago feito, e que continuará a crescer com novas
elevações da Selic, sai caro ao País. Cada elevação de um ponto na
Selic causa uma despesa adicional ao governo federal de R$ 27 bilhões.
As elevações neste ano atingiram até agora R$ 34 bilhões.
O
mercado financeiro ardilosamente pressiona por seus porta vozes, em
geral ex-presidentes do BC, para a redução das despesas do governo, para
evitar que o BC, sozinho (coitado) tenha que elevar a Selic. Na
realidade querem espaço fiscal maior para dar lugar ao aumento das
despesas com juros. Assim, vale observar a ginástica que vem fazendo o
governo para cortar R$ 12 bilhões. É o mesmo que enxergar uma pulga e
não ver um elefante desfilando à sua frente.
A despesa com a
elevação dos juros, até a Selic de 8,5%, de R$ 34 bilhões, equivale a
uma vez e meia à prevista para este ano com o Bolsa Família, que deve
atingir neste ano R$ 23 bilhões. É por isso que vale a crítica de que o
governo dá com uma mão os R$ 23 bilhões e retira com a outra R$ 34
bilhões para dá-lo ao mercado financeiro e ao rentismo que alimenta a
elite financeira do País.
Nesse sentido todas as políticas
econômicas até agora, passando por todos os governos, mantém como traço
marcante o domínio do mercado financeiro. E isso em nome da
independência do BC. Vale registrar a Selic média ocorrida nas gestões
dos diferentes presidentes do BC. Os três primeiros comandaram o BC na
fase FHC: Gustavo Loyola 22,6%, Gustavo Franco 24,6%, Armínio Fraga
19,5%, Henrique Meirelles 14,9% e Alexandre Tombini até agora 9,6%.
Uma
nova política econômica se impõe para retomar o crescimento baseado na
economia real, e não mais sendo pilotada ao interesse do mercado
financeiro. Para isso destaco: a) operar a Selic ao nível da inflação,
como fazem os demais países; b) emitir moeda para pagar os juros da
dívida federal, como fazem os países desenvolvidos; c) deixar o câmbio
flutuar, sem interferência do BC.
Com essas três medidas se
poderá: a) economizar os recursos hoje destinados ao pagamento de juros
(R$ 16 bilhões em média por mês); b) devolver às empresas o poder
competitivo que foi retirado com o câmbio artificialmente valorizado
pelo BC; c) equilibrar as contas externas e; d) crescer de forma
sustentada, com fundamentos macroeconômicos sólidos.
Caso não
haja as mudanças, o governo vai continuar remando contra a maré e
agravando o quadro fiscal, as contas externas e amargando a
semiparalisia econômica.
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